segunda-feira, 27 de junho de 2011

A oração na história da igreja

Alderi Souza de Matos

No início da era cristã, a espiritualidade pessoal judaica era caracterizada por três elementos principais: esmolas, oração e jejum (ver Mt 6.1-18). Jesus valorizou essas práticas, contanto que realizadas com uma atitude interior correta, dando ênfase especial à oração. Ele estabeleceu alguns princípios a serem observados: prioridade da oração particular, discrição e humildade (“fechada a porta”), objetividade (sem “vãs repetições”), confiança no cuidado paternal de Deus. Também ensinou aos seus discípulos uma significativa oração modelo, o “Pai Nosso”.

No final do 1º século ou início do 2º, começaram a surgir normas sobre a oração. Um antigo documento da época, a Didaquê, afirma o seguinte: “Não orem como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou no evangelho: ‘Pai nosso que estás no céu... Porque teu é o poder e a glória para sempre’. Orem assim três vezes por dia” (8:2-3). Existem evidências de que, desde uma época muito remota, os cristãos em muitos lugares observavam certas horas de oração particular. Tertuliano menciona a manhã e a noite, bem como as tradicionais horas terceira, sexta e nona. Além disso, a Tradição Apostólica de Hipólito fala de um culto público matinal para ensino e oração ao qual todos eram incentivados a ir diariamente. No culto público, os cristãos ajoelhavam-se para orar, exceto aos domingos (ver G. P. Fisher, History of the Christian Church, pág. 65).

Em pouco tempo surgiram orações litúrgicas pré-estabelecidas. A Didaquê (caps. 9 e 10) apresenta alguns belos exemplos:

“Celebrem a eucaristia deste modo: Digam primeiro sobre o cálice: ‘Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste por meio de teu servo Jesus. A ti a glória para sempre’. Depois digam sobre o pão partido: ‘Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelaste por meio de teu servo Jesus. A ti a glória para sempre. Do mesmo modo que este pão partido tinha sido semeado sobre as colinas, e depois recolhido para se tornar um, assim também a tua Igreja seja reunida desde os confins da terra no teu reino, porque tua é a glória e o poder, por meio de Jesus Cristo, para sempre’.

Depois de saciados, agradeçam deste modo: ‘Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo Nome, que fizeste habitar em nossos corações, e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelaste por meio do teu servo Jesus. A ti a glória para sempre. Tu, Senhor todo-poderoso, criaste todas as coisas por causa do teu Nome, e deste aos homens o prazer do alimento e da bebida, para que te agradeçam. A nós, porém, deste uma comida e uma bebida espirituais, e uma vida eterna por meio do teu servo. Antes de tudo, nós te agradecemos porque és poderoso. A ti a glória para sempre. Lembra-te, Senhor, da tua Igreja, livrando-a de todo o mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatro ventos esta Igreja santificada para o teu reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a glória para sempre. Que a tua graça venha, e este mundo passe. Hosana ao Deus de Davi. Quem é fiel, venha; quem não é fiel, converta-se. Maranata. Amém’”.

Na Epístola de Clemente aos Coríntios (c. 96 AD) existe uma oração tão elaborada que pode ter sido usada habitualmente por esse líder no culto público (Fisher, pág. 65). Por volta do ano 150, o culto cristão foi descrito da seguinte maneira por Justino Mártir em sua Primeira Apologia (caps. 65, 67):


“Depois de termos lavado dessa maneira aquele que se converteu e deu o seu consentimento, o conduzimos aos irmãos reunidos para em comum oferecer orações por nós mesmos, por aquele que foi iluminado e por todos os homens do mundo... Ao terminar as orações, mutuamente nos saudamos com o ósculo da paz e logo se traz ao presidente o pão e um cálice de vinho com água. Ele os recebe, oferecendo-os ao Pai de todas as coisas num tributo de louvores e glorificações, em nome do Filho e do Espírito Santo, dando graças por sermos considerados dignos de tamanhos favores da sua clemência. Terminadas as orações e ações de graça, os presentes as ratificam com o “Amém”, palavra hebraica que significa “assim seja”... Sobre tudo o que recebemos, louvamos o Criador de todas as coisas em nome de Jesus Cristo, seu Filho, e do Espírito Santo” [Referência ao costume, obrigatório para os cristãos assim como para os judeus, de dar graças a Deus antes de receber as suas dádivas, o que tornava cada refeição um ato sagrado.]

Podia haver a tendência de valorizar mais as esmolas e o jejum que a oração: “O jejum é melhor que a oração, mas as esmolas melhores que ambos” (2 Clemente 16). Mais tarde, passou-se a ter em alta estima as orações intercessórias dos santos falecidos, especialmente os mártires. Daí surgiu o costume de dirigir orações a eles. Mais adiante, o mesmo foi feito com Maria. Desde o segundo ou o terceiro século, também surgiu a prática de se orar pelos mortos.

A oração recebeu grande ênfase em conexão com o monasticismo. Bento de Núrsia (6º século) entendia que ela era o âmago da vida monástica. Todos os dias havia horas prescritas para a oração particular, mas a maior parte das devoções ocorria na capela, onde os monges se reuniam sete vezes durante o dia e uma vez no meio da noite, conforme o Salmo 119.164, 62.

Na Idade Média, os místicos, como era de se esperar, deram grande ênfase à oração. Foi o caso de Bernardo de Claraval (séc. 12) e dos Irmãos da Vida Comum (séc. 14). Outros exemplos são os místicos espanhóis do século 16, Teresa de Ávila (1515-1582) e João da Cruz (1542-1591). O misticismo geralmente surgia numa época em que a religião se tornava excessivamente institucionalizada e as pessoas buscavam um relacionamento mais pessoal com Deus.

Em reação à religiosidade medieval, o protestantismo retornou a padrões exclusivamente bíblicos no que diz respeito à oração. Os reformadores escreveram amplamente sobre o assunto. Calvino dedicou ao tema o maior capítulo das Institutas (Livro III, Cap. 20), que tem por título: “A oração, que é o principal exercício da fé e por meio da qual recebemos diariamente os benefícios de Deus”. Ele aborda questões como: (a) a natureza e o valor da oração; (b) as regras da correta oração; (c) a intercessão de Cristo; (d) a rejeição das doutrinas errôneas da intercessão dos santos; (e) tipos de oração: particular e pública; (f) o uso do canto e da linguagem falada na oração; (g) exposição detalhada da Oração do Senhor, e (h) momentos especiais de oração e necessidade de perseverança.

No protestantismo, alguns movimentos têm dado grande ênfase à oração. Alguns exemplos significativos são o puritanismo inglês e norte-americano, o pietismo alemão, o avivamento evangélico inglês e os despertamentos norte-americanos. Certos personagens ficaram conhecidos pela sua vida de oração: Martinho Lutero, George Miller, João Wesley, Charles Simeon, Robert Murray M’Cheyne, Jonathan Edwards e David Brainerd, entre outros.
Fonte: www.mackenzie.com

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