Alderi Souza de Matos
1. Antecedentes – final da Idade Média
1.1 Os Estados Nacionais
Nos séculos que
antecederam a Reforma Protestante, a Igreja não vivia em um vácuo, mas
sim em um contexto político e social mais amplo com o qual tinha
múltiplas interações. No final da Idade Média, houve o surgimento dos
chamados “estados nacionais”, as modernas nações européias, o que
representou uma grande ameaça às pretensões do papado. Na Alemanha
(Sacro Império Romano), Rudolf von Hapsburg foi eleito imperador em
1273. Em 1356, um documento conhecido como Bula de Ouro determinou que
cada novo imperador seria escolhido por sete eleitores (quatro nobres e
três arcebispos). Havia descentralização política, isto é, o poder dos
príncipes limitava a autoridade do imperador, e forte tensão entre a
igreja e o estado.
Na França, houve o fortalecimento da
monarquia com Filipe IV, o Belo (1285-1314). Esse rei enfrentou com
êxito o poder da Igreja e dos papas e preparou a França para tornar-se o
primeiro estado nacional moderno. Na Inglaterra, o parlamento reuniu-se
pela primeira vez em 1295. Esse país teve um grande rei na pessoa de
Eduardo I (†1307), que subjugou os nobres e enfrentou com êxito o papa
na questão de impostos.
1.2 O Declínio do Papado
Este período começa com o
pontificado de BonifácioVIII (1294-1303), um papa arrogante e ambicioso
que entrou em confronto direto com o rei Filipe IV acerca de impostos e
da autoridade papal. Bonifácio publicou três famosas bulas: Clericis Laicos, na qual reclama que os leigos sempre foram hostis ao clero; Ausculta Fili (“Escuta, filho”), dirigida ao rei francês, e Unam Sanctam (1302),
denominada “o canto do cisne do papado medieval”. Irritado com as ações
papais, Filipe enviou suas tropas, o papa foi preso e faleceu um mês
após ser libertado.
Seguiu-se um período de crescente
desmoralização do papado. Clemente V (1305-1314), um papa francês,
transferiu a Cúria, ou seja, a administração da Igreja, para Avinhão, ao
sul da França, no que ficou conhecido como o “Cativeiro Babilônico da
Igreja” (1309-1377). Em toda parte, cresceram as críticas às
extravagâncias e ao luxo da corte papal. João XXII (1316-1334)
mostrou-se eficiente na cobrança de taxas e dízimos para cobrir essas
despesas. Finalmente, ocorreu o chamado “Grande Cisma”, em que houve
dois e posteriormente três papas rivais em Roma, Avinhão e Pisa
(1378-1417). Diante dessa situação constrangedora, surgiu em toda a
Europa um clamor por “reformas na cabeça e nos membros”.
1.3 O Movimento Conciliar
Durante o “Grande
Cisma”, cada papa considerou-se o único legítimo e excomungou o rival.
Assim, houve a necessidade de um concílio para resolver a crise. O
Concílio de Pisa (1409) elegeu um novo papa, mas os outros dois
recusaram-se a serem depostos, resultando em três papas ao mesmo tempo.
João XXIII, o segundo papa pisano, convocou o Concílio de Constança
(1414-1417), que depôs os três papas, elegeu Martinho V como único papa,
decretou a supremacia dos concílios sobre o papa e condenou os
pré-reformadores João Wycliff, João Hus e Jerônimo de Praga. O Concílio
de Basiléia (1431-1449) reafirmou a superioridade dos concílios.
Finalmente, o Concílio de Ferrara-Florença (1438-1445) tentou a união
com a Igreja Ortodoxa (frustrada pela conquista de Constantinopla pelos
turcos em 1453) e reafirmou a supremacia papal. Essa tentativa
fracassada de tornar a Igreja mais democrática e governá-la através de
concílios ficou conhecida como conciliarismo.
1.4 Movimentos dissidentes
Outro aspecto desse
período de efervescência foi o surgimento de alguns movimentos
dissidentes no sul da França que despertaram forte oposição da Igreja
Católica. Um deles foi o dos cátaros (em grego = “puros”) ou albigenses
(da cidade de Albi), surgidos no século 11. Caracterizavam-se por um
sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, com um dualismo radical
(espiritual x material) e extremo ascetismo. Foram condenados pelo 4°
Concílio Lateranense em 1215 e mais tarde aniquilados por uma cruzada.
Para combater esses e outros hereges, a Inquisição foi oficializada em
1233.
Outro movimento foi liderado por Pedro
Valdo ou Valdes († c.1205), de Lião, cujos seguidores ficaram conhecidos
como “homens pobres de Lião”. Tinham um estilo de vida comunitário,
ensinavam as Escrituras no vernáculo (enfatizando o Sermão do Monte),
incentivavam a pregação de leigos e de mulheres, negavam o purgatório.
Condenados pelo Concílio de Verona em 1184, foram muito perseguidos,
refugiando-se em vales remotos e quase inacessíveis dos alpes italianos.
Mais tarde, abraçaram a Reforma Protestante, sendo assim uma das poucas
Igrejas protestantes anteriores à Reforma do Século 16.
1.5 Primeiros Movimentos de Reforma
Nos séculos 14 e 15,
surgiram alguns movimentos esporádicos de protesto contra certos ensinos
e práticas da Igreja Medieval. Um deles foi encabeçado por João Wycliff
(1325?-1384), um sacerdote e professor da Universidade de Oxford, na
Inglaterra. Wycliff atacou as irregularidades do clero, as superstições
(relíquias, peregrinações, veneração dos santos), bem como a
transubstanciação, o purgatório, as indulgências, o celibato clerical e
as pretensões papais. Seus seguidores, conhecidos como os lolardos,
tinham a Bíblia como norma de fé que todos devem ler e interpretar.
