A Igreja Católica ensina que os irmãos de Jesus não eram realmente irmãos – eram primos! Ela afirma que o aramaico não faz distinção entre primo e irmão, e, portanto, os irmãos do Senhor eram meros primos. Realmente é muito comovente o fato de que o aramaico não tenha essa definição, mas é uma pena que isso não tem absolutamente nada a ver com o original do Novo Testamento, que foi escrito em grego, e não no aramaico.
E, ainda que o aramaico deixe a desejar neste sentido, o grego é tão claro e específico quanto o português. No grego, há palavra específica para primo, para irmão e para parente. Vejamos os significados de cada palavra de acordo com o léxico da Concordância de Strong:
431 ανεψιος anepsios
de 1 (como partícula de união) e uma partícula arcaica nepos (um parente); n m
1) primo.
80 αδελφος adelphos
de 1 (como uma partícula conectiva) e delphus (o ventre);
TDNT 1:144,22; n m
1) um irmão, quer nascido dos mesmos pais ou apenas do mesmo pai ou da mesma mãe.
2) tendo o mesmo antepassado nacional, pertencendo ao mesmo povo ou compatriota.
3) qualquer companheiro ou homem.
4) um fiel companheiro, unido ao outro pelo vínculo da afeição.
5) um associado no emprego ou escritório.
6) irmãos em Cristo.
6a) seus irmãos pelo sangue.
6b) todos os homens.
6c) apóstolos.
6d) Cristãos, como aqueles que são elevados para o mesmo lugar celestial.
4773 συγγενης suggenes
de 4862 e 1085; TDNT - 7:736,1097; adj
1) da mesma família, semelhante a, parente de sangue.
2) num sentido mais amplo, da mesma nação, compatriota.
Portanto, vemos que:
Anepsios – Primo
Adelphos – Irmão
Suggenes – Parente
A única palavra que tem um sentido mais amplo é adelphos, que em sentido figurado ou espiritual significa os “irmãos em Cristo”, ou “companheiro”, e não irmão de sangue. Também pode significar um irmão de sangue apenas de parte paterna ou materna. Porém, como ambos os casos são rejeitados pela Igreja Romana (a ortodoxa adota a segunda posição, enquanto a romana sustenta que são primos), não irei me basear nestes sentidos secundários, mas apenas no primário, isto é, de irmão de sangue, que não eram filhos de José em um casamento anterior.
O caso que vemos aqui, portanto, é bem curioso. Nós temos três palavras no grego de parentesco. Uma é somente um “parente próximo”, outra é especificamente “primo”, e a outra é “irmão” mesmo. Seria de se esperar, por motivos óbvios, que nas vezes em que os “primos” de Jesus fossem mencionados estivesse em cena a palavra anepsios, mas isso não ocorre em absolutamente nenhuma citação dos irmãos de Jesus.
Em absolutamente todas as citações, vemos sendo usado adelphos (irmãos, e não primos) para designar os irmãos de Cristo. Segue-se abaixo uma pequena lista de citações em português e no original grego, todas elas confirmando que os irmãos de Jesus eram adelphos, e não anepsios:
“Ele, porém, respondendo, disse ao que lhe falara: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos?”(Mateus 12:48)
“de apokritheis eipen tô a=legonti tsb=eiponti autô tis estin ê mêtêr mou kai tines eisin oi adelphoimou”(Mateus 12:48)
“E, falando ele ainda à multidão, eis que estavam fora sua mãe e seus irmãos, pretendendo falar-lhe”(Mateus 12:46)
“eti tsb=de autou lalountos tois ochlois idou ê mêtêr kai oi adelphoi autou eistêkeisan exô zêtountes autô lalêsai”(Mateus 12:46)
“E disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, que querem falar-te” (Mateus 12:48)
“o de apokritheis eipen tô a=legonti tsb=eiponti autô tis estin ê mêtêr mou kai tines eisin oi adelphoimou” (Mateus 12:48)
“Não é este o filho do carpinteiro? e não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas?” (Mateus 13:55)
“ouch outos estin o tou tektonos uios a=ouch tsb=ouchi ê mêtêr autou legetai mariam kai oi adelphoiautou iakôbos kai a=iôsêph tsb=iôsês kai simôn kai ioudas” (Mateus 13:55)
