Aborto, o grito silencioso dos que não nasceram
A questão do aborto esteve no topo da lista das grandes discussões políticas em nossa nação. Este é um assunto solene, que merece nossa maior atenção. Não devemos ser frívolos em sua análise. O aborto sempre foi e ainda é assunto de debates entre juristas e legisladores; é tema da ética cristã que exige um posicionamento da igreja. Algumas ponderações precisam ser feitas no trato dessa matéria: Quando começa a vida? Quem tem o direito de decidir sobre a interrupção da vida? Em que circunstâncias um aborto pode ser justificado? O que a Palavra de Deus tem a dizer sobre o assunto? Não queremos, neste artigo, discutir aqueles casos de exceção, onde a medicina e a ética cristã precisam fazer uma escolha entre a vida da mãe ou do nascituro. Queremos, sim, alertar para a prática indiscriminada e irresponsável do aborto, fruto muitas vezes, de uma conduta imoral.
Embora seja ainda matéria de discussão, é consenso geral que a vida começa com a fecundação. A ciência apresenta o fato de que a vida humana inicia com a fecundação e termina com a morte. Desde a concepção, todos os componentes da vida já estão potencialmente presentes para o seu pleno desenvolvimento. É desse óvulo fertilizado que se desenvolve o ser humano pleno, corpo e alma. Na perspectiva bíblica, Deus é o autor da vida e ele mesmo é quem forma o nosso interior e nos tece no ventre da nossa mãe. É Deus quem nos forma de maneira assombrosamente maravilhosa. O salmista diz: “Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.15,16). A Bíblia fala do ser antes do nascer. Davi diz: “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Jó descreve sua existência pré-natal afirmando: “Porventura não me vazaste como leite e não me coalhaste como queijo? De pele e carne me vestiste, e de ossos e tendões me entreteceste” (Jó 10.10). Fica claro na perspectiva da Escritura, que a vida começa na concepção.
A lei de Deus é enfaticamente clara: “Não matarás” (Ex 20.13). Deus é o autor da vida e só ele tem autoridade para tirá-la (1Sm 2.6). A decisão acerca do aborto não pode ser apenas uma discussão restrita à mãe e ao seu médico. O direito à vida é um direito sagrado e deve ser amplamente discutido, sobretudo, à luz da ética cristã. O aborto é a eliminação de uma vida. É um assassinato. E o mais grave: um assassinato com requintes de crueldade. O aborto é matar um ser indefeso, incapaz de proteger-se. É tirar uma vida que não tem sequer o direito de erguer a voz e clamar por socorro. Ah! Se os milhões de crianças que não chegaram a nascer pudessem gritar aos ouvidos do mundo, ficaríamos estarrecidos diante dessa barbárie. Ficamos chocados com o Holocausto, onde seis milhões de judeus foram mortos nos campos de concentração e nos paredões de fuzilamento. O aborto, entretanto não é menos perverso. O ventre materno em vez de ser um refúgio da vida, torna-se o corredor da morte; em vez de ser o berço da proteção, torna-se o patíbulo da tortura; em vez de ser o reduto mais sagrado do direito à vida, torna-se a arena mais perigosa da morte. O aborto é um crime com vários agravantes, pois não raro, a criança em formação é envenenada, esquartejada e, sugada do ventre como uma verruga pestilenta e indesejável. Oh, que Deus tenha misericórdia da nossa sociedade! Que Deus tenha piedade daqueles que legislam! Que Deus tenha compaixão daqueles que favorecem ou praticam tamanha crueldade!
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Doutrina Reformada da Plena Autoridade das Escrituras
A Doutrina Reformada da Autoridade Suprema das Escrituras
A doutrina que me proponho a considerar neste artigo foi de fundamental importância na Reforma Protestante do Século XVI. Em contraposição, por um lado, à doutrina católica romana de uma tradição oral apostólica e, por outro lado, ao misticismo dos assim chamados entusiastas ou reformadores radicais, os Reformadores defenderam a doutrina da autoridade suprema das Escrituras. Essa foi, portanto, a resposta deles à autoridade da tradição eclesiástica e do misticismo pessoal.
A autoridade suprema das Escrituras também é uma doutrina puritano-presbiteriana. A ela os puritanos tiveram que apelar freqüentemente na luta que foram obrigados a travar contra as imposições litúrgicas da Igreja Anglicana.1 A Confissão de Fé de Westminster professa a referida doutrina em três parágrafos do seu primeiro capítulo. No quarto parágrafo, ela trata da origem ou fundamento da autoridade das Escrituras:
A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
O parágrafo quinto aborda a questão da certeza ou convicção pessoal da autoridade das Escrituras:
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações.
O décimo e último parágrafo desse capítulo confere às Escrituras (a voz do Espírito Santo) a palavra final para toda e qualquer questão religiosa, reconhecendo-a como supremo tribunal de recursos em matéria de fé e prática:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares; o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.
Em dias como os que estamos vivendo, em que cresce a impressão de que o evangelicalismo moderno (particularmente o brasileiro) manifesta profunda crise teológica, eclesiástica e litúrgica,2 convém considerar novamente essa importante doutrina reformado-puritana. Convém uma palavra de alerta contra antigas e novas tendências de usurpar ou limitar a autoridade da Palavra de Deus. Tal é o propósito deste artigo.
I. Definição
O que queriam dizer os Reformadores ao professarem a doutrina da autoridade das Escrituras? Que, por serem divinamente inspiradas, elas são verídicas em todas as suas afirmativas. Segundo esta doutrina, as Escrituras são a fonte infalível de informação que estabelece definitivamente qualquer assunto nelas tratado: a única regra infalível de fé e de prática, o supremo tribunal de recursos ao qual a Igreja pode apelar para a resolução de qualquer controvérsia religiosa.
Isto não significa que as Escrituras sejam o único instrumento de revelação divina. Os atributos de Deus se revelam por meio da criação: a revelação natural (cf. Sl 19:1-4 e Rm 1:18-20). Uma versão da sua lei moral foi registrada em nosso coração: a consciência (cf. Rm 2:14-15), "uma espiã de Deus em nosso peito," "uma embaixadora de Deus em nossa alma," como os puritanos costumavam chamá-la.3 A própria pessoa de Deus, o ser de Deus, revela-se de modo especialíssimo no Verbo encarnado, a segunda pessoa da Trindade (cf. Jo 14.19; Cl 1.15 e 3.9).
Mas, visto que Cristo nos fala agora pelo seu Espírito por meio das Escrituras, e que as revelações da criação e da consciência não são nem perfeitas e nem suficientes por causa da queda, que corrompeu tanto uma como outra, a palavra final, suficiente e autoritativa de Deus para esta dispensação são as Escrituras Sagradas.
II. Base Bíblica
A base bíblica da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras é tanto inferencial como direta.
A. Base Inferencial
É inferencial, porque decorre do ensino bíblico a respeito da inspiração divina das Escrituras. Visto que as Escrituras não são produto da mera inquirição espiritual dos seus autores (cf. 2 Pe 1.20), mas da ação sobrenatural do Espírito Santo (cf. 2 Tm 3.16 e 2 Pe 1.21), infere-se que são autoritativas. Na linguagem da Confissão de Fé, a autoridade das Escrituras procede da sua autoria divina: "porque é a Palavra de Deus."
Isto não significa que cada palavra foi ditada pelo Espírito Santo, de modo a anular a mente e a personalidade daqueles que a escreveram. Os autores bíblicos não escreveram mecanicamente. As Escrituras não foram psicografadas, ou melhor, "pneumografadas." Os diversos livros que compõem o cânon revelam claramente as características culturais, intelectuais, estilísticas e circunstanciais dos diversos autores. Paulo não escreve como João ou Pedro. Lucas fez uso de pesquisas para escrever o seu Evangelho e o livro de Atos. Cada autor escreveu na sua própria língua: hebraico, aramaico e grego. Os autores bíblicos, embora secundários, não foram instrumentos passivos nas mãos de Deus. A superintendência do Espírito não eliminou de modo algum as suas características e peculiaridades individuais. Por outro lado, a agência humana também em nada prejudicou a revelação divina. Seus autores humanos foram de tal modo dirigidos e supervisionados pelo Espírito Santo que tudo o que foi registrado por eles nas Escrituras constitui-se em revelação infalível, inerrante e autoritativa de Deus. Não somente as idéias gerais ou fatos revelados foram registrados, mas as próprias palavras empregadas foram escolhidas pelo Espírito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores.4
O fato é que, por procederem de Deus, as Escrituras reivindicam atributos divinos: são perfeitas, fiéis, retas, puras, duram para sempre, verdadeiras, justas (Sl 19.7-9) e santas (2 Tm 3.15).5
B. Base Direta
Mas a doutrina reformada da autoridade das Escrituras não se fundamenta apenas em inferências. Diversos textos bíblicos reivindicam autoridade suprema.
Os profetas do Antigo Testamento reivindicam falar palavras de Deus, introduzindo suas profecias com as assim chamadas fórmulas proféticas, dizendo: "assim diz o Senhor," "ouvi a palavra do Senhor," ou "palavra que veio da parte do Senhor."6 No Novo Testamento, vários textos do Antigo Testamento são citados, sendo atribuídos a Deus ou ao Espírito Santo. Por exemplo: "Assim diz o Espírito Santo..." (Hb 3:7ss).7
A autoridade apostólica também evidencia a autoridade suprema das Escrituras. O Apóstolo Paulo dava graças a Deus pelo fato de os tessalonicenses terem recebido as suas palavras "não como palavra de homens, e, sim, como em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes" (1 Ts 2:13). Que autoridade teria Paulo para exortar aos gálatas no sentido de rejeitarem qualquer evangelho que fosse além do evangelho que ele lhes havia anunciado, ainda que viesse a ser pregado por anjos? Só há uma resposta razoável: ele sabia que o evangelho por ele anunciado não era segundo o homem; porque não o havia aprendido de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo (Gl 1:8-12).
Jesus também atesta a autoridade suprema das Escrituras: pelo modo como a usa, para estabelecer qualquer controvérsia: "está escrito"8 (exemplos: Mt 4:4,6,7,10; etc.), e ao afirmar explicitamente a autoridade das mesmas, dizendo em João 10:35 que "a Escritura não pode falhar."9
III. Usurpações da Autoridade das Escrituras
Apesar da sólida base bíblico-teológica em favor da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras, hoje, como no passado, deparamo-nos com a mesma tendência geral de diminuir a autoridade das Escrituras. E isso ocorre de duas maneiras: por um lado, há a propensão em admitir fontes adicionais ou suplementares de autoridade, que tendem a usurpar a autoridade da Palavra de Deus. Por outro lado, há a tendência de limitar a autoridade das Escrituras, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo.
Com relação à primeira dessas tendências, pelo menos três fontes suplementares usurpadoras da autoridade das Escrituras podem ser identificadas: a tradição (degenerada em tradicionalismo), a emoção (degenerada em emocionalismo) e a razão (degenerada no racionalismo). Sempre que um desses elementos é indevidamente enfatizado, a autoridade das Escrituras é questionada, diminuída ou mesmo suplantada.