João Hus (c.1372-1415), um sacerdote e
professor da Universidade de Praga, na Boêmia, foi influenciado pelos
escritos de Wycliff. Definia a igreja por uma vida semelhante à de
Cristo, e não pelos sacramentos. Dizia que todos os eleitos são membros
da igreja e que o seu cabeça é Cristo, não o papa. Insistia na
autoridade suprema das Escrituras. Hus foi condenado à fogueira pelo
Concílio de Constança. Seus seguidores ficaram conhecidos como Irmãos
Boêmios (1457) e foram muito perseguidos. Foram os precursores dos
Irmãos Morávios, que veremos posteriormente, outro grupo protestante
cujas raízes são anteriores à Reforma do século 16. Outro indivíduo
incluído entre os pré-reformadores é Jerônimo Savonarola (1452-1498), um
frade dominicano de Florença, na Itália, que pregou contra a
imoralidade na sociedade e na Igreja, inclusive no papado. Governou a
cidade por algum tempo, mas finalmente foi excomungado e enforcado como
herege.
1.6 Movimentos Devocionais
Além dos movimentos que
romperam com a Igreja, houve outros que permaneceram na mesma por se
concentrarem na vida devocional, sem críticas aos dogmas católicos. Um
deles foi o misticismo, bastante forte na Inglaterra, Holanda e
especialmente na Alemanha (Reno). Os principais místicos dessa época
foram Meister Eckhart (†1327); Tauler (†1361) e os “Amigos de Deus”,
Henrique Suso (†1366) e mais tarde o célebre teólogo e líder
eclesiástico Nicolau de Cusa (1401-1464). O misticismo dava ênfase à
união com Deus, ao amor, à humildade e à caridade, e produziu uma
belíssima literatura devocional.
Outro importante movimento foi a Devoção
Moderna, que se manteve forte durante todo o século 15. Suas ênfases
recaíam sobre a espiritualidade, a leitura da Bíblia, a meditação e a
oração. Também valorizava a educação, criando ótimas escolas. Foi um
movimento leigo, para ambos os sexos, e também exerceu grande influência
sobre os reformadores protestantes. Os participantes eram conhecidos
como Irmãos da Vida Comum. A obra mais importante e popular produzida
por esse movimento foi o belíssimo livreto devocional A Imitação de Cristo (1418), escrito por Thomas à Kempis.
1.7 Os humanistas bíblicos
O interesse pelas obras
da Antiguidade levou ao estudo da Bíblia nas línguas originais pelos
chamados humanistas bíblicos. Os principais deles foram o italiano
Lorenzo Valla (†1457), estudioso do Novo Testamento; o inglês John Colet
(†1519), estudioso das epístolas paulinas; o alemão Johannes Reuchlin
(†1522), notável hebraísta; o francês Lefèvre D’Étaples (†1536),
tradutor do Novo Testamento; e o holandês Erasmo de Roterdã
(1466?-1536), “o príncipe dos humanistas”, que publicou uma edição
crítica do Novo Testamento grego com uma tradução latina, talvez a obra
mais importante publicada no século 16, que serviu de base para as
traduções de Lutero, Tyndale e Lefèvre e muito influenciou os
reformadores protestantes. Esse retorno às Escrituras muito contribuiu
para a Reforma do Século 16.
1.8 Situação Geral
O final da Idade Média
foi marcado por muitas convulsões políticas, sociais e religiosas. Entre
as políticas destacou-se a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre a
Inglaterra e a França, na qual tornou-se famosa a heroína Joana D’Arc.
Houve também muitas revoltas camponesas, o declínio do feudalismo, a
expansão das cidades e o surgimento do capitalismo. No aspecto social,
havia fomes periódicas e o terrível flagelo da peste bubônica ou peste
negra (1348). As guerras, epidemias e outros males produziam morte,
devastação e desordem, ou seja, a ruptura da vida social e pessoal. O
sentimento dominante era de insegurança, ansiedade, melancolia e
pessimismo. Isso era ilustrado pela “dança da morte”, gravuras que se
viam em toda parte com um esqueleto dançante.
Na área religiosa, houve a erosão do
ideal da cristandade ou “corpus christianum”, a sociedade coesa sob a
liderança da igreja e dos papas. A religiosidade era meritória, com
missas pelos mortos, crença no purgatório e invocação dos santos e
Maria. Ao mesmo tempo, havia grande ressentimento contra a igreja por
causa dos abusos praticados e do desvio dos seus propósitos. Isso é
ilustrado pela situação do papado no final do século 15 e início do
século 16. Os chamados papas do renascimento foram mais estadistas e
patronos das artes e da cultura do que pastores do seu rebanho. A
instituição papal continuou em declínio, com muitas lutas políticas,
simonia, nepotismo, falta de liderança espiritual, aumento de gastos e
novos impostos eclesiásticos. Como papa Alexandre VI (1492-1503), o
espanhol Rodrigo Borja foi um generoso promotor das artes e da carreira
dos seus filhos César e Lucrécia; Júlio II (1503-1513) foi um papa
guerreiro, comandando pessoalmente o seu exército; Leão X (1513-1521), o
papa contemporâneo de Lutero, teria dito quando foi eleito: “Agora que
Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo”.