“Chegaram, então, seus irmãos e sua mãe; e, estando fora, mandaram-no chamar. E a multidão estava assentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãoste procuram, e estão lá fora. E ele lhes respondeu, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos? E, olhando em redor para os que estavam assentados junto dele, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porquanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe” (Marcos 3:31-35)
“tsb=erchontai tsb=oun tsb=oi tsb=adelphoi kai a=erchetai ê mêtêr autou kai a=oi a=adelphoi a=autou a=kai exô a=stêkontes tsb=estôtes apesteilan pros auton a=kalountes tsb=phônountes auton kai ekathêto tsb=ochlos peri auton a=ochlos a=kai a=legousin tsb=eipon tsb=de autô idou ê mêtêr sou kai oi adelphoi b=sou b=kai b=ai b=adelphai sou a=[kai a=ai a=adelphai a=sou] exô zêtousin se kai a=apokritheis tsb=apekrithê autois a=legei tsb=legôn tis estin ê mêtêr mou a=kai tsb=ê oiadelphoi a=[mou] tsb=mou kai periblepsamenos tsb=kuklô tous peri auton a=kuklô kathêmenous legei ide ê mêtêr mou kai oi adelphoi mou os a=[gar] tsb=gar an poiêsê to thelêma tou theou outosadelphos mou kai adelphê tsb=mou kai mêtêr estin” (Marcos 3:31-35)
“E foi-lhe dito: Estão lá fora tua mãe e teus irmãos, que querem ver-te. Mas, respondendo ele, disse-lhes: Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a executam” (Lucas 8:20-21)
“tsb=kai apêggelê a=de autô tsb=legontôn ê mêtêr sou kai oi adelphoisou estêkasin exô idein tsb=se thelontes a=se o de apokritheis eipen pros autous mêtêr mou kai adelphoimou outoi eisin oi ton logon tou theou akouontes kai poiountes tsb=auton” (Lucas 8:20-21)
“Depois disto desceu a Cafarnaum, ele, e sua mãe, e seus irmãos, e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias” (João 2:12)
“meta touto katebê eis a=kapharnaoum tsb=kapernaoum autos kai ê mêtêr autou kai oi adelphoi a=[autou] tsb=autou kai oi mathêtai autou kai ekei emeinan ou pollas êmeras” (João 2:12)
“Porque nem mesmo seus irmãos criam nele” (João 7:5)
“oude gar oi adelphoi autou episteuon eis auton” (João 7:5)
“Mas, quando seus irmãos já tinham subido à festa, então subiu ele também, não manifestamente, mas como em oculto” (João 7:10)
“ôs de anebêsan oi adelphoi autou a=eis a=tên a=eortên tote kai autos anebê tsb=eis tsb=tên tsb=eortên ou phanerôs a=alla tsb=all a=[ôs] tsb=ôs en kruptô” (João 7:10)
“Disseram-lhe, pois, seus irmãos: Sai daqui, e vai para a Judéia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes” (João 7:3)
“eipon oun pros auton oi adelphoi autou metabêthi enteuthen kai upage eis tên ioudaian ina kai oi mathêtai sou a=theôrêsousin a=sou tsb=theôrêsôsin ta erga tsb=sou a poieis” (João 7:3)
“Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos” (Atos 1:14)
“outoi pantes êsan proskarterountes omothumadon tê proseuchê tsb=kai tsb=tê tsb=deêsei sun gunaixin kai a=mariam tsb=maria tê mêtri tou iêsou kai tsb=sun tois adelphois autou” (Atos 1:14)
“Não temos nós direito de levar conosco uma esposa crente, como também os demais apóstolos, e osirmãos do Senhor, e Cefas?” (1ª Coríntios 9:5)
“mê ouk echomen exousian adelphên gunaika periagein ôs kai oi loipoi apostoloi kai oi adelphoi tou kuriou kai kêphas” (1ª Coríntios 9:5)
“E não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor” (Gálatas 1:19)
“eteron de tôn apostolôn ouk eidon ei mê iakôbon ton adelphon kuriou” (Gálatas 1:19)
Vemos, portanto, que em absolutamente todas as vezes em que alguém se referia aos irmãos do Senhor (ou a algum irmão em específico), empregava adelphos, e não anepsios. Logo, afirmar que os irmãos do Senhor eram anepsios (primos) e não adelphos (irmãos) por causa do aramaico chega a ser risível e é no mínimo uma piada.
Imagine você sabendo que os irmãos do Senhor eram meramente primos, e tendo a palavra para “primo” (anepsios) pronta, a mão, que pode ser perfeitamente utilizada por você quando você quiser ao seu bem querer, e mesmo assim abre mão de aplicá-la em todas as vezes em que alguém se refere aos irmãos de Jesus, e em lugar disso aplica em todas as vezes a palavra para irmão (adelphos)! Dá para entender uma coisa dessas?