A. A Tradição Degenerada em Tradicionalismo
Este foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Senhor Jesus. A religião judaica havia se tornado incrivelmente tradicionalista. Havendo cessado a revelação, os judeus, já no segundo século antes de Cristo, produziram uma infinidade de tradições ou interpretações da Lei, conhecidas como Mishnah. Essas tradições foram cuidadosamente guardadas pelos escribas e fariseus por séculos, até serem registradas nos séculos IV e V A.D., passando a ser conhecidas como o Talmude,10 a interpretação judaica oficial do Antigo Testamento até o dia de hoje. Muitas dessas tradições judaicas eram, entretanto, distorções do ensino do Antigo Testamento. Mas tornaram-se tão autoritativas, que suplantaram a autoridade do Antigo Testamento. Jesus acusou severamente os escribas e fariseus da sua época, dizendo:
Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição... invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição que vós mesmos transmitistes... (Mc 7.7-9,13).11
O Apóstolo Paulo também denunciou essa tendência. Escrevendo aos colossenses, ele advertiu:
Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo... Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? (Cl 2.8,20-22).
Quinze séculos depois, os Reformadores se depararam com o mesmo problema: as tradições contidas nos livros apócrifos e pseudepígrafos, nos escritos dos pais da igreja, nas decisões conciliares e nas bulas papais também degeneraram em tradicionalismo. As tradições eclesiásticas adquiriram autoridade que não possuíam, usurpando a autoridade bíblica. É neste contexto que se deve entender a doutrina reformada da autoridade das Escrituras. Trata-se, primordialmente, de uma reação à posição da Igreja Católica.
Isto não significa, entretanto, que a tradição eclesiástica seja necessariamente ruim. Se a tradição reflete, de fato, o ensino bíblico, ou está de acordo com ele, não sendo considerada normativa (autoritativa) a não ser que reflita realmente o ensino bíblico, então não é má. Os próprios Reformadores produziram, registraram e empregaram confissões de fé e catecismos (os quais também são tradições eclesiásticas). Para eles, contudo, esses símbolos de fé não têm autoridade própria, só sendo normativos na medida em que refletem fielmente a autoridade das Escrituras.
O problema, portanto, não está na tradição, mas na sua degeneração, no tradicionalismo, que atribui à tradição autoridade inerente. O tradicionalismo atribui autoridade às tradições, pelo simples fato de serem antigas ou geralmente observadas, e não por serem bíblicas. Essa tendência acaba sempre usurpando a autoridade das Escrituras.
B. A Emoção Degenerada em Emocionalismo
Outra fonte de autoridade que sempre ameaça a autoridade das Escrituras é a emoção, quando degenerada em emocionalismo. Isto quase inevitavelmente conduz ao misticismo. Na esfera religiosa, freqüentemente é dado um valor exagerado à intuição, ao sentimento, ao convencimento subjetivo. Quando tal ênfase ocorre, facilmente esse sentimento subjetivo de convicção, pessoal e interno, é explicado misticamente, em termos de iluminação espiritual e revelação divina direta, seja por meio do Espírito, seja pela instrumentalidade de anjos, sonhos, visões, arrebatamentos, etc.
Não é que Deus não tenha se revelado por esses meios. Ele de fato o fez. Foi, em parte, através desses meios que a revelação especial foi comunicada à Igreja e registrada no cânon pelo processo de inspiração. O que se está afirmando é que o misticismo copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para reivindicar autoridade que na verdade não é divina, mas humana (quando não diabólica). Essa tendência não é de modo algum nova. Eis as palavras do Senhor através do profeta Jeremias:
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvido às palavras dos profetas que entre vós profetizam, e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor... Até quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração?... O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor (Jr 23.16,26,28).
Séculos depois o Apóstolo Paulo enfrentou o mesmo problema. Ele próprio foi instrumento de revelações espirituais verdadeiras, inspirado que foi para escrever suas cartas canônicas. Nessa condição, ele sabia muito bem o que eram sonhos, visões, revelações e arrebatamentos. Mas, ainda assim, advertiu aos colossenses, dizendo: "Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente carnal" (Cl 2:18). Tanto Jesus como os apóstolos advertem a Igreja repetidamente contra os falsos profetas, os quais ensinam como se fossem apóstolos de Cristo, mas que não passam de enganadores.
Pois bem, sempre que tal coisa ocorre, a autoridade das Escrituras é ameaçada. O misticismo, como degeneração das emoções (não se pode esquecer que também as emoções foram corrompidas pelo pecado) tende sempre a usurpar, a competir com a autoridade das Escrituras, chegando mesmo freqüentemente a suplantá-la. Na época dos Reformadores não foi diferente. Eles combateram grupos místicos por eles chamados de entusiastas12 que reivindicavam autoridade espiritual interior, luz interior, revelações espirituais adicionais que suplantavam ou mesmo negavam a autoridade das Escrituras. Esta tem sido igualmente uma das características mais comuns das seitas modernas, tais como mormonismo, testemunhas de Jeová, adventismo do sétimo dia, etc. Entre os movimentos pentecostais e carismáticos também não é incomum a emoção degenerar em emocionalismo, produzindo um misticismo usurpador da autoridade das Escrituras.
C. A Razão Degenerada em Racionalismo
A ênfase exagerada na razão também tende a usurpar a autoridade das Escrituras. O homem, devido a sua natureza pecaminosa, sempre tem resistido a submeter sua razão à autoridade da Palavra de Deus. A tendência é sempre tê-la (a razão) como fonte suprema de autoridade. Isto foi conseqüência da queda. Na verdade, foi também a causa, tanto da queda de Satanás como de nossos primeiros pais. Ambos caíram por darem mais crédito às suas conclusões do que à palavra de Deus. Desde então, essa soberba mental, essa altivez intelectual tem tendido sempre a minar a autoridade da Palavra de Deus, oral (antes de ser registrada) ou escrita.
Por que o ser humano, tendo conhecimento de Deus, não o glorifica como Deus nem lhe é grato? O Apóstolo Paulo explica: porque, suprimindo a verdade de Deus (Rm 1:18), "...se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos... pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador...’’ (Rm 1:21-22,25).
Esta tem sido, sem dúvida, a causa de uma infinidade de heresias e erros surgidos no curso da história da Igreja. A heresia de Marcião, o gnosticismo, o arianismo, o docetismo, o unitarianismo, e mesmo o arminianismo são todos erros provocados pela dificuldade do homem em submeter sua razão à revelação bíblica. Todos preferiram uma explicação racional, lógica, em lugar da explicação bíblica que lhes parecia inaceitável. Assim, Marcião concebeu dois deuses, um do Antigo e outro do Novo Testamento. Por isso, também o gnosticismo fez distinção moral entre matéria e espírito. Já o arianismo originou-se da dificuldade de Ario em aceitar a eternidade de Cristo. Do mesmo modo, o docetismo surgiu da dificuldade de alguns em admitir um Cristo verdadeiramente divino-humano. O unitarianismo, por sua vez, decorre da recusa em aceitar a doutrina bíblica da Trindade, enquanto que o arminianismo surgiu da dificuldade de Armínio em conciliar a doutrina da soberania de Deus com a doutrina da responsabilidade humana (rejeitando a primeira).
A tendência da razão em usurpar a autoridade das Escrituras tem sido especialmente forte nos últimos dois séculos. O desenvolvimento científico e tecnológico instigou a soberba intelectual do homem. Assim, passou-se a acreditar apenas no que possa ser constatado, comprovado, pela razão e pela lógica. A ciência tornou-se a autoridade suprema, a única regra de fé e prática. E a Igreja passou a fazer concessões e mais concessões, na tentativa de harmonizar as Escrituras com a razão e com a ciência. O relato bíblico da criação foi desacreditado pela teoria da evolução; os milagres relatados nas Escrituras foram rejeitados como mitos; e muitos estudiosos das Escrituras passaram a assumir uma postura crítica, não mais submissa aos seus ensinos. Foi assim que surgiu o método de interpretação histórico-crítico em substituição ao método histórico-gramatical. Nele, é a suprema razão humana que determina o que é escriturístico ou mera tradição posterior, o que é milagre ou mito, o que é verdadeiro ou falso nas Escrituras.
Mas antes de se atribuir tanta autoridade à ciência, convém considerar a sua história. Quão falível e mutável é! A grande maioria dos "fatos" científicos de dois séculos atrás já foram rejeitados pela própria ciência. Além disso, com que freqüência meras teorias e hipóteses científicas são tomadas como fatos científicos comprovados!13
IV. Limitações da Autoridade das Escrituras
Além das tendências que acabei de considerar, propensas a usurpar a autoridade das Escrituras, existem outras, que tendem a limitar a autoridade bíblica, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo. É o que têm feito a teologia liberal, a neo-ortodoxia e o neo-evangelicalismo, com relação a três dos principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras. Estas três concepções de "autoridade" bíblica precisam ser entendidas. Elas estão sendo bastante divulgadas em nossos dias, e são, em certo sentido, até mais perigosas do que as tendências anteriormente mencionadas, por serem mais sutis. Este assunto pode ser melhor entendido considerando-se os três principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras: sua origem (ou base), certeza (ou convicção) e escopo (ou abrangência).
A. Origem ou Base da Autoridade das Escrituras
A origem ou base da autoridade das Escrituras, como já foi mencionado, encontra-se na sua autoria divina. As Escrituras são autoritativas porque são de origem divina: o Espírito Santo é o seu autor primário. Para os Reformadores, as Escrituras são autoritativas porque são a Palavra de Deus inspirada. Por isso são infalíveis, inerrantes, claras, suficientes, etc.
A teologia liberal (racionalista) nega a própria base da autoridade da Escritura, negando a sua origem divina. Para ela, as Escrituras são mero produto do espírito humano, expressando verdades divinas conforme discernidas pelos seus autores, bem como erros e falhas características do homem. Sua autoridade, portanto, não é divina nem inerente, mas humana, devendo ser determinada pelo julgamento da razão crítica. Eis o que afirmam: "A verdade divina não é encontrada em um livro antigo, mas na obra contínua do Espírito na comunidade, conforme discernida pelo julgamento crítico racional."14 De acordo com a teologia liberal, "nós estamos em uma nova situação histórica, com uma nova consciência da nossa autonomia e responsabilidade para repensar as coisas por nós mesmos. Não podemos mais apelar à inquestionável autoridade de um livro inspirado."15
B. Certeza da Autoridade das Escrituras
A certeza ou convicção da autoridade das Escrituras16 provém do testemunho interno do Espírito Santo. A excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina e a sua extraordinária unidade são algumas das características das Escrituras que demonstram a sua autoridade divina. Contudo, admitimos que "a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações."17
O testemunho da Igreja com relação à excelência das Escrituras pode se constituir no meio pelo qual somos persuadidos da sua autoridade, mas não na base ou fundamento da nossa persuasão. A nossa persuasão da autoridade da Bíblia dá-se por meio do testemunho interno do Espírito Santo com relação à sua inspiração. Na concepção reformada, se alguém crê, de fato, na autoridade suprema das Escrituras como regra de fé e prática, o faz como resultado da ação do Espírito Santo. É ele, e só ele, quem pode persuadir alguém da autoridade da Bíblia.