2. A Reforma Protestante – 1ª Parte
2.1 O contexto social e religioso
Vimos, no final da seção
anterior, alguns elementos que caracterizavam a sociedade européia às
vésperas da Reforma. Havia muita violência, baixa expectativa de vida,
profundos contrastes socioeconômicos e um crescente sentimento
nacionalista. Havia também muita insatisfação, tanto dos governantes
como do povo, em relação à Igreja, principalmente ao alto clero e a
Roma. Na área espiritual, havia insegurança e ansiedade acerca da
salvação em virtude de uma religiosidade baseada em obras, também
chamada de religiosidade contábil ou “matemática da salvação” (débitos =
pecados; créditos = boas obras).
Foi bastante inusitado o episódio mais
imediato que desencadeou o protesto de Lutero. Desde meados do século
14, cada novo líder do Sacro Império Romano era escolhido por um colégio
eleitoral composto de quatro príncipes e três arcebispos. Em 1517,
quando houve a eleição de um novo imperador, um dos três arcebispados
eleitorais (o de Mainz ou Mogúncia) estava vago. Uma das famílias nobres
que participavam desse processo, os Hohenzollern, resolveu tomar para
si esse cargo e assim ter mais um voto no colégio eleitoral. Um jovem da
família, Alberto, foi escolhido para ser o novo arcebispo, mas havia
dois problemas: ele era leigo e não tinha a idade mínima exigida pela
lei canônica para exercer esse ofício. O primeiro problema foi sanado
com a sua rápida ordenação ao sacerdócio.
Quanto ao impedimento da idade, era
necessária uma autorização especial do papa, o que levou a um negócio
altamente vantajoso para ambas as partes. A família nobre comprou a
autorização do papa Leão X mediante um empréstimo feito junto aos
banqueiros Fugger, de Augsburgo. Ao mesmo tempo, o papa autorizou o novo
arcebispo Alberto de Brandemburgo a fazer uma venda especial de
indulgências, dividindo os rendimentos da seguinte maneira: parte
serviria para o pagamento do empréstimo feito pela família e a outra
parte iria para as obras da Catedral de São Pedro, em Roma. E assim foi
feito. Tão logo foi instalado no seu cargo, Alberto encarregou o
dominicano João Tetzel de fazer a venda das indulgências (o perdão das
penas temporais do pecado). Quando Tetzel aproximou-se de Wittenberg,
Lutero resolveu pronunciar-se sobre o assunto.
2.2 Martinho Lutero (1483-1546)
Martinho Lutero nasceu
em 1483 na pequena cidade de Eisleben, na Turíngia, em um lar muito
religioso. Seu pai trabalhava nas minas e a família tinha uma vida
confortável. Inicialmente, o jovem pretendeu seguir a carreira jurídica,
mas em 1505 defrontou-se com a morte em uma tempestade e resolveu
abraçar a vida religiosa. Ingressou no mosteiro agostiniano de Erfurt,
onde se dedicou a uma intensa busca da salvação. Em 1512, tornou-se
professor da Universidade de Wittenberg, onde passou a ministrar cursos
sobre vários livros da Bíblia, como Gálatas e Romanos. Isso lhe deu um
novo entendimento acerca da “justiça de Deus”: ela não era simplesmente
uma expressão da severidade de Deus, mas do seu amor que justifica o
pecador mediante a fé em Jesus Cristo (Rom 1.17).
No dia 31 de outubro de 1517, diante da
venda das indulgências por João Tetzel, Lutero afixou à porta da igreja
de Wittenberg as suas Noventa e Cinco Teses, a maneira usual de
convidar-se uma comunidade acadêmica para debater algum assunto. Logo,
uma cópia das teses chegou às mãos do arcebispo, que as enviou a Roma.
No ano seguinte, Lutero foi convocado para ir a Roma a fim de responder à
acusação de heresia. Recusando-se a ir, foi entrevistado pelo cardeal
Cajetano e manteve as suas posições. Em 1519, Lutero participou de um
debate em Leipzig com o dominicano João Eck, no qual defendeu o
pré-reformador João Hus e afirmou que os concílios e os papas podiam
errar.
Em 1520, a bula papal Exsurge Domine
(= “Levanta-te, Senhor”) deu-lhe sessenta dias para retratar-se ou ser
excomungado. Os estudantes e professores da universidade queimaram a
bula e um exemplar da lei canônica em praça pública. Nesse mesmo ano,
Lutero escreveu várias obras importantes, especialmente três: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão.
Isso lhe deu notoriedade imediata em toda a Europa e aumentou a sua
popularidade na Alemanha. No início de 1521, foi publicada a bula de
excomunhão, Decet Pontificem Romanum. Nesse ano, Lutero
compareceu a uma reunião do parlamento, a Dieta de Worms, onde reafirmou
as suas idéias. Foi promulgado contra ele o Edito de Worms, que o levou
a refugiar-se no castelo de Wartburgo, sob a proteção do
príncipe-eleitor da Saxônia, Frederico, o Sábio. Ali, Lutero começou a
produzir uma obra-prima da literatura alemã, a sua tradução das
Escrituras.
2.3 A Reforma na Alemanha
A partir de então, a
reforma luterana difundiu-se rapidamente no Sacro Império, sendo
abraçada por vários principados alemães. Isso levou a dificuldades
crescentes com os principados católicos, com o novo imperador Carlos V
(1519-1556) e com o parlamento (Dieta). Na Dieta de 1526, houve uma
atitude de tolerância para com os luteranos, mas em 1529 a Dieta de Spira
reverteu essa política conciliadora. Diante disso, os líderes luteranos
fizeram um protesto formal que deu origem ao nome histórico
“protestantes”. No ano seguinte, o auxiliar e eventual sucessor de
Lutero, Filipe Melanchton (1497-1560), apresentou ao imperador Carlos V a
Confissão de Augsburgo, um importante documento que definia em
21 artigos a doutrina luterana e indicava sete erros que Lutero via na
Igreja Católica Romana.