Como que nas dezenas de passagens bíblicas sobre os irmãos de Jesus não há nem sequer uma única delas que aplique anepsios? Inferir que eles eram primos é assassinar a exegese, mutilar a gramática grega e querer se passar por alguém melhor do que os apóstolos e evangelistas, pois eles escreveram explicitamente adelphos e não anepsios!
Além disso, temos que lembrar que o apóstolo Paulo, que por duas vezes se referiu aos irmãos de Jesus como sendo adelphos (Gl.1:19; 1Co.9:5) e que nunca se referiu a eles como anepsios, também tinha essa opção por anepsios pronta e totalmente disponível, prova disso é que ele a emprega em Colossenses 4:10:
“Aristarco, meu companheiro de prisão, envia-lhes saudações, bem como Marcos, primo de Barnabé. Vocês receberam instruções a respeito de Marcos, e se ele for visitá-los, recebam-no” (Colossenses 4:10)
“aspazetai umas aristarchos o sunaichmalôtos mou kai markos o anepsios barnaba peri ou elabete entolas ean elthê pros umas dexasthe auton” (Colossenses 4:10)
Paulo diz que Marcos era primo (anepsios) de Barnabé, mas ele mesmo não se refere aos irmãos de Jesus como primos (anepsios), mas como “irmãos” (adelphos), e não em sentido figurado, pois ele os distingue dentre os demais discípulos e apóstolos:
“Não temos nós direito de levar conosco uma esposa crente, como também os demais apóstolos, e osirmãos do Senhor, e Cefas?” (1ª Coríntios 9:5)
“mê ouk echomen exousian adelphên gunaika periagein ôs kai oi loipoi apostoloi kai oi adelphoi tou kuriou kai kêphas” (1ª Coríntios 9:5)
Portanto, os irmãos de Jesus eram realmente irmãos (adelphos), e não primos (anepsios). Mas isso não acaba aqui. Ainda há uma importante adição a ser ressaltada: se não fosse suficientemente marcante a diferença entre adelphos e anepsios, os escritores bíblicos ainda tinham à sua disposição a palavra grega suggenes, que significa um parente de sangue. Ela também seria perfeita para ser aplicada aos irmãos de Jesus (caso não fossem irmãos de sangue literalmente), mas nunca foi! No “Manual de Exegese Bíblica”, Gilson Xavier de Azevedo diz:
“Os irmãos de Jesus segundo a carne eram irmãos carnais ou primos (como dizem os romanistas)? O grego aqui diz ‘adelphos’ – irmãos consanguíneos. Irmãos significando parente é ‘suggenes’”(Manual de Exegese Bíblica do Novo Testamento)
Portanto, os apóstolos deixaram de aplicar uma palavra que seria ideal se os irmãos de Cristo fossem apenas primos, isto é, parentes sanguíneos próximos, mas não irmãos. E essa omissão não se deu pelo fato dos evangelistas terem preferido fazer “uso do aramaico”, pois o próprio Lucas a aplica em seu evangelho:
“Também Isabel, sua parenta, terá um filho na velhice; aquela que diziam ser estéril já está em seu sexto mês de gestação” (Lucas 1:36)
“kai idou elisabet ê a=suggenistsb=suggenês sou kai autê a=suneilêphen tsb=suneilêphuia uion en ab=gêrei ts=gêra autês kai outos mên ektos estin autê tê kaloumenê steira” (Lucas 1:36)
“Disseram-lhe: ‘Você não há nenhum parente com esse nome’” (Lucas 1:61)
“kai a=eipan tsb=eipon pros autên oti oudeis estin a=ek tsb=en a=tês tsb=tê a=suggeneias tsb=suggeneia sou os kaleitai tô onomati toutô” (Lucas 1:61)
E nos Atos dos Apóstolos, Lucas continua aplicando essa palavra:
“Saia da sua terra e do meio dos seus parentes e vá para a terra que eu lhe mostrarei” (Atos 7:3)
“kai eipen pros auton exelthe ek tês gês sou kai a=[ek] tsb=ek tês suggeneias sou kai deuro eis a=tên gên ên an soi deix” (Atos 7:3)
João, em seu evangelho, também não hesita em fazer uso de suggenes quando tratava de parentes:
“Um dos servos do sumo sacerdote, parente do homem cuja orelha Pedro decepara, insistiu: ‘Eu não o vi com ele no olival?’” (João 18:26)
“legei eis ek tôn doulôn touarchiereôs suggenês ôn ou apekopsen petros to ôtion ouk egô se eidon en tô kêpô met autou”(João 18:26)
O apóstolo Paulo também fazia uso dessa palavra quando falava de parentes:
“Saúdem Herodião, meu parente. Saúdem os da casa de Narciso, que estão no Senhor” (Romanos 16:11)
“aspasasthe ab=êrôdiôna ts=êrodiôna ton suggenê mou aspasasthe tous ek tôn narkissou tous ontas en kuriô” (Romanos 16:11)
Portanto, temos aqui outro caso interessante:
–Lucas aplicava suggenes a pessoas que não eram irmãs, mas parentes, e faz isso três vezes, tanto em seu evangelho como em Atos (Lc.1:36; Lc.1:61; At.7:3), mas quando se referia aos irmãos de Jesus, nunca usava suggenes, mas sempre adelphos (Lc.8:20; Lc.8:21).