Essa persuasão não significa de modo algum uma revelação adicional do Espírito. Significa, sim, que a ação do Espírito na alma de uma pessoa, iluminando seu coração e sua mente em trevas, regenerando-a, fazendo-a nova criatura, dissipa as trevas espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu coração, permitindo que reconheça a autoridade divina das Escrituras. O Apóstolo Paulo trata deste assunto escrevendo aos coríntios. Ele explica, na sua primeira carta, que, "o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente" (1 Co 2.14). O homem natural, em estado de pecado, perdeu a sua capacidade original de compreender as coisas espirituais. Ele não pode, portanto, reconhecer a autoridade das Escrituras; ele não tem capacidade para isso. Na sua segunda carta aos coríntios o Apóstolo é ainda mais explícito, ao observar que,
...se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus... Porque Deus que disse: de trevas resplandecerá luz —, ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (2 Co 4.3-4,6).
O que Paulo afirma aqui é que o homem natural, o incrédulo, está cego como resultado da obra do diabo, que o fez cair. Nesse estado, ele está como um deficiente visual, que não consegue perceber nem mesmo a luz do sol. Pode-se compreender melhor o testemunho interno do Espírito com esta ilustração. O testemunho do Espírito não é uma nova luz no coração, mas a sua ação através da qual ele abre os olhos de um pecador, permitindo-lhe reconhecer a verdade que lá estava, mas não podia ser vista por causa da sua cegueira espiritual.
Deve-se ter em mente, entretanto — e esse é o ponto enfatizado aqui —, que esse testemunho interno do Espírito Santo diz respeito à certeza do crente com relação à plena autoridade das Escrituras, e não à própria autoridade inerente das Escrituras. A convicção de um crente de que as Escrituras têm autoridade é subjetiva, mas a autoridade das Escrituras é objetiva. Esteja-se ou não convencido da sua autoridade, a Bíblia é e continua objetivamente autoritativa. A neo-ortodoxia existencialista confunde estas coisas e defende a subjetividade da própria autoridade da Bíblia. Para eles, a revelação bíblica só é verdade divina quando fala ao nosso coração. Como dizem, "as Escrituras não são, mas se tornam a Palavra de Deus" quando existencializadas.18
C. Escopo da Autoridade das Escrituras
Essas posições da teologia liberal e da neo-ortodoxia com relação à origem e à certeza da autoridade das Escrituras são seríssimas. Contudo, talvez mais séria ainda (por ser mais sutil) é a questão relacionada ao escopo da autoridade das Escrituras.
Uma nova concepção da autoridade das Escrituras tem surgido entre os eruditos evangélicos (inclusive reformados de renome, tais como G. C. Berkouwer19), conhecida como neo-evangélica. O neo-evangelicalismo limita o escopo (a área) da autoridade das Escrituras ao seu propósito salvífico. Segundo essa concepção, a autoridade das Escrituras limita-se à revelação de assuntos diretamente relacionados à salvação, a assuntos religiosos.20
A doutrina neo-evangélica faz diferença entre o conteúdo salvífico das Escrituras e o seu contexto salvífico, reivindicando autoridade e inerrância apenas para o primeiro. Mas tal posição não reflete nem se coaduna com a posição reformada e protestante histórica. Para esta, o escopo da autoridade das Escrituras é todo o seu cânon. É verdade que a Bíblia não se propõe a ser um compêndio científico ou um livro histórico. Mas, ainda assim, todas as afirmativas nelas contidas, sejam elas de caráter teológico, prático, histórico ou científico, são inerrantes e autoritativas.21
Os principais problemas relacionados com a posição neo-evangélica quanto à autoridade das Escrituras são os seguintes: Primeiro, como distinguir o conteúdo salvífico do seu contexto salvífico? É impossível. As Escrituras são a Palavra de Deus revelada na história. Segundo, como delimitar o que está ou não está diretamente relacionado ao propósito salvífico, se o propósito da obra da redenção não é meramente salvar o homem, mas restaurar o cosmo? Que porções das Escrituras ficariam de fora do escopo da salvação? Como Ridderbos admite, "a Bíblia não é apenas o livro da conversão, mas também o livro da história e o livro da Criação..."22 Que áreas da vida humana ficariam de fora da obra da redenção? A arte, a ciência, a história, a ética, a moral? Quem delimitaria as fronteiras entre o que está ou não incluído no propósito salvífico? Admitir, portanto, o conceito neo-evangélico de autoridade das Escrituras é cair na cilada liberal do cânon dentro do cânon, e colocar a razão humana como juiz supremo de fé e prática, pois neste caso competirá ao homem determinar o que é ou não propósito salvífico.
Conclusão
Em última instância, a questão da autoridade das Escrituras pode ser resumida na seguinte pergunta: quem tem a última palavra, Deus, falando através das Escrituras, ou o homem, por meio de suas tradições, sentimentos ou razão? A resposta dos Reformadores foi clara. Embora reconhecendo que o propósito especial das Escrituras não é histórico, moral ou científico, mas salvífico, eles não diminuíram a sua autoridade de forma alguma: nem por adições ou suplementos, nem por reduções ou limitações de qualquer natureza. A fé reformado-puritana reconhece a autoridade de todo o conteúdo das Escrituras, e sua plena suficiência e suprema autoridade em matéria de fé e práticas eclesiásticas.
Tão importante foi a redescoberta destas doutrinas pelos Reformadores, que pode-se afirmar que, da aplicação prática das mesmas, decorreu, em grande parte, a profunda reforma doutrinária, eclesiástica e litúrgica que deu origem às igrejas protestantes. Todas as doutrinas foram submetidas à autoridade das Escrituras. Todos os elementos de culto, cerimônias e práticas eclesiásticas foram submetidos ao escrutínio da Palavra de Deus. A própria vida (trabalho, lazer, educação, casamento, etc.) foi avaliada pelo ensino suficiente e autoritativo das Escrituras. Muito entulho doutrinário teve que ser rejeitado. Muitas tradições e práticas religiosas acumuladas no curso dos séculos foram reprovadas quando submetidas ao teste da suficiência e da autoridade suprema das Escrituras. E a profunda reforma religiosa do século XVI foi assim empreendida.
Mas muito tempo já se passou desde então. O evangelicalismo moderno recebeu, especialmente do século passado, um legado teológico, eclesiástico e litúrgico que precisa ser urgentemente submetido ao teste da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras. É tempo de reconsiderar as implicações desta doutrina. É tempo de reavaliar a nossa fé, nossas práticas eclesiásticas e nossas próprias vidas à luz desta doutrina. Afinal, admitimos que a Igreja reformada deve estar sempre se reformando — não pela conformação constante às últimas novidades, mas pelo retorno e conformação contínuos ao ensino das Escrituras.
Sabendo que a nossa natureza pecaminosa nos impulsiona em direção ao erro e ao pecado, conhecendo o engano e a corrupção do nosso próprio coração, reconhecendo os dias difíceis pelos quais passa o evangelicalismo moderno (particularmente no Brasil), e a ojeriza doutrinária, a exegese superficial e a ignorância histórica que em grande parte caracterizam o evangelicalismo moderno no nosso país, não temos o direito de assumir que nossa fé e práticas eclesiásticas sejam corretas, simplesmente por serem geralmente assim consideradas. É necessário submeter nossa fé e práticas eclesiásticas à autoridade suprema das Escrituras.
Assim fazendo, não é improvável que nós, à semelhança dos Reformadores, também tenhamos que rejeitar considerável entulho teológico, eclesiástico e litúrgico acumulados nos últimos séculos. Não é improvável que venhamos a nos surpreender, ao descobrir um evangelicalismo profundamente tradicionalista, subjetivo e racionalista. Mas não é improvável também que venhamos a presenciar uma nova e profunda reforma religiosa em nosso país. Que assim seja!
English Abstract
In this article on reformed theology Anglada deals with the reformed doctrine of the supreme authority of Scripture. Assuming a theological, ecclesiastical and liturgical crisis in modern evangelicalism, particularly in Brazil, he summarizes the biblical basis of the doctrine, and alerts against the old and new tendencies of usurping or limiting the authority of God’s Word. Among the usurping tendencies against the authority of Scripture, he includes the ecclesiastical traditions degenerated into traditionalism, emotions degenerated into emotionalism, and reason degenerated into rationalism. Among the limiting tendencies he mentions the liberal negation of the very foundation of Biblical authority, the neo-orthodox confusion concerning the certainty of the authority of Scripture, and the neo-evangelical limitation of the scope of its authority. He concludes the article by calling attention to the importance of the doctrine in the sixteenth-century Reformation and by suggesting that if the modern evangelical faith and ecclesiastical practices were subjected to the scrutiny of this doctrine, a considerable number of doctrines and ecclesiastical practices would have to be rejected, and a new reformation would take place.
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Notas
* Este artigo foi originalmente publicado na revista Fides Reformata 2:2 (1997).
** O autor é ministro presbiteriano, professor de Grego e Hermenêutica no Seminário Teológico Batista Equatorial e presidente da Associação Reformada Palavra da Verdade, na cidade de Belém. É mestre em Teologia pela Potchefstroom University for Christian Higher Education (África do Sul) e doutorando em Ministério no Westminster Theological Seminary, na Califórnia.
1 Ver, por exemplo, William Ames, A Fresh Suit against Human Ceremonies in God’s Worship (Rotterdam, 1633); David Calderwood, Against Festival Days, 1618 (Dallas: Naphtali Press, 1996); George Gillespie, Dispute against the English Popish Ceremonies Obtruded on the Church of Scotland (Edinburgh: Robert Ogle and Oliver & Boyd, 1844); e John Owen, "A Discourse concerning Liturgies and their Impositions," em The Works of John Owen, vol. 15 (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1965).
2 Cf. John MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho: Quando a Igreja se torna como o Mundo (São José dos Campos: Editora Fiel, 1997) e Paulo Romeiro, Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira (São Paulo: Mundo Cristão, 1995).
3 Ver capítulo sobre a "Consciência Puritana," em J. I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma Visão Puritana da Vida Cristã (São José dos Campos: Editora Fiel, 1991), 115-132.
4 Sobre o conceito reformado de inspiração e infalibilidade (inerrância) das Escrituras, ver L. Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática (Grand Rapids: The Evangelical Literature League, [1973]), 159-190; A. A. Hodge, Evangelical Theology: A Course of Popular Lectures (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1976), 61-83; Loraine Boettner, Studies in Theology (Phillipsburg and New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1978), 9-49; e J. C. Ryle, Foundations of Faith: Selections From J. C. Ryle’s Old Paths (South Plainfield, New Jersey: Bridge Publishing, 1987), 1-39.
5 Cf. também Salmo 119.39, 43, 62, 75, 86, 89, 106, 137, 138, 142, 144, 160, 164, 172; Mateus 24.34; João 17.17; Tiago 1.18; Hebreus 4.12 e 1 Pedro 1.23,25.
6 Lloyd-Jones afirma que essas expressões são usadas 3.808 vezes no Antigo Testamento; e que os que assim se expressavam estavam deixando claro que não expunham suas próprias idéias ou imaginações. D. Martin Lloyd-Jones, Authority (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1984), 50.
7 Ver também Atos 28.25 e Hebreus 4.3, 5.6 e 10.15-16.
8 O termo empregado é gegraptai. O tempo perfeito indica uma ação realizada no passado, cujos resultados permanecem no presente: foi escrito e permanece válido, falando com autoridade.