Os problemas político-religiosos levaram a
um período de guerras entre católicos e protestantes (1546-1555), que
terminaram com um tratado, a Paz de Augsburgo. Esse tratado assegurou a
legalidade do luteranismo mediante o princípio “cujus regio, eius
religio”, ou seja, a religião de um príncipe seria automaticamente a
religião oficial do seu território. O luteranismo também se difundiu em
outras partes da Europa, principalmente nos países nórdicos, surgindo
igrejas nacionais luteranas na Suécia (1527), Dinamarca (1537), Noruega
(1539) e Islândia (1554). Lutero e os demais reformadores defenderam
alguns princípios básicos que viriam a caracterizar as convicções e
práticas protestantes: sola Scriptura, solo Christo, sola gratia, sola fides, soli Deo gloria. Outro princípio aceito por todos foi o do sacerdócio universal dos fiéis.
2.4 Ulrico Zuínglio (1484-1531)
Ulrico Zuínglio recebeu
uma educação esmerada, com forte influência humanista. Inicialmente, foi
sacerdote em Glarus (1506) e em Einsiedeln (1516). Influenciado pelo
Novo Testamento publicado por Erasmo de Roterdã, tornou-se um estudioso
das Escrituras e um pregador bíblico. Com isso, foi chamado para
trabalhar na catedral de Zurique em 1518. Quatro anos mais tarde,
surgiram as primeiras divergências com a doutrina católica. Zuínglio
defendeu o consumo de carne na quaresma e o casamento dos sacerdotes,
alegando não serem essas coisas proibidas nas Escrituras. Ele propôs o
princípio de que tudo devia ser julgado pela Bíblia.
Em 1523, houve o primeiro debate público em Zurique e a cidade começou a tornar-se protestante. O reformador escreveu os Sessenta e Sete Artigos
– a carta magna da reforma de Zurique – nos quais defendeu a salvação
somente pela graça, a autoridade da Escritura e o sacerdócio dos fiéis,
bem como atacou o primado do papa e a missa. Esse movimento suíço,
conhecido como a “segunda reforma”, deu origem às igrejas “reformadas”,
difundindo-se inicialmente na Suíça alemã e no sul da Alemanha. Em 1525,
o Conselho Municipal de Zurique adotou o culto em lugar da missa e em
geral promoveu mudanças mais radicais do que as efetuadas por Lutero.
Como estava acontecendo na Alemanha,
também na Suíça houve guerras entre católicos e protestantes. Em 1529,
travou-se a primeira batalha de Kappel. No mesmo ano, a Dieta de Spira
mostrou aos protestantes a necessidade de uma aliança contra os seus
adversários. Para tanto, era necessário que resolvessem algumas
diferenças doutrinárias. Isso levou ao Colóquio de Marburg,
convocado pelo príncipe Filipe de Hesse. Luteranos e reformados
concordaram sobre a maior parte das questões doutrinárias, mas
divergiram seriamente sobre o significado da Santa Ceia. Em 1531,
Zuínglio morreu na segunda batalha de Kappel.
2.5 Os Reformadores Radicais (Anabatistas)
O terceiro movimento da
Reforma Protestante surgiu na própria cidade de Zurique. Em 1522, homens
como Conrado Grebel e Félix Mantz começaram a reunir-se com amigos para
estudar a Bíblia. Inicialmente, eles apoiaram a obra de Zuínglio, mas a
partir de 1524 passaram a condenar tanto Zuínglio quanto as autoridades
municipais, alegando que a sua obra de reforma não estava sendo
profunda o suficiente. Por causa de sua insistência no batismo de
adultos, foram apelidados de “anabatistas”, ou seja, rebatizadores,
sendo também chamados de radicais, fanáticos, entusiastas e outras
designações. Por causa de suas atividades de protesto, nas quais
chegavam a interromper cultos e celebrações da ceia, os líderes
anabatistas sofreram punições de severidade crescente. Em 1526, Grebel
morreu em uma epidemia, mas seu pai foi decapitado, Mantz foi afogado e
outro líder, Jorge Blaurock, foi expulso da cidade.
O movimento logo se difundiu nas vizinhas
Alemanha e Áustria e em outras partes da Europa. Um importante líder em
Estrasburgo foi Miguel Sattler (c.1490-1527), que presidiu a
conferência de Schleitheim (1527), na qual os anabatistas aprovaram a Confissão de Fé de Schleitheim.
Essa confissão definiu os princípios anabatistas básicos: ideal de
restauração da igreja primitiva; igrejas vistas como congregações
voluntárias separadas do Estado; batismo de adultos por imersão;
afastamento do mundo; fraternidade e igualdade; pacifismo; proibição do
porte de armas, cargos públicos e juramentos. Os anabatistas foram os
únicos protestantes do século 16 a defenderem a completa separação entre
a igreja e o estado.
Os anabatistas adquiriram uma reputação
negativa por causa de acontecimentos ocorridos na cidade de Münster
(1532-1535). Influenciados por Melchior Hoffman, que anunciou o fim do
mundo e a destruição dos ímpios, alguns anabatistas implantaram uma
teocracia intolerante naquela cidade alemã. Finalmente, foram todos
mortos por um exército católico. Já na Holanda, o movimento teve um
líder equilibrado e capaz na pessoa de Menno Simons
(1496-1561), do qual vieram os menonitas. Outro líder de expressão foi
Jacob Hutter (†1536), na Morávia. Os menonitas e os huteritas viviam em
colônias, tendo tudo em comum (ver Atos 2.44; 4.32). Cruelmente
perseguidos em toda a Europa, muitos deles eventualmente emigraram para a
América do Norte.
2.6 João Calvino (1509-1564)
João Calvino nasceu em
Noyon, no nordeste da França. Seu pai, Gérard Cauvin, era secretário do
bispo e advogado da igreja naquela cidade; sua mãe Jeanne Lefranc,
morreu quando ele ainda era uma criança. Após os primeiros estudos em
sua cidade, Calvino seguiu para Paris, onde estudou teologia e
humanidades (1523-1528). A seguir, por determinação do pai, foi estudar
direito nas cidades de Orléans e Bourges (1528-1531). Com a morte do
pai, retornou a Paris e deu prosseguimento aos estudos humanísticos,
publicando sua primeira obra, um comentário do tratado de Sêneca Sobre a Clemência.
Calvino converteu-se
provavelmente em 1533. No dia 1º de novembro daquele ano, seu amigo
Nicholas Cop fez um discurso de posse na Universidade de Paris repleto
de idéias protestantes. Calvino foi considerado o co-autor do discurso e
os dois amigos tiveram de fugir para salvar a vida. Calvino foi para a
cidade de Angouleme, onde começou a escrever a sua obra mais importante,
Instituição da Religião Cristã ou Institutas,
publicada em Basiléia em 1536 (a última edição seria publicada somente
em 1559). Após voltar por breve tempo ao seu país, Calvino decidiu
fixar-se na cidade protestante de Estrasburgo, onde atuava o reformador
Martin Butzer (1491-1551). No caminho, ocorreu um episódio marcante.
Impossibilitado de seguir diretamente para Estrasburgo por causa de
guerra entre a França e a Alemanha, o futuro reformador fez um longo
desvio, passando por Genebra, na Suíça francesa. Essa cidade havia
abraçado o protestantismo reformado há apenas dois meses (maio de 1536),
sob a liderança de Guilherme Farel (1489-1565). Este, sabendo que o
autor das Institutas estava de passagem pela cidade, o “convenceu” a permanecer ali e ajudá-lo.
2.7 A Reforma em Genebra
Logo, Calvino e Farel
entraram em conflito com os magistrados de Genebra e dois anos depois
foram expulsos. Calvino seguiu então para Estrasburgo, onde passou os
três anos mais felizes e produtivos da sua carreira (1538-1541). Naquela
cidade, ele pastoreou uma igreja de refugiados franceses, casou-se com a
viúva Idelette de Bure (†1549), lecionou na academia de João Sturm,
participou de conferências religiosas ao lado de Martin Butzer e
publicou algumas obras importantes, entre elas a segunda edição das Institutas e o Comentário de Romanos, o primeiro dos muitos que escreveu.
Eventualmente, os magistrados de Genebra
insistiram no seu retorno. Calvino aceitou com a condição de que pudesse
escrever a constituição da Igreja Reformada de Genebra. Essa importante
obra, as Ordenanças Eclesiásticas, previa quatro categorias de
oficiais: pastores, encarregados da pregação e dos sacramentos;
doutores para o estudo e ensino da Bíblia; presbíteros, com funções
disciplinares; e diáconos, encarregados da beneficência. Os pastores e
os doutores formavam a Companhia dos Pastores; os pastores e os
presbíteros integravam o Consistório, uma espécie de tribunal
eclesiástico. Calvino teve um relacionamento tenso com as autoridades
municipais até 1555. No final desse período, em 1553, o médico espanhol
Miguel Serveto foi condenado e executado por heresia. Calvino teve uma
participação nesse episódio, lamentada por seus herdeiros, o que não
anula a sua grande obra como reformador, escritor, teólogo e líder
eclesiástico. Em 1559, um ano especialmente significativo, o reformador
tornou-se cidadão de Genebra, fundou a sua Academia, embrião da
Universidade de Genebra, e publicou a última edição das Institutas.
A visão do reformador francês era tornar
Genebra uma cidade-cristã-modelo através da reorganização da Igreja, de
um ministério bem preparado, de leis que expressassem uma ética bíblica e
de um sistema educacional completo e gratuito. O resultado foi que
Genebra tornou-se um grande centro do protestantismo, preparando líderes
reformados para toda a Europa e abrigando centenas de refugiados. O
calvinismo veio a ser o mais completo sistema teológico protestante,
tendo por princípio básico a soberania de Deus e suas implicações,
soteriológicas e outras. Foi essa a origem das Igrejas reformadas
(continente europeu) ou presbiterianas (Ilhas Britânicas). Os principais
países em que se difundiu o movimento reformado foram, além da Suíça e
da França, o sul da Alemanha, a Holanda, a Hungria e a Escócia.
Calvino também se notabilizou como um
erudito bíblico. Escreveu comentários sobre quase todo o Novo Testamento
e os principais livros do Antigo Testamento. Seus sermões e preleções
também expuseram amplamente as Escrituras. Além disso, escreveu muitos
opúsculos, tratados e cartas. Mas a maior das suas obras são as Institutas,
nas quais ele expôs todos os aspectos da doutrina cristã, apelando às
Escrituras e ao testemunho dos antigos pais da igreja. Em muitas de suas
obras, se vê uma mão que sustenta um coração, e ao redor as palavras Cor meum tibi offero Domine, prompte et sincere (“O meu coração te ofereço, ó Senhor, de modo pronto e sincero”).
2.8 Implicações Práticas
Os reformadores não
estavam buscando inovar, mas restaurar antigas verdades bíblicas que
haviam sido esquecidas ou obscurecidas pelo tempo e pelas tradições
humanas. Sua maior contribuição foi chamar a atenção das pessoas para a
importância das Escrituras e seus grandes ensinos, especialmente no que
diz respeito à salvação e à vida cristã. Para que as Igrejas Evangélicas
atuais possam manter-se fiéis à sua vocação, é preciso que julguem tudo
pelas Escrituras, acolhendo o que é bom e lançando fora o que é mau. Os
reformadores nos mostraram que o critério da verdade não são os ensinos
humanos, nem a experiência espiritual subjetiva, mas o Espírito Santo
falando na Palavra e pela Palavra.
3. A Reforma Protestante – 2ª Parte
3.1 A Reforma na Inglaterra
Vários fatores
contribuíram para a introdução da Reforma Protestante na Inglaterra: o
anticlericalismo de uma grande parcela do povo e dos governantes, as
idéias do pré-reformador João Wycliff, a penetração de ensinos luteranos
a partir de 1520, o Novo Testamento traduzido por William Tyndale
(1525) e a atuação de refugiados que voltaram de Genebra. Todavia, quem
deu o passo decisivo para que a Inglaterra começasse a tornar-se
protestante foi o rei Henrique VIII.
Henrique VIII (1491-1547) começou a
reinar em 1509. Sendo muito católico, em 1521 escreveu um folheto contra
Lutero que lhe valeu o título de “defensor da fé”. Era casado com a
princesa espanhola Catarina de Aragão, viúva do seu irmão, que não
conseguiu dar-lhe um filho varão, mas somente uma filha, Maria. Henrique
pediu ao papa Clemente VII que anulasse o seu casamento com Catarina
para que pudesse casar-se com Ana Bolena (Anne Boleyn), mas o papa não
pode atendê-lo nesse desejo. Uma das principais razões foi o fato de que
Catarina era tia do sacro imperador germânico Carlos V. Em 1533, Thomas
Cranmer (1489-1556) foi nomeado arcebispo de Cantuária e poucos meses
depois declarou nulo o casamento do rei. Em 1534, o parlamento aprovou o
Ato de Supremacia, pelo qual a Igreja Católica inglesa desvinculou-se
de Roma e o rei foi declarado “Protetor e Único Chefe Supremo da Igreja
da Inglaterra.” O bispo John Fisher e o ex-chanceler Thomas More
opuseram-se a essas medidas e foram executados (1535); os numerosos
mosteiros do país foram extintos e suas propriedades confiscadas
(1536-1539). Nos anos seguintes, Henrique ainda teria outras quatro
esposas: Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr.
Henrique morreu na fé católica e foi
sucedido no trono por Eduardo VI (1547-1553), o filho que teve com Jane
Seymour. Os tutores do jovem rei implantaram a Reforma na Inglaterra e
puseram fim às perseguições contra os protestantes. Foram aprovados dois
importantes documentos escritos pelo arcebispo Cranmer, o Livro de Oração Comum (1549; revisto em 1552) e os Quarenta e Dois Artigos (1553),
uma síntese das teologias luterana e calvinista. Eduardo era doentio e
morreu ainda jovem, sendo sucedido por sua irmã Maria Tudor (1553-1558),
conhecida como “a sanguinária”, filha de Catarina de Aragão. Maria
perseguiu os líderes protestantes e muitos foram levados à fogueira. Os
mártires mais famosos foram Hugh Latimer, Nicholas Ridley e Thomas
Cranmer. Muitos outros, os chamados “exilados marianos”, foram para
Genebra, Estrasburgo e outras cidades protestantes.
Com a morte de Maria, subiu ao trono sua
meio-irmã Elizabete I (1558-1603), filha de Ana Bolena, em cujo reinado a
Inglaterra tornou-se definitivamente protestante. Em 1563, foi
promulgado o Ato de Uniformidade, que aprovou os Trinta e Nove Artigos. O resultado foi o acordo
anglicano, que reuniu elementos das principais teologias evangélicas,
bem como traços católicos, especialmente na área da liturgia. Além dos
anglicanos, havia outros grupos protestantes na Inglaterra, como os
puritanos, presbiterianos e congregacionais. Os puritanos surgiram no
reinado de Elizabete e foram assim chamados porque reivindicavam uma
Igreja pura em sua doutrina, culto e forma de governo. Reprimidos na
Inglaterra, muitos puritanos foram para a América do Norte,
estabelecendo-se em Plymouth (1620) e Boston (1630), na Nova Inglaterra.
Outro grupo protestante inglês foram os batistas, surgidos a partir de
1607 sob a liderança de John Smyth e Thomas Helwys. Este fundou em 1612 a
primeira igreja batista geral.
No século 17, no contexto da guerra civil
entre o rei Carlos I e um parlamento puritano, foi convocada a
Assembléia de Westminster (1643-1649). Essa célebre assembléia elaborou
uma série de documentos calvinistas para a Igreja da Inglaterra, entre
os quais a Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve, que se tornaram os principais símbolos confessionais das Igrejas reformadas ou presbiterianas.
3.2 A Reforma na Escócia
O protestantismo começou
a ser difundido na Escócia por homens como Patrick Hamilton e George
Wishart, ambos martirizados. Todavia, o presbiterianismo foi introduzido
graças aos esforços do reformador John Knox (†1572), um discípulo de
Calvino que, após passar alguns anos em Genebra, retornou ao seu país em
1559. No ano seguinte, o parlamento escocês criou a Igreja da Escócia
(presbiteriana). Knox fez oposição tenaz à rainha católica Maria Stuart
(1542-1587), prima de Elizabete, que viveu na França (1548-1561) e
voltou à Escócia para tomar posse do trono. A aceitação do
protestantismo ocorreu no contexto da luta pela independência do domínio
francês. Alguns anos mais tarde, Maria Stuart teve de fugir e buscar
refúgio na Inglaterra, onde foi executada por ordem de Elizabete em
1587.
Foi na Escócia que surgiu o conceito
político-religioso de “presbiterianismo”. Os reis ingleses e escoceses
sempre foram firmes defensores do episcopalismo, ou seja, de uma Igreja
governada por bispos. A razão disso é que, sendo os bispos nomeados
pelos reis, a Igreja seria mais facilmente controlada pelo estado e
serviria aos interesses do mesmo. À luz das Escrituras, os
presbiterianos insistiram em uma Igreja governada por oficiais eleitos
pela comunidade, os presbíteros, tornando assim a Igreja livre da tutela
do Estado. Foi somente após um longo e tumultuado processo que o
presbiterianismo implantou-se definitivamente na Escócia.
3.3 A Reforma na França
O movimento reformado
francês surgiu na década de 1530. Inicialmente tolerante, o rei
Francisco I (1515-1547) eventualmente mostrou-se hostil contra os
reformados. Henrique II (1547-1559) foi ainda mais severo que o seu pai.
Em 1559, reuniu-se o primeiro sínodo nacional da Igreja Reformada da
França, que aprovou a Confissão Galicana. Em 1561, havia duas
mil congregações reformadas no país, compostas de artesãos, comerciantes
e até mesmo de algumas famílias nobres, como os Bourbon e os
Montmorency. Os reformados franceses, conhecidos como huguenotes,
estavam concentrados principalmente no oeste e sudoeste do país, e
recebiam decidido apoio de Genebra. Ao norte e leste estava a facção
ultracatólica liderada pela poderosa família Guise-Lorraine.
No reinado de Francisco II (1559-1560),
os Guise controlaram o governo. Quando Carlos IX (1560-1574) tornou-se
rei, sendo ainda menor, sua mãe Catarina de Médici assumiu a regência,
mostrando-se inicialmente tolerante para com os huguenotes. Tentando
conciliar as duas facções, ela promoveu um encontro de católicos e
protestantes, o Colóquio de Poissy, em 1561. Com o fracasso desse
encontro, houve um longo período de guerras religiosas (1562-1598), cujo
episódio mais chocante foi o massacre do Dia de São Bartolomeu
(24-08-1572). Centenas de huguenotes achavam-se em Paris para o
casamento da filha de Catarina com o nobre protestante Henrique de
Navarra. Na calada da noite, os huguenotes foram assassinados à traição
enquanto dormiam, entre eles o seu principal líder, almirante Gaspard de
Coligny. Nos dias seguintes, muitos milhares foram mortos no interior
da França. Mais tarde, quando o nobre huguenote tornou-se rei, com o
título de Henrique IV, ele promulgou em favor dos seus correligionários o
Edito de Nantes (1598), concedendo-lhes uma tolerância limitada. Esse
edito seria revogado pelo rei Luís XIV em 1685, dando início a um novo
período de duras provações para os reformados franceses.
3.4 A Reforma nos Países Baixos
Os Países Baixos eram
parte do Sacro Império Germânico e depois ficaram sob o domínio da
Espanha. Durante o reinado do imperador Carlos V, surgiram naquela
região luteranos, anabatistas e principalmente calvinistas, por volta de
1540. Desde o início foram objeto de intensas perseguições, tendo a
repressão aumentado sob o rei Filipe II (1555) e o governador Duque de
Alba (1567). A revolta contra a tirania espanhola foi liderada pelo
alemão Guilherme de Orange, grande defensor da plena liberdade
religiosa, que seria assassinado em 1584. Eventualmente, os Países
Baixos dividiram-se em três nações: Bélgica e Luxemburgo (católicas) e
Holanda (protestante).
A Igreja Reformada Holandesa foi
organizada na década de 1570. No início do século 17, surgiu uma forte
controvérsia por causa das idéias de Tiago Armínio. O Sínodo de Dort
(1618-1619) rejeitou as idéias de Armínio e afirmou os chamados “cinco
pontos do calvinismo”, cujas iniciais formam em inglês a palavra “tulip”
(tulipa): Depravação total ( Total depravity), Eleição incondicional
(Unconditional election), Expiação limitada (Limited atonement), Graça
irresistível (Irresistible Grace) e Perseverança dos santos
(Perseverance of the saints).
3.5 A Contra-Reforma
Ao analisarem as ações
da Igreja Católica Romana após o surgimento do protestantismo, os
historiadores falam em dois aspectos: Contra-Reforma e Reforma Católica.
O primeiro foi o esforço da Igreja Romana para reorganizar-se e lutar
contra o protestantismo. Essa reação ocorreu tanto no plano dogmático
quanto político-militar. Já a Reforma Católica revelou a preocupação de
corrigir certos problemas internos do catolicismo em resposta às
críticas dos protestantes e de outros grupos.
Foram vários os elementos dessa reação.
Na Espanha, houve notáveis manifestações de uma rica espiritualidade
mística, cujos representantes mais destacados foram Teresa de Ávila e
João da Cruz. Além do misticismo espanhol, outro sinal da revitalização
católica foi o surgimento de várias ordens religiosas, das quais a mais
importante foi a Sociedade de Jesus, fundada pelo espanhol Inácio de
Loiola (1491-1556) e oficializada pelo papa em 1540. Além dos votos
usuais de pobreza, castidade e obediência aos superiores, os jesuítas
faziam um voto adicional de submissão incondicional ao papa. Seu
objetivo era a expansão e o fortalecimento da fé católica através de
missões, educação e combate à heresia. Os jesuítas exerceram forte
influência sobre governantes e contribuíram decisivamente para a
supressão do protestantismo em várias regiões da Europa, como a Espanha e
a Polônia.
O instrumento mais eficaz tanto da
Contra-Reforma quanto da Reforma Católica foi o Concílio de Trento, que
se reuniu em três séries de sessões entre 1545 e 1563. Seus decretos
rejeitaram explicitamente as doutrinas protestantes e oficializaram o
tomismo (a teologia de Tomás de Aquino), a Vulgata Latina e os livros
denominados apócrifos ou deuterocanônicos. Outros instrumentos da
Contra-Reforma foram o Índice de Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum,
1559) e a Inquisição, especialmente em suas versões espanhola e romana.
Como expressão do dinamismo católico nesse período, as ordens dos
franciscanos, dominicanos e jesuítas realizaram uma grande obra
missionária no Oriente e nas Américas.
No território do Sacro Império, os
conflitos entre católicos e protestantes continuaram por muitas décadas,
atingindo o seu auge na tenebrosa Guerra dos Trinta Anos, que envolveu
metade do continente europeu. Essa guerra terminou com a Paz de
Westfália (1648), que fixou definitivamente as fronteiras
político-religiosas da Europa e marcou o final do período da Reforma.
3.6 Implicações Práticas
A história da Reforma
nem sempre é agradável e inspiradora. Por causa das profundas conexões
entre elementos religiosos e políticos, esse período foi marcado por
muita violência em nome da fé. Porque a religião é uma coisa muito
importante para as pessoas, as paixões que desperta podem se tornar
terrivelmente destrutivas. Os erros cometidos nessa área por diferentes
grupos nos séculos 16 e 17 nos servem de advertência e de estímulo para a
prática da caridade cristã e da tolerância, conforme o exemplo de
Cristo. Podemos, sem abrir mão de nossas convicções, respeitar os que
pensam diferente de nós.
Ao mesmo tempo, nos impressionamos com o
heroísmo de tantos irmãos nossos da época da Reforma, que por causa de
sua fé enfrentaram muitas provações e até mesmo mortes cruéis. O
evangelho já não exige esse tipo de sacrifício da maioria dos cristãos
do Ocidente, mas isso não significa que estamos livres de grandes
desafios. São outras as maneiras pelas quais a nossa fé é testada no
tempo presente. Viver de acordo com os princípios e os valores do Reino
de Deus continua sendo uma prova difícil, mas necessária, para todos os
cristãos.
Referências Bibliográficas
Como fontes para estudos e pesquisas complementares, sugerimos as seguintes obras, em português:
BETTENSON, Henry, Documentos da igreja cristã (São
Paulo: ASTE, 1967); 3ª ed. revista, corrigida e atualizada (São Paulo:
ASTE/Simpósio, 1998). Uma ótima coletânea de fontes primárias dos
diferentes períodos da história da igreja.
CAIRNS, Earle E., O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã (São Paulo: Vida Nova, 1988). Uma das melhores histórias da igreja em um só volume disponíveis em português.
CLOUSE, Robert G., PIERARD, Richard V. e YAMAUCHI, Edwin M. Dois reinos: a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos.
São Paulo: Cultura Cristã, 2003 (1993). Obra de grande envergadura, com
quase 600 p. no texto principal. Narrativa rica e abrangente.
DOWLEY, Tim, ed., Atlas Vida Nova da Bíblia e da história do cristianismo (São
Paulo: Vida Nova, 1997). Belíssima edição em cores, com excepcional
qualidade gráfica. Útil também para o estudo da história bíblica (Antigo
e Novo Testamento).
GONZÁLEZ, Justo L., Uma história ilustrada do cristianismo,
10 vols. (São Paulo: Vida Nova). Os dois volumes da edição em inglês
foram transformados em dez pequenos volumes na edição portuguesa.
Agradável de ler e, como diz o título, fartamente ilustrada.
MATOS, Alderi Souza de., A caminhada cristã na história:
a Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje (Viçosa, MG: Ultimato,
2005). Coletânea de textos breves sobre temas variados da história da
igreja.
NEILL, Stephen, História das missões (São Paulo:
Vida Nova, 1989). Uma das melhores abordagens de um aspecto específico
da história da igreja. O autor foi missionário na Índia e na África.
NICHOLS, Robert H., História da igreja cristã,
11ª ed. rev. (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000). Obra mais
modesta que as anteriores, mas ótima para quem está começando a estudar a
história da igreja. O autor é presbiteriano.
NOLL, Mark A., Momentos decisivos na história do cristianismo,
trad. Alderi S. Matos (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000). Ao
abordar doze eventos especialmente significativos, o autor acaba por
incluir boa parte dos tópicos mais importantes da história da igreja.
Contém um apêndice sobre o Brasil, escrito pelo tradutor.
WALKER, W., História da igreja cristã,
2 vols. (São Paulo: ASTE, 1967). Obra excelente, mas um tanto
desatualizada. A edição mais recente em inglês, revista por três outros
autores (Norris, Lotz e Handy) e lançada em 1985, ainda não foi
publicada em português.
WALTON, Robert C., História da igreja em quadros (São
Paulo: Editora Vida, 2000). As tabelas e esboços proporcionam um
instrumento simples e agradável para estudar a história da igreja.
WILLIAMS, Terri, Cronologia da história eclesiástica em gráficos e mapas (São
Paulo: Vida Nova, 1993). Os ótimos gráficos permitem visualizar
facilmente alguns dos temas mais importantes da história da igreja.
Fonte: http://www.mackenzie.br/6962.html