–João, o discípulo amado, também usava suggenes quando falava de parentesco (Jo.18:26), mas também nunca a utilizou quando falava sobre os irmãos de Jesus (Jo.2:12; 7:3; 7:5; 7:10).
–E o apóstolo Paulo é o caso mais interessante, pois ele usava anepsios quando falava de primos (Cl.4:10), e suggenes quando falava de parentes (Rm.16:11), mas só usou adelphos quando falou dos irmãos de Jesus (Gl.1:19; 1Co.9:5)!
A tabela abaixo nos mostra os diferentes termos gregos que os escritores bíblicos utilizavam e tinham à sua disposição, seguido de referências de algumas de suas menções no Novo Testamento:
Irmão
|
Primo
|
Parente
|
“Adelphos” (Mc.3:31-35; Jo.2:12; Jo.7:3-10; Gl.1:19; 1Co.9:5)
|
“Anepsios” (Cl.4:10)
|
“Suggenes” (Lc.1:36; Lc.1:61; At.7:3; Jo.18:26; Rm.16:11)
|
–Anepsios (primo) aparece uma vez no Novo Testamento, mas nunca alguém a aplicou para os irmãos de Cristo.
–Suggenes (parente) aparece cinco vezes no Novo Testamento, mas nunca alguém a aplicou para os irmãos de Cristo.
–Adelphos (irmãos) é sempre e somente o único termo grego sempre utilizado constantemente pelos apóstolos e evangelistas, sobre os irmãos do Senhor.
–O grego tinha palavra específica para primo (anepsios), para parente (suggenes) e para irmão (adelphos), mas os escritores bíblicos só lançavam mão desta última quando se referiam aos irmãos de Jesus.
-Se os apóstolos cressem que os irmãos de Jesus eram primos, teriam usado anepsios ousuggenes, mas não adelphos, e muito menos teriam deixado de mencionar os dois termos mais apropriados acima em absolutamente todas as vezes que falavam dos irmãos de Jesus!
Sendo assim, a coisa mais notável do mundo, que qualquer principiante e amador de Bíblia consegue discernir facilmente, é que os irmãos de Jesus não eram primos! Alegar que os irmãos de Jesus eram primos é corromper toda a exegese, mutilar toda a hermenêutica bíblica e enviar o original grego para o quinto dos infernos.
Não, o Novo Testamento não foi escrito em aramaico. E não, os escritores bíblicos não escreveram “irmãos” querendo dizer “primos” por não terem outra opção. Tanto é que todos eles que falaram que os irmãos de Jesus eram adelphos, também aplicaram os termos gregos para primo e para parente em muitas outras ocasiões, pois eles sabiam discernir muito bem entre aquilo que é irmão e aquilo que é primo ou parente próximo, assim como eu e você sabemos. Eles não eram ignorantes e nem estavam presos ao aramaico escrevendo em grego.
Sendo assim, essas alegações católicas vistas em sites desprestigiosos não passam de pura enganação para iludir os mais instáveis na fé, que são facilmente atraídos e iludidos por qualquer invenção doutrinária ou malabarismo teológico, por mais lunático que seja. Me espanta ver que existem pessoas que em pleno século XXI não conseguem fazer essa distinção básica entre primo, irmão e parente no grego, e ainda continua sustentando a ingênua falácia do aramaico. E me assusta ainda mais ver que ainda há gente ignorante o suficiente para acreditar nela e defendê-la como se fosse um “argumento”.
Por Lucas Banzoli