9 Outras evidências da autoridade divina das Escrituras são apresentadas por Lloyd-Jones, Authority, 30-50; e por John A. Witmer, "The Authority of the Bible," Bibliotheca Sacra 118:471 (July 1961): 264-27.
10 O Talmud inclui também a Gemara, comentários rabínicos sobre o Mishnah, escritos entre 200 e 500 AD (C. L. Feinberg, "Talmude e Midrash," em J. D. Douglas, ed., O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 3 (São Paulo: Edições Vida Nova, 1979), 1560-61.
11 Conferir também Mateus 15.3ss.
12 Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática, 207.
13 Um exemplo bem atual: há poucos dias atrás, cientistas anunciaram que pesquisas feitas com o DNA dos fósseis do assim chamado homem de Neanderthal — até então "inquestionavelmente" considerado um dos antepassados mais recentes do homem na cadeia evolutiva —, revelam que esses ossos nada têm a ver com a raça humana. Exemplos como estes repetem-se continuamente, e deveriam tornar-nos cautelosos em atribuir à ciência autoridade maior do que a da revelação bíblica.
14 C. Pinnock, citado por Keun-Doo Jung, "A Study of the Authority with Reference to The Westminster Confession of Faith." (Tese de Mestrado, Potchefstroom [South Africa] University for Christian Higher Education, 1981), 45.
15 G. D. Kaufman, ibid., 45.
16 Ensinada no parágrafo V do capítulo I da Confissão de Fé de Westminster.
17 Ibid.
18 Outros dados sobre a importância da doutrina reformada da autoridade das Escrituras em relação à teologia liberal e à neo-ortodoxia podem ser obtidos em Lloyd-Jones, Authority, 30-61; John A. Witmer, "Biblical Authority in Contemporary Theology," Bibliotheca Sacra 118:469 (January 1961), 59-67; e Kenneth S. Kantzer, "Neo-Orthodoxy and the Inspiration of Scripture," Bibliotheca Sacra 116:461 (January 1959), 15-29.
19 Ver G. C. Berkouwer, Studies in Dogmatics: Holy Scripture (Grand Rapids: Eerdmans, 1975) e Ronald Gleason, "In Memoriam: Dr. Gerrit Cornelius Berkouwer," Modern Reformation 5:3 (May/June 1996), 30-32.
20 Alguns eruditos têm considerado a doutrina reformada tradicional da autoridade das Escrituras conforme ensinada pelos teólogos de Princeton, tais como Charles Hodge (1797-1878), Alexander Hodge (1823-1886) e B. B. Warfield (1851-1921), como um desvio do ensino dos Reformadores e da Confissão de Fé de Westminster. Ver, por exemplo, Ernest Sandeen, The Roots of Fundamentalism: British and American Millenarianism, 1800-1930 (Chicago: University of Chicago Press, 1970). Alguns, como Jack Rogers e Donald McKim, The Authority and Interpretation of the Bible: A Historical Approach (San Francisco: Harper & Row, 1979), chegam a defender que a doutrina reformada das Escrituras encontra seus legítimos representantes em Abraham Kuyper (1837-1920) e Herman Bavinck (1854-1921), os quais teriam se antecipado aos esforços de Karl Barth e G. C. Berkouwer no sentido de restaurar a verdadeira tradição reformada. Outros, entretanto, têm demonstrado que estas teses não procedem, visto que os teólogos de Princeton estão em substancial harmonia com outros que os antecederam, e com Kuyper e Bavinck. Ver Randall H. Balmer, "The Princetonians and Scripture: A Reconsideration," Westminster Theological Journal 44:2 (1982): 352-365; e Richard B. Gaffin, Jr., "Old Amsterdam and Inerrancy?," Westminster Theological Journal 44:2 (1982), 250-289; 45:2 (1983): 219-272.
21 Uma demonstração da posição reformada e protestante histórica da inerrância das Escrituras em português pode ser encontrada em John H. Gerstner, "A Doutrina da Igreja sobre a Inspiração Bíblica," em James Montgomery Boice, ed., O Alicerce da Autoridade Bíblica, 2a ed. (São Paulo: Vida Nova, 1989), 25-68.
22 Herman Ridderbos, Studies in Scripture and its Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 24.
Por: Rev. Paulo Anglada
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A autoridade suprema das Escrituras também é uma doutrina puritano-presbiteriana. A ela os puritanos tiveram que apelar freqüentemente na luta que foram obrigados a travar contra as imposições litúrgicas da Igreja Anglicana.1 A Confissão de Fé de Westminster professa a referida doutrina em três parágrafos do seu primeiro capítulo. No quarto parágrafo, ela trata da origem ou fundamento da autoridade das Escrituras:
A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
O parágrafo quinto aborda a questão da certeza ou convicção pessoal da autoridade das Escrituras:
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações.
O décimo e último parágrafo desse capítulo confere às Escrituras (a voz do Espírito Santo) a palavra final para toda e qualquer questão religiosa, reconhecendo-a como supremo tribunal de recursos em matéria de fé e prática:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares; o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.
Em dias como os que estamos vivendo, em que cresce a impressão de que o evangelicalismo moderno (particularmente o brasileiro) manifesta profunda crise teológica, eclesiástica e litúrgica,2 convém considerar novamente essa importante doutrina reformado-puritana. Convém uma palavra de alerta contra antigas e novas tendências de usurpar ou limitar a autoridade da Palavra de Deus. Tal é o propósito deste artigo.
I. Definição
O que queriam dizer os Reformadores ao professarem a doutrina da autoridade das Escrituras? Que, por serem divinamente inspiradas, elas são verídicas em todas as suas afirmativas. Segundo esta doutrina, as Escrituras são a fonte infalível de informação que estabelece definitivamente qualquer assunto nelas tratado: a única regra infalível de fé e de prática, o supremo tribunal de recursos ao qual a Igreja pode apelar para a resolução de qualquer controvérsia religiosa.
Isto não significa que as Escrituras sejam o único instrumento de revelação divina. Os atributos de Deus se revelam por meio da criação: a revelação natural (cf. Sl 19:1-4 e Rm 1:18-20). Uma versão da sua lei moral foi registrada em nosso coração: a consciência (cf. Rm 2:14-15), "uma espiã de Deus em nosso peito," "uma embaixadora de Deus em nossa alma," como os puritanos costumavam chamá-la.3 A própria pessoa de Deus, o ser de Deus, revela-se de modo especialíssimo no Verbo encarnado, a segunda pessoa da Trindade (cf. Jo 14.19; Cl 1.15 e 3.9).
Mas, visto que Cristo nos fala agora pelo seu Espírito por meio das Escrituras, e que as revelações da criação e da consciência não são nem perfeitas e nem suficientes por causa da queda, que corrompeu tanto uma como outra, a palavra final, suficiente e autoritativa de Deus para esta dispensação são as Escrituras Sagradas.
II. Base Bíblica
A base bíblica da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras é tanto inferencial como direta.
A. Base Inferencial
É inferencial, porque decorre do ensino bíblico a respeito da inspiração divina das Escrituras. Visto que as Escrituras não são produto da mera inquirição espiritual dos seus autores (cf. 2 Pe 1.20), mas da ação sobrenatural do Espírito Santo (cf. 2 Tm 3.16 e 2 Pe 1.21), infere-se que são autoritativas. Na linguagem da Confissão de Fé, a autoridade das Escrituras procede da sua autoria divina: "porque é a Palavra de Deus."
Isto não significa que cada palavra foi ditada pelo Espírito Santo, de modo a anular a mente e a personalidade daqueles que a escreveram. Os autores bíblicos não escreveram mecanicamente. As Escrituras não foram psicografadas, ou melhor, "pneumografadas." Os diversos livros que compõem o cânon revelam claramente as características culturais, intelectuais, estilísticas e circunstanciais dos diversos autores. Paulo não escreve como João ou Pedro. Lucas fez uso de pesquisas para escrever o seu Evangelho e o livro de Atos. Cada autor escreveu na sua própria língua: hebraico, aramaico e grego. Os autores bíblicos, embora secundários, não foram instrumentos passivos nas mãos de Deus. A superintendência do Espírito não eliminou de modo algum as suas características e peculiaridades individuais. Por outro lado, a agência humana também em nada prejudicou a revelação divina. Seus autores humanos foram de tal modo dirigidos e supervisionados pelo Espírito Santo que tudo o que foi registrado por eles nas Escrituras constitui-se em revelação infalível, inerrante e autoritativa de Deus. Não somente as idéias gerais ou fatos revelados foram registrados, mas as próprias palavras empregadas foram escolhidas pelo Espírito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores.4
O fato é que, por procederem de Deus, as Escrituras reivindicam atributos divinos: são perfeitas, fiéis, retas, puras, duram para sempre, verdadeiras, justas (Sl 19.7-9) e santas (2 Tm 3.15).5
B. Base Direta
Mas a doutrina reformada da autoridade das Escrituras não se fundamenta apenas em inferências. Diversos textos bíblicos reivindicam autoridade suprema.
Os profetas do Antigo Testamento reivindicam falar palavras de Deus, introduzindo suas profecias com as assim chamadas fórmulas proféticas, dizendo: "assim diz o Senhor," "ouvi a palavra do Senhor," ou "palavra que veio da parte do Senhor."6 No Novo Testamento, vários textos do Antigo Testamento são citados, sendo atribuídos a Deus ou ao Espírito Santo. Por exemplo: "Assim diz o Espírito Santo..." (Hb 3:7ss).7
A autoridade apostólica também evidencia a autoridade suprema das Escrituras. O Apóstolo Paulo dava graças a Deus pelo fato de os tessalonicenses terem recebido as suas palavras "não como palavra de homens, e, sim, como em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes" (1 Ts 2:13). Que autoridade teria Paulo para exortar aos gálatas no sentido de rejeitarem qualquer evangelho que fosse além do evangelho que ele lhes havia anunciado, ainda que viesse a ser pregado por anjos? Só há uma resposta razoável: ele sabia que o evangelho por ele anunciado não era segundo o homem; porque não o havia aprendido de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo (Gl 1:8-12).
Jesus também atesta a autoridade suprema das Escrituras: pelo modo como a usa, para estabelecer qualquer controvérsia: "está escrito"8 (exemplos: Mt 4:4,6,7,10; etc.), e ao afirmar explicitamente a autoridade das mesmas, dizendo em João 10:35 que "a Escritura não pode falhar."9
III. Usurpações da Autoridade das Escrituras
Apesar da sólida base bíblico-teológica em favor da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras, hoje, como no passado, deparamo-nos com a mesma tendência geral de diminuir a autoridade das Escrituras. E isso ocorre de duas maneiras: por um lado, há a propensão em admitir fontes adicionais ou suplementares de autoridade, que tendem a usurpar a autoridade da Palavra de Deus. Por outro lado, há a tendência de limitar a autoridade das Escrituras, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo.
Com relação à primeira dessas tendências, pelo menos três fontes suplementares usurpadoras da autoridade das Escrituras podem ser identificadas: a tradição (degenerada em tradicionalismo), a emoção (degenerada em emocionalismo) e a razão (degenerada no racionalismo). Sempre que um desses elementos é indevidamente enfatizado, a autoridade das Escrituras é questionada, diminuída ou mesmo suplantada.
A. A Tradição Degenerada em Tradicionalismo
Este foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Senhor Jesus. A religião judaica havia se tornado incrivelmente tradicionalista. Havendo cessado a revelação, os judeus, já no segundo século antes de Cristo, produziram uma infinidade de tradições ou interpretações da Lei, conhecidas como Mishnah. Essas tradições foram cuidadosamente guardadas pelos escribas e fariseus por séculos, até serem registradas nos séculos IV e V A.D., passando a ser conhecidas como o Talmude,10 a interpretação judaica oficial do Antigo Testamento até o dia de hoje. Muitas dessas tradições judaicas eram, entretanto, distorções do ensino do Antigo Testamento. Mas tornaram-se tão autoritativas, que suplantaram a autoridade do Antigo Testamento. Jesus acusou severamente os escribas e fariseus da sua época, dizendo:
Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição... invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição que vós mesmos transmitistes... (Mc 7.7-9,13).11
O Apóstolo Paulo também denunciou essa tendência. Escrevendo aos colossenses, ele advertiu:
Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo... Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? (Cl 2.8,20-22).
Quinze séculos depois, os Reformadores se depararam com o mesmo problema: as tradições contidas nos livros apócrifos e pseudepígrafos, nos escritos dos pais da igreja, nas decisões conciliares e nas bulas papais também degeneraram em tradicionalismo. As tradições eclesiásticas adquiriram autoridade que não possuíam, usurpando a autoridade bíblica. É neste contexto que se deve entender a doutrina reformada da autoridade das Escrituras. Trata-se, primordialmente, de uma reação à posição da Igreja Católica.
Isto não significa, entretanto, que a tradição eclesiástica seja necessariamente ruim. Se a tradição reflete, de fato, o ensino bíblico, ou está de acordo com ele, não sendo considerada normativa (autoritativa) a não ser que reflita realmente o ensino bíblico, então não é má. Os próprios Reformadores produziram, registraram e empregaram confissões de fé e catecismos (os quais também são tradições eclesiásticas). Para eles, contudo, esses símbolos de fé não têm autoridade própria, só sendo normativos na medida em que refletem fielmente a autoridade das Escrituras.
O problema, portanto, não está na tradição, mas na sua degeneração, no tradicionalismo, que atribui à tradição autoridade inerente. O tradicionalismo atribui autoridade às tradições, pelo simples fato de serem antigas ou geralmente observadas, e não por serem bíblicas. Essa tendência acaba sempre usurpando a autoridade das Escrituras.
B. A Emoção Degenerada em Emocionalismo
Outra fonte de autoridade que sempre ameaça a autoridade das Escrituras é a emoção, quando degenerada em emocionalismo. Isto quase inevitavelmente conduz ao misticismo. Na esfera religiosa, freqüentemente é dado um valor exagerado à intuição, ao sentimento, ao convencimento subjetivo. Quando tal ênfase ocorre, facilmente esse sentimento subjetivo de convicção, pessoal e interno, é explicado misticamente, em termos de iluminação espiritual e revelação divina direta, seja por meio do Espírito, seja pela instrumentalidade de anjos, sonhos, visões, arrebatamentos, etc.
Não é que Deus não tenha se revelado por esses meios. Ele de fato o fez. Foi, em parte, através desses meios que a revelação especial foi comunicada à Igreja e registrada no cânon pelo processo de inspiração. O que se está afirmando é que o misticismo copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para reivindicar autoridade que na verdade não é divina, mas humana (quando não diabólica). Essa tendência não é de modo algum nova. Eis as palavras do Senhor através do profeta Jeremias:
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvido às palavras dos profetas que entre vós profetizam, e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor... Até quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração?... O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor (Jr 23.16,26,28).
Séculos depois o Apóstolo Paulo enfrentou o mesmo problema. Ele próprio foi instrumento de revelações espirituais verdadeiras, inspirado que foi para escrever suas cartas canônicas. Nessa condição, ele sabia muito bem o que eram sonhos, visões, revelações e arrebatamentos. Mas, ainda assim, advertiu aos colossenses, dizendo: "Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente carnal" (Cl 2:18). Tanto Jesus como os apóstolos advertem a Igreja repetidamente contra os falsos profetas, os quais ensinam como se fossem apóstolos de Cristo, mas que não passam de enganadores.
Pois bem, sempre que tal coisa ocorre, a autoridade das Escrituras é ameaçada. O misticismo, como degeneração das emoções (não se pode esquecer que também as emoções foram corrompidas pelo pecado) tende sempre a usurpar, a competir com a autoridade das Escrituras, chegando mesmo freqüentemente a suplantá-la. Na época dos Reformadores não foi diferente. Eles combateram grupos místicos por eles chamados de entusiastas12 que reivindicavam autoridade espiritual interior, luz interior, revelações espirituais adicionais que suplantavam ou mesmo negavam a autoridade das Escrituras. Esta tem sido igualmente uma das características mais comuns das seitas modernas, tais como mormonismo, testemunhas de Jeová, adventismo do sétimo dia, etc. Entre os movimentos pentecostais e carismáticos também não é incomum a emoção degenerar em emocionalismo, produzindo um misticismo usurpador da autoridade das Escrituras.
C. A Razão Degenerada em Racionalismo
A ênfase exagerada na razão também tende a usurpar a autoridade das Escrituras. O homem, devido a sua natureza pecaminosa, sempre tem resistido a submeter sua razão à autoridade da Palavra de Deus. A tendência é sempre tê-la (a razão) como fonte suprema de autoridade. Isto foi conseqüência da queda. Na verdade, foi também a causa, tanto da queda de Satanás como de nossos primeiros pais. Ambos caíram por darem mais crédito às suas conclusões do que à palavra de Deus. Desde então, essa soberba mental, essa altivez intelectual tem tendido sempre a minar a autoridade da Palavra de Deus, oral (antes de ser registrada) ou escrita.
Por que o ser humano, tendo conhecimento de Deus, não o glorifica como Deus nem lhe é grato? O Apóstolo Paulo explica: porque, suprimindo a verdade de Deus (Rm 1:18), "...se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos... pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador...’’ (Rm 1:21-22,25).
Esta tem sido, sem dúvida, a causa de uma infinidade de heresias e erros surgidos no curso da história da Igreja. A heresia de Marcião, o gnosticismo, o arianismo, o docetismo, o unitarianismo, e mesmo o arminianismo são todos erros provocados pela dificuldade do homem em submeter sua razão à revelação bíblica. Todos preferiram uma explicação racional, lógica, em lugar da explicação bíblica que lhes parecia inaceitável. Assim, Marcião concebeu dois deuses, um do Antigo e outro do Novo Testamento. Por isso, também o gnosticismo fez distinção moral entre matéria e espírito. Já o arianismo originou-se da dificuldade de Ario em aceitar a eternidade de Cristo. Do mesmo modo, o docetismo surgiu da dificuldade de alguns em admitir um Cristo verdadeiramente divino-humano. O unitarianismo, por sua vez, decorre da recusa em aceitar a doutrina bíblica da Trindade, enquanto que o arminianismo surgiu da dificuldade de Armínio em conciliar a doutrina da soberania de Deus com a doutrina da responsabilidade humana (rejeitando a primeira).
A tendência da razão em usurpar a autoridade das Escrituras tem sido especialmente forte nos últimos dois séculos. O desenvolvimento científico e tecnológico instigou a soberba intelectual do homem. Assim, passou-se a acreditar apenas no que possa ser constatado, comprovado, pela razão e pela lógica. A ciência tornou-se a autoridade suprema, a única regra de fé e prática. E a Igreja passou a fazer concessões e mais concessões, na tentativa de harmonizar as Escrituras com a razão e com a ciência. O relato bíblico da criação foi desacreditado pela teoria da evolução; os milagres relatados nas Escrituras foram rejeitados como mitos; e muitos estudiosos das Escrituras passaram a assumir uma postura crítica, não mais submissa aos seus ensinos. Foi assim que surgiu o método de interpretação histórico-crítico em substituição ao método histórico-gramatical. Nele, é a suprema razão humana que determina o que é escriturístico ou mera tradição posterior, o que é milagre ou mito, o que é verdadeiro ou falso nas Escrituras.
Mas antes de se atribuir tanta autoridade à ciência, convém considerar a sua história. Quão falível e mutável é! A grande maioria dos "fatos" científicos de dois séculos atrás já foram rejeitados pela própria ciência. Além disso, com que freqüência meras teorias e hipóteses científicas são tomadas como fatos científicos comprovados!13
IV. Limitações da Autoridade das Escrituras
Além das tendências que acabei de considerar, propensas a usurpar a autoridade das Escrituras, existem outras, que tendem a limitar a autoridade bíblica, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo. É o que têm feito a teologia liberal, a neo-ortodoxia e o neo-evangelicalismo, com relação a três dos principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras. Estas três concepções de "autoridade" bíblica precisam ser entendidas. Elas estão sendo bastante divulgadas em nossos dias, e são, em certo sentido, até mais perigosas do que as tendências anteriormente mencionadas, por serem mais sutis. Este assunto pode ser melhor entendido considerando-se os três principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras: sua origem (ou base), certeza (ou convicção) e escopo (ou abrangência).
A. Origem ou Base da Autoridade das Escrituras
A origem ou base da autoridade das Escrituras, como já foi mencionado, encontra-se na sua autoria divina. As Escrituras são autoritativas porque são de origem divina: o Espírito Santo é o seu autor primário. Para os Reformadores, as Escrituras são autoritativas porque são a Palavra de Deus inspirada. Por isso são infalíveis, inerrantes, claras, suficientes, etc.
A teologia liberal (racionalista) nega a própria base da autoridade da Escritura, negando a sua origem divina. Para ela, as Escrituras são mero produto do espírito humano, expressando verdades divinas conforme discernidas pelos seus autores, bem como erros e falhas características do homem. Sua autoridade, portanto, não é divina nem inerente, mas humana, devendo ser determinada pelo julgamento da razão crítica. Eis o que afirmam: "A verdade divina não é encontrada em um livro antigo, mas na obra contínua do Espírito na comunidade, conforme discernida pelo julgamento crítico racional."14 De acordo com a teologia liberal, "nós estamos em uma nova situação histórica, com uma nova consciência da nossa autonomia e responsabilidade para repensar as coisas por nós mesmos. Não podemos mais apelar à inquestionável autoridade de um livro inspirado."15
B. Certeza da Autoridade das Escrituras
A certeza ou convicção da autoridade das Escrituras16 provém do testemunho interno do Espírito Santo. A excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina e a sua extraordinária unidade são algumas das características das Escrituras que demonstram a sua autoridade divina. Contudo, admitimos que "a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações."17
O testemunho da Igreja com relação à excelência das Escrituras pode se constituir no meio pelo qual somos persuadidos da sua autoridade, mas não na base ou fundamento da nossa persuasão. A nossa persuasão da autoridade da Bíblia dá-se por meio do testemunho interno do Espírito Santo com relação à sua inspiração. Na concepção reformada, se alguém crê, de fato, na autoridade suprema das Escrituras como regra de fé e prática, o faz como resultado da ação do Espírito Santo. É ele, e só ele, quem pode persuadir alguém da autoridade da Bíblia.
Essa persuasão não significa de modo algum uma revelação adicional do Espírito. Significa, sim, que a ação do Espírito na alma de uma pessoa, iluminando seu coração e sua mente em trevas, regenerando-a, fazendo-a nova criatura, dissipa as trevas espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu coração, permitindo que reconheça a autoridade divina das Escrituras. O Apóstolo Paulo trata deste assunto escrevendo aos coríntios. Ele explica, na sua primeira carta, que, "o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente" (1 Co 2.14). O homem natural, em estado de pecado, perdeu a sua capacidade original de compreender as coisas espirituais. Ele não pode, portanto, reconhecer a autoridade das Escrituras; ele não tem capacidade para isso. Na sua segunda carta aos coríntios o Apóstolo é ainda mais explícito, ao observar que,
...se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus... Porque Deus que disse: de trevas resplandecerá luz —, ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (2 Co 4.3-4,6).
O que Paulo afirma aqui é que o homem natural, o incrédulo, está cego como resultado da obra do diabo, que o fez cair. Nesse estado, ele está como um deficiente visual, que não consegue perceber nem mesmo a luz do sol. Pode-se compreender melhor o testemunho interno do Espírito com esta ilustração. O testemunho do Espírito não é uma nova luz no coração, mas a sua ação através da qual ele abre os olhos de um pecador, permitindo-lhe reconhecer a verdade que lá estava, mas não podia ser vista por causa da sua cegueira espiritual.
Deve-se ter em mente, entretanto — e esse é o ponto enfatizado aqui —, que esse testemunho interno do Espírito Santo diz respeito à certeza do crente com relação à plena autoridade das Escrituras, e não à própria autoridade inerente das Escrituras. A convicção de um crente de que as Escrituras têm autoridade é subjetiva, mas a autoridade das Escrituras é objetiva. Esteja-se ou não convencido da sua autoridade, a Bíblia é e continua objetivamente autoritativa. A neo-ortodoxia existencialista confunde estas coisas e defende a subjetividade da própria autoridade da Bíblia. Para eles, a revelação bíblica só é verdade divina quando fala ao nosso coração. Como dizem, "as Escrituras não são, mas se tornam a Palavra de Deus" quando existencializadas.18
C. Escopo da Autoridade das Escrituras
Essas posições da teologia liberal e da neo-ortodoxia com relação à origem e à certeza da autoridade das Escrituras são seríssimas. Contudo, talvez mais séria ainda (por ser mais sutil) é a questão relacionada ao escopo da autoridade das Escrituras.
Uma nova concepção da autoridade das Escrituras tem surgido entre os eruditos evangélicos (inclusive reformados de renome, tais como G. C. Berkouwer19), conhecida como neo-evangélica. O neo-evangelicalismo limita o escopo (a área) da autoridade das Escrituras ao seu propósito salvífico. Segundo essa concepção, a autoridade das Escrituras limita-se à revelação de assuntos diretamente relacionados à salvação, a assuntos religiosos.20
A doutrina neo-evangélica faz diferença entre o conteúdo salvífico das Escrituras e o seu contexto salvífico, reivindicando autoridade e inerrância apenas para o primeiro. Mas tal posição não reflete nem se coaduna com a posição reformada e protestante histórica. Para esta, o escopo da autoridade das Escrituras é todo o seu cânon. É verdade que a Bíblia não se propõe a ser um compêndio científico ou um livro histórico. Mas, ainda assim, todas as afirmativas nelas contidas, sejam elas de caráter teológico, prático, histórico ou científico, são inerrantes e autoritativas.21
Os principais problemas relacionados com a posição neo-evangélica quanto à autoridade das Escrituras são os seguintes: Primeiro, como distinguir o conteúdo salvífico do seu contexto salvífico? É impossível. As Escrituras são a Palavra de Deus revelada na história. Segundo, como delimitar o que está ou não está diretamente relacionado ao propósito salvífico, se o propósito da obra da redenção não é meramente salvar o homem, mas restaurar o cosmo? Que porções das Escrituras ficariam de fora do escopo da salvação? Como Ridderbos admite, "a Bíblia não é apenas o livro da conversão, mas também o livro da história e o livro da Criação..."22 Que áreas da vida humana ficariam de fora da obra da redenção? A arte, a ciência, a história, a ética, a moral? Quem delimitaria as fronteiras entre o que está ou não incluído no propósito salvífico? Admitir, portanto, o conceito neo-evangélico de autoridade das Escrituras é cair na cilada liberal do cânon dentro do cânon, e colocar a razão humana como juiz supremo de fé e prática, pois neste caso competirá ao homem determinar o que é ou não propósito salvífico.
Conclusão
Em última instância, a questão da autoridade das Escrituras pode ser resumida na seguinte pergunta: quem tem a última palavra, Deus, falando através das Escrituras, ou o homem, por meio de suas tradições, sentimentos ou razão? A resposta dos Reformadores foi clara. Embora reconhecendo que o propósito especial das Escrituras não é histórico, moral ou científico, mas salvífico, eles não diminuíram a sua autoridade de forma alguma: nem por adições ou suplementos, nem por reduções ou limitações de qualquer natureza. A fé reformado-puritana reconhece a autoridade de todo o conteúdo das Escrituras, e sua plena suficiência e suprema autoridade em matéria de fé e práticas eclesiásticas.
Tão importante foi a redescoberta destas doutrinas pelos Reformadores, que pode-se afirmar que, da aplicação prática das mesmas, decorreu, em grande parte, a profunda reforma doutrinária, eclesiástica e litúrgica que deu origem às igrejas protestantes. Todas as doutrinas foram submetidas à autoridade das Escrituras. Todos os elementos de culto, cerimônias e práticas eclesiásticas foram submetidos ao escrutínio da Palavra de Deus. A própria vida (trabalho, lazer, educação, casamento, etc.) foi avaliada pelo ensino suficiente e autoritativo das Escrituras. Muito entulho doutrinário teve que ser rejeitado. Muitas tradições e práticas religiosas acumuladas no curso dos séculos foram reprovadas quando submetidas ao teste da suficiência e da autoridade suprema das Escrituras. E a profunda reforma religiosa do século XVI foi assim empreendida.
Mas muito tempo já se passou desde então. O evangelicalismo moderno recebeu, especialmente do século passado, um legado teológico, eclesiástico e litúrgico que precisa ser urgentemente submetido ao teste da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras. É tempo de reconsiderar as implicações desta doutrina. É tempo de reavaliar a nossa fé, nossas práticas eclesiásticas e nossas próprias vidas à luz desta doutrina. Afinal, admitimos que a Igreja reformada deve estar sempre se reformando — não pela conformação constante às últimas novidades, mas pelo retorno e conformação contínuos ao ensino das Escrituras.
Sabendo que a nossa natureza pecaminosa nos impulsiona em direção ao erro e ao pecado, conhecendo o engano e a corrupção do nosso próprio coração, reconhecendo os dias difíceis pelos quais passa o evangelicalismo moderno (particularmente no Brasil), e a ojeriza doutrinária, a exegese superficial e a ignorância histórica que em grande parte caracterizam o evangelicalismo moderno no nosso país, não temos o direito de assumir que nossa fé e práticas eclesiásticas sejam corretas, simplesmente por serem geralmente assim consideradas. É necessário submeter nossa fé e práticas eclesiásticas à autoridade suprema das Escrituras.
Assim fazendo, não é improvável que nós, à semelhança dos Reformadores, também tenhamos que rejeitar considerável entulho teológico, eclesiástico e litúrgico acumulados nos últimos séculos. Não é improvável que venhamos a nos surpreender, ao descobrir um evangelicalismo profundamente tradicionalista, subjetivo e racionalista. Mas não é improvável também que venhamos a presenciar uma nova e profunda reforma religiosa em nosso país. Que assim seja!
English Abstract
In this article on reformed theology Anglada deals with the reformed doctrine of the supreme authority of Scripture. Assuming a theological, ecclesiastical and liturgical crisis in modern evangelicalism, particularly in Brazil, he summarizes the biblical basis of the doctrine, and alerts against the old and new tendencies of usurping or limiting the authority of God’s Word. Among the usurping tendencies against the authority of Scripture, he includes the ecclesiastical traditions degenerated into traditionalism, emotions degenerated into emotionalism, and reason degenerated into rationalism. Among the limiting tendencies he mentions the liberal negation of the very foundation of Biblical authority, the neo-orthodox confusion concerning the certainty of the authority of Scripture, and the neo-evangelical limitation of the scope of its authority. He concludes the article by calling attention to the importance of the doctrine in the sixteenth-century Reformation and by suggesting that if the modern evangelical faith and ecclesiastical practices were subjected to the scrutiny of this doctrine, a considerable number of doctrines and ecclesiastical practices would have to be rejected, and a new reformation would take place.
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Notas
* Este artigo foi originalmente publicado na revista Fides Reformata 2:2 (1997).
** O autor é ministro presbiteriano, professor de Grego e Hermenêutica no Seminário Teológico Batista Equatorial e presidente da Associação Reformada Palavra da Verdade, na cidade de Belém. É mestre em Teologia pela Potchefstroom University for Christian Higher Education (África do Sul) e doutorando em Ministério no Westminster Theological Seminary, na Califórnia.
1 Ver, por exemplo, William Ames, A Fresh Suit against Human Ceremonies in God’s Worship (Rotterdam, 1633); David Calderwood, Against Festival Days, 1618 (Dallas: Naphtali Press, 1996); George Gillespie, Dispute against the English Popish Ceremonies Obtruded on the Church of Scotland (Edinburgh: Robert Ogle and Oliver & Boyd, 1844); e John Owen, "A Discourse concerning Liturgies and their Impositions," em The Works of John Owen, vol. 15 (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1965).
2 Cf. John MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho: Quando a Igreja se torna como o Mundo (São José dos Campos: Editora Fiel, 1997) e Paulo Romeiro, Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira (São Paulo: Mundo Cristão, 1995).
3 Ver capítulo sobre a "Consciência Puritana," em J. I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma Visão Puritana da Vida Cristã (São José dos Campos: Editora Fiel, 1991), 115-132.
4 Sobre o conceito reformado de inspiração e infalibilidade (inerrância) das Escrituras, ver L. Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática (Grand Rapids: The Evangelical Literature League, [1973]), 159-190; A. A. Hodge, Evangelical Theology: A Course of Popular Lectures (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1976), 61-83; Loraine Boettner, Studies in Theology (Phillipsburg and New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1978), 9-49; e J. C. Ryle, Foundations of Faith: Selections From J. C. Ryle’s Old Paths (South Plainfield, New Jersey: Bridge Publishing, 1987), 1-39.
5 Cf. também Salmo 119.39, 43, 62, 75, 86, 89, 106, 137, 138, 142, 144, 160, 164, 172; Mateus 24.34; João 17.17; Tiago 1.18; Hebreus 4.12 e 1 Pedro 1.23,25.
6 Lloyd-Jones afirma que essas expressões são usadas 3.808 vezes no Antigo Testamento; e que os que assim se expressavam estavam deixando claro que não expunham suas próprias idéias ou imaginações. D. Martin Lloyd-Jones, Authority (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1984), 50.
7 Ver também Atos 28.25 e Hebreus 4.3, 5.6 e 10.15-16.
8 O termo empregado é gegraptai. O tempo perfeito indica uma ação realizada no passado, cujos resultados permanecem no presente: foi escrito e permanece válido, falando com autoridade.
9 Outras evidências da autoridade divina das Escrituras são apresentadas por Lloyd-Jones, Authority, 30-50; e por John A. Witmer, "The Authority of the Bible," Bibliotheca Sacra 118:471 (July 1961): 264-27.
10 O Talmud inclui também a Gemara, comentários rabínicos sobre o Mishnah, escritos entre 200 e 500 AD (C. L. Feinberg, "Talmude e Midrash," em J. D. Douglas, ed., O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 3 (São Paulo: Edições Vida Nova, 1979), 1560-61.
11 Conferir também Mateus 15.3ss.
12 Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática, 207.
13 Um exemplo bem atual: há poucos dias atrás, cientistas anunciaram que pesquisas feitas com o DNA dos fósseis do assim chamado homem de Neanderthal — até então "inquestionavelmente" considerado um dos antepassados mais recentes do homem na cadeia evolutiva —, revelam que esses ossos nada têm a ver com a raça humana. Exemplos como estes repetem-se continuamente, e deveriam tornar-nos cautelosos em atribuir à ciência autoridade maior do que a da revelação bíblica.
14 C. Pinnock, citado por Keun-Doo Jung, "A Study of the Authority with Reference to The Westminster Confession of Faith." (Tese de Mestrado, Potchefstroom [South Africa] University for Christian Higher Education, 1981), 45.
15 G. D. Kaufman, ibid., 45.
16 Ensinada no parágrafo V do capítulo I da Confissão de Fé de Westminster.
17 Ibid.
18 Outros dados sobre a importância da doutrina reformada da autoridade das Escrituras em relação à teologia liberal e à neo-ortodoxia podem ser obtidos em Lloyd-Jones, Authority, 30-61; John A. Witmer, "Biblical Authority in Contemporary Theology," Bibliotheca Sacra 118:469 (January 1961), 59-67; e Kenneth S. Kantzer, "Neo-Orthodoxy and the Inspiration of Scripture," Bibliotheca Sacra 116:461 (January 1959), 15-29.
19 Ver G. C. Berkouwer, Studies in Dogmatics: Holy Scripture (Grand Rapids: Eerdmans, 1975) e Ronald Gleason, "In Memoriam: Dr. Gerrit Cornelius Berkouwer," Modern Reformation 5:3 (May/June 1996), 30-32.
20 Alguns eruditos têm considerado a doutrina reformada tradicional da autoridade das Escrituras conforme ensinada pelos teólogos de Princeton, tais como Charles Hodge (1797-1878), Alexander Hodge (1823-1886) e B. B. Warfield (1851-1921), como um desvio do ensino dos Reformadores e da Confissão de Fé de Westminster. Ver, por exemplo, Ernest Sandeen, The Roots of Fundamentalism: British and American Millenarianism, 1800-1930 (Chicago: University of Chicago Press, 1970). Alguns, como Jack Rogers e Donald McKim, The Authority and Interpretation of the Bible: A Historical Approach (San Francisco: Harper & Row, 1979), chegam a defender que a doutrina reformada das Escrituras encontra seus legítimos representantes em Abraham Kuyper (1837-1920) e Herman Bavinck (1854-1921), os quais teriam se antecipado aos esforços de Karl Barth e G. C. Berkouwer no sentido de restaurar a verdadeira tradição reformada. Outros, entretanto, têm demonstrado que estas teses não procedem, visto que os teólogos de Princeton estão em substancial harmonia com outros que os antecederam, e com Kuyper e Bavinck. Ver Randall H. Balmer, "The Princetonians and Scripture: A Reconsideration," Westminster Theological Journal 44:2 (1982): 352-365; e Richard B. Gaffin, Jr., "Old Amsterdam and Inerrancy?," Westminster Theological Journal 44:2 (1982), 250-289; 45:2 (1983): 219-272.
21 Uma demonstração da posição reformada e protestante histórica da inerrância das Escrituras em português pode ser encontrada em John H. Gerstner, "A Doutrina da Igreja sobre a Inspiração Bíblica," em James Montgomery Boice, ed., O Alicerce da Autoridade Bíblica, 2a ed. (São Paulo: Vida Nova, 1989), 25-68.
22 Herman Ridderbos, Studies in Scripture and its Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 24.
Por: Rev. Paulo Anglada
A Doutrina Reformada da Predestinação
A Doutrina Reformada da Predestinação
Por Loraine Boettner, D.D.a
Breve Introdução
A doutrina da Predestinação recebe comparativamente pouca atenção em nossos dias e é muito imperfeitamente compreendida, mesmo por aqueles que supostamente deveriam sustentá-la mais lealmente. É uma doutrina, contudo, que faz parte do credo da maioria das igrejas evangélicas, e que tem tido uma influência notável em ambos, Igreja e Estado. Os regimentos de várias ramificações das Igrejas Presbiteriana e Reformada na Europa e nos EUA são plenamente Calvinistas. As Igrejas Batista e Congregacional, embora não tenham credos formulados, foram no princípio Calvinistas, se pudermos julgar pelos escritos e ensinos dos teólogos que as representam. A grande igreja livre da Holanda e quase todas as igrejas da Escócia são Calvinistas. A Igreja Estabelecida da Inglaterra e sua filha, a Igreja Episcopal da América, têm um credo Calvinista nos “Trinta e nove Artigos”. Os Metodistas de Whitefield em Gales até hoje mantêm o nome de “Metodistas Calvinistas”.
Entre os que advogaram esta doutrina no passado e os que ainda o fazem no presente, podemos encontrar alguns dos maiores e mais sábios homens do mundo. Foi ensinado não somente por Calvino, mas por Lutero, Zuínglio, Melancton (embora ele mais tarde se retratasse numa posição mais Semi-Pelagiana), por Bullinger, Bucer e todos os grandes líderes da Reforma. Enquanto diferissem em alguns pontos, eles concordavam com esta doutrina da Predestinação e ensinaram-na enfaticamente. O trabalho principal de Lutero, “The Bondage of de Will” (O Cativeiro da Vontade), mostra que ele mergulhou na doutrina tão ardorosamente quanto Calvino o fizera. Ele inclusive discorreu sobre ela mais apaixonadamente e percorreu-a mais profunda e detalhadamente do que Calvino o fizera. E a Igreja Luterana hoje, a julgar pela “Fórmula de Concórdia” sustenta a doutrina da Predestinação numa forma modificada. Os Puritanos na Inglaterra e aqueles que no passado estabeleceram-se na América, tanto quanto os “Covenanters” na Escócia e os Huguenotes na França, foram Calvinistas; e aqui pouco crédito para os historiadores em geral, por tão grande silêncio haver sido mantido sobre tal fato. Esta fé também foi por algum tempo sustentada pela Igreja Católica Romana, e em nenhuma ocasião foi repudiada abertamente por ela. A doutrina da Predestinação, de Agostinho, colocou contra ele próprio todos aqueles elementos na Igreja que jogou-o contra cada homem que subestimava a soberania de Deus. Ele os sobrepassou, e a doutrina da Predestinação adentrou à crença da igreja Universal. A grande maioria dos credos históricos da Cristandade têm estabelecido as doutrinas da Eleição, da Predestinação e da Perseverança final, como prontamente será visto por qualquer um que proceda a um profundo e minucioso estudo do assunto. Por outro lado, o Arminianismo existiu por séculos somente como uma heresia nos arrebaldes da verdadeira religião, e de fato não foi eleito como campeão pela igreja Cristã organizada até o ano de 1784, a qual época foi incorporado ao sistema da doutrina da Igreja Metodista na Inglaterra. Os grandes teólogos da história, Agostinho, Wycliffe, Lutero, Calvino, Zuínglio, Zanchius, Owen, Whitefield, Toplady, e em tempos mais receintes Hodge, Dabney, Cunningham, Smith, Shedd, Warfield e Kuyper, abraçaram esta doutrina e a ensinaram com entusiasmo. Que eles tenham sido luzes e ornamentos do mais alto tipo de Cristianismo, será admitido por praticamente todos os Protestantes. Mais ainda, suas obras neste tão importante tema nunca tiveram réplica. Então, também, quanto paramos para considerar que entre as religiões não cristãs o Islamismo tem tantos milhões que crêem em alguma forma de Predestinação, que a doutrina do Fatalismo tem sido de uma forma ou de outra sustentada em várias nações não convertidas e que as filosofias mecanísticas e determinísticas têm exercido influência tão grande na Inglaterra, Alemanha e América, vemos que pelo menos vale a pena estudar tal tipo de doutrina.
Desde a época da Reforma até mais ou menos duzentos anos atrás, estas doutrinas eram bravamente trazidas à baila pela grande maioria dos ministros e mestres nas igrejas Protestantes, mas hoje em dia encontramos a grande maioria sustentando e ensinando outros sistemas. É muito raro nos depararmos com aqueles chamados “Calvinistas sem reserva”. Podemos muito apropriadamente aplicar às nossas próprias igrejas as palavras de Toplady com relação à Igreja da Inglaterra: “Idos são os tempos em que as doutrinas Calvinistas eram consideradas e defendidas como o Palladium de nossa Igreja Estabelecida; pelos seus bispos e clero, pelas universidades e por todo o povo leigo. Foi, durante os reinados de Eduardo VI, Rainha Elizabeth, Tiago I e a grande parte de Carlos I, tão difícil encontrar um clérigo que não pregasse as doutrinas da Igreja da Inglaterra, como é agora difícil encontrar alguém que o faça. Temos genericamente abandonado os princípios da Reforma, e “Ichabod” , ou 'a glória se foi', tem sito escrito na maioria de nossos púlpitos e das portas de nossas igrejas, desde então”. [1]
A tendência neste nossa era mais iluminada, é olharmos para o Calvinismo como um credo surrado e obsoleto. No começo do seu esplêndido artigo “A Fé Reformada no Mundo Moderno”, o Professor F. E. Hamilton diz, “Parece ser tacitamente assumido por um grande número de pessoas na Igreja Presbiteriana atual que o Calvinismo cresceu demasiado nos círculos religiosos. Na verdade, um membro comum de uma igreja, ou mesmo ministro do Evangelho, tendem a olhar para uma pessoa que declara acreditar na Predestinação, com um misto de divertida tolerância. Parece-lhes incrível que ainda exista tal curiosidade intelectual como um Calvinista real numa época de iluminismo como a presente. Quanto a examinar seriamente os argumentos do Calvinismo, tal idéia nunca entra em suas cabeças. Considera-se tão fora de questão como a Inquisição, ou como um mundo criado (“a partir da e pela vontade de uma força maior”), e olha-se para isso como se fosse uma daquelas fantásticas linhas de raciocínio que os homens tinham antes da idade da ciência moderna”. Por causa desta atitude atualmente tomada com relação ao Calvinismo, e por causa da falta geral de informação com relação a estas doutrinas, reputamos o tema deste livro como de suma importância.
Foi Calvino quem fermentou e trabalhou este sistema de pensamento teológico com tal ênfase e clareza lógica que desde então tem sido referido pelo seu próprio nome. É claro que ele não originou o sistema, mas simplesmente trabalhou com o que lhe pareceu ressaltar com brilho especial nas páginas das Sagradas Escrituras. Agostinho havia ensinado o básico, o essencial do sistema mil anos antes do nascimento de Calvino, e todo o corpo de líderes do movimento da Reforma ensinou o mesmo. Mas foi Calvino, com seu profundo conhecimento das Escrituras, seu destacado intelecto e gênio sistemático, quem alinhou e defendeu estas verdades mais clara e habilmente do que alguém jamais houvera feito.
Nós nos referimos a este sistema de doutrina como “Calvinismo”, e aceitamos o termo “Calvinista” como nosso emblema de honra; ainda que nomes sejam meras conveniências. “Nós podemos”, diz Warburton, “bem apropriadamente, e igualmente com toda razão, referirmo-nos à gravidade como 'Newtonismo', porque os princípios da gravidade foram primeiramente trabalhados e demonstrados pelo grande filósofo Newton. Muito antes que Newton nascesse, a humanidade já convivia com os fatos da gravidade. Tais fatos eram visíveis a qualquer um desde o primeiro dia da criação do mundo, tanto quanto gravidade foi uma das leis que Deus ordenou e decretou para a organização e o equilíbrio do universo. Mas os princípios da gravidade não eram totalmente conhecidos, e os efeitos do poder e da influência da gravidade não eram totalmente conhecidos até que fossem 'descobertos' por Sir Isaac Newton. Assim, também aconteceu com o que os homens denominam Calvinismo. Os princípios inerentes ao Calvinismo têm existido por eras e eras antes que Calvino nascesse. Tais princípios de fato têm estado visíveis como fatores patentes na história do mundo desde o tempo da criação do homem. Mas tanto quanto foi Calvino quem primeiro formulou estes princípios em um sistema mais ou menos completo, tal sistema, ou credo, como queira referir-se a tal, e consoantemente aqueles princípios que são arrolados nele, vieram a ter o seu nome”. [2] Nós podemos ainda adicionar que os nomes “Calvinista”, “Luterano”, “Puritano”, “Peregrino”, “Metodista”, “Batista” e ainda o nome "Cristão", foram originalmente apelidos. Mas a sua utilização veio a estabelecer a validade e o bom entendimento dos seus significados.
O atributo que proporcionou tal força ao ensino de Calvino foi seu apego à Bíblia e à sua inspiração e autoridade. Calvino foi mencionado como o mais proeminente teólogo bíblico de sua época. Até onde a Bíblia o guiou ele foi; parando peremptoriamente onde quer que as respostas ou indicações na Bíblia cessassem. Esta sua recusa em seguir mais adiante do que estivesse escrito, juntamente com sua pronta aceitação do que a Bíblia ensinava, deu às suas declarações um ar de finalidade e positividade que tornaram-no ofensivo aos seus críticos. Devido ao seu discernimento afiado e ao seu poder de raciocínio lógico ele quase sempre era rotulado como um mero teólogo especulativo. Que ele tinha um gênio especulativo de primeira grandeza, é claro, não pode ser negado; e na relevância pertinência de sua análise lógica ele teve uma arma que o fez terrível para seus inimigos. Mas não era desses dons que ele dependia primariamente enquanto formulando e desenvolvendo o seu sistema teológico.
O intelecto poderoso e ativo de Calvino levava-o a explorar o íntimo de cada objeto que tocasse. Foi longe em suas investigações sobre Deus e o plano da redenção, penetrando em mistérios com os quais a maioria dos homens raramente sonha, quando muito. Ele trouxe à luz um lado das Escrituras que até então havia sempre estado em sombras e enfatizou aquelas verdades profundas que comparativamente haviam escapado à atenção da igreja nos tempos que precederam a Reforma. Ele trouxe à luz doutrinas do apóstolo Paulo que estavam no esquecimento, as colocou inteira e completamente no entendimento de uma grande parte da Igreja Cristã.
Talvez esta doutrina da Predestinação tenha provocado uma grande tempestade de oposição, e sem dúvida tem sido mais erroneamente interpretada e caricaturada, que qualquer outra doutrina das Escrituras Sagradas. “Para dizer antes de outra coisa”, diz Warburton, “é como balançar a proverbial bandeira vermelha na frente de um touro irado. Tal ato desperta as paixões mais ferozes de sua natureza, e traz à tona uma torrente de abuso e calúnia. Mas, porque os homens têm lutado contra tal, ou porque eles odeiam, ou talvez não compreendam, não há uma causa lógica ou razoável por que deveríamos abandonar a doutrina ao léu, ou livrarmo-nos dela. A questão real, o ponto crucial não é 'Como os homens a recebem?' mas, 'Será que é verdadeira?'” [3]
Um motivo pelo qual muita gente, até pessoas supostamente educadas, são tão rápidas em rejeitar a doutrina da Predestinação é a pura ignorância do que realmente a doutrina é e o que a Bíblia ensina com relação a ela. Esta ignorância não é de fato surpreendente quando considerando a quase mais completa falta de treinamento Bíblico nos nossos dias. Um estudo meticuloso da Bíblia convenceria muitas pessoas de que ela é um livro muito diferente do que assumem que seja. A tremenda influência que esta doutrina tem exercido na história da Europa e da América deveria pelo menos qualificá-la a uma atenção mais respeitosa. Além do mais, consideramos que de acordo com todas as leis da lógica e da razão, nenhum indivíduo tem o direito de negar a verdade de uma doutrina sem primeiro haver estudado de forma imparcial a evidência de ambos lados. Esta é uma doutrina que lida com algumas das mais profundas verdades reveladas nas Escrituras e é certo que abundantemente beneficiará os Cristãos que minuciosamente a estudarem. Se alguém estiver disposto a rejeitá-la sem antes estudá-la cuidadosamente seus preceitos, então não devemos nos esquecer que ela foi o cerne da firme convicção de multidões dos mais sábios e melhores homens que já viveram, e que deve haver, portanto, fortes motivos favoráveis à sua verdade.
Talvez algumas palavras de cuidado devessem ser dadas aqui, no sentido de que enquanto a doutrina da Predestinação é uma verdade grande e abençoada das Escrituras e uma doutrina fundamental de várias igrejas, ela não deve ser encarada como sendo o cerne e a substância da Fé Reformada. Como o Dr Kuyper disse, “É um erro descobrir o caráter específico do Calvinismo na doutrina da Predestinação, ou na autoridade da Bíblia. Para o Calvinismo tudo isso é conseqüência lógica, não o ponto de partida — as folhagens testemunham a beleza e a riqueza do seu crescimento, mas não a raiz de onde brotou”. Se a doutrina for separada da sua associação natural com outras verdades e exibida sozinha, o efeito é exagerado. O sistema então estará distorcido e mal interpretado. Um testemunho de qualquer princípio, para ser verdadeiro, deve apresentar (aquele princípio) em harmonia com todos os demais elementos dos sistema do qual ele faz parte. A Confissão de Fé de Westminster é um testemunho equilibrado deste sistema como um todo, e dá a devida proeminência àquelas doutrinas, tais como a da Trindade, a da Divindade de Cristo, a da personalidade do Espírito Santo, a da Inspiração das Escrituras, a dos Milagres, a da Reconciliação, a da Ressurreição, a da volta de Cristo, e assim por diante. Ademais, nós não negamos que os Arminianos sustentam muitas verdades importantes. Mas nós sustentamos que uma exposição completa e detalhada do sistema Cristão pode ser dada somente com base na verdade apresentada pelo sistema Calvinista.
Na mente da maioria das pessoas a teoria da Predestinação e o Calvinismo são praticamente sinônimos. Contudo, não deveria ser este o caso, e a identificação muito próxima dos dois tem, sem dúvidas, contribuído muito para o preconceito de muitas pessoas contra o sistema Calvinista. O mesmo é verdadeiro também com relação a uma mui próxima identificação do Calvinismo e “Os Cinco Pontos”, como será mostrado adiante. Enquanto a Predestinação e Os Cinco Pontos são elementos essenciais do Calvinismo, eles de forma alguma constituem a sua íntegra.
A doutrina da Predestinação tem sido o tema de discussões infindáveis, muitas das quais, é preciso admitir, ocorreram com o intuito de suavizar suas formas ou mesmo de explicá-la. “A consideração desta grande doutrina”, diz Cunningham, “atinge os mais profundos e inacessíveis assuntos que podem ocupar as mentes dos homens, — a natureza e os atributos, os propósitos e os atos do infinito e incompreensível Jeová, — vista especialmente nos Seus comportamentos quanto aos destinos eternos das Suas criaturas inteligentes. A natureza peculiar do assunto certamente requer, com justa razão, que deva ser sempre abordada com a mais profunda humildade, cautela e reverência, já que ela nos põe em contato, por um lado, com um assunto tão terrível e avassalador quanto a eterna miséria de uma multidão inumerável de nossos semelhantes. Muitos homens têm discutido o assunto nesse espírito, mas muitos também têm se satisfeito com especulação muito presunçosa e irreverente sobre o tema. Não há provavelmente nenhum outro assunto que tenha ocupado mais a atenção de homens inteligentes em qualquer época que a doutrina da Predestinação. Ela tem sido exaustivamente discutida em todos os seus aspectos, filosófico, teológico e prático; e se houver algum motivo de especulação com relação ao qual nós somos assegurados em dizer que ela tem sido esmiuçada, é este.
“Pelo menos alguns dos tópicos arrolados sob o título geral foram discutidos por quase todos filósofos de eminência tanto na antigüidade como nos tempos modernos. * * * Todos os argumentos que a maior capacidade, genialidade e acuracidade podem elencar foram trazidos à baila na discussão deste tema, e as dificuldades relacionadas ao mesmo nunca foram completamente eliminadas, e nós estamos bem seguros em afirmar que elas nunca o serão, a menos que Deus nos revele mais amplamente ou nos dê capacidades maiores, — embora, talvez, fosse mais correto dizer que, desde a própria natureza do caso, um ser finito nunca possa compreendê-la totalmente, desde que tal implicaria que aquele próprio ser finito seria capaz de compreender totalmente a mente infinita”. [4]
No desenvolvimento deste livro utilizou-se muito de outras obras, de forma que pudesse conter a nata e a mais pura essência dos melhores escritores do tema. Conseqüentemente muitos dos argumentos aqui encontrados são de homens muito superiores a este escritor. De fato, quando observando o conjunto, sou inclinado a dizer com um celebrado escritor Francês, “Colhi um buquê de variadas flores dos jardins dos homens, e nada é realmente meu, senão o fitilho que as mantém unidas”. Ainda assim muito é seu próprio, especialmente no que refere-se à organização e arranjo dos materiais.
No decorrer deste livro, os termos “predestinação” e “pré-ordenação” são usados como sinônimos exatos, a escolha tendo sido determinada somente pelo gosto. Se desejar-se distinção, o termo “pré-ordenação” pode talvez ser melhor utilizado quando o sujeito em referência for um evento na história ou na natureza, enquanto que o termo “predestinação” pode referir-se principalmente ao destino final das pessoas. As citações das Escrituras foram extraídas da “Versão Americana” da Bíblia, ao invés da “Versão King James”, já que a primeira é mais acurada.
O autor deseja agradecer particularmente ao Dr. Samuel G. Craig, Editor da CHRISTIANITY TODAY, ao Dr. Frank H. Stevenson, Presidente do Conselho Curador do Seminário Teológico Westminster, ao Dr Cornelius Van Til, Professor de Apologética no Seminário Teológico Westminster, ao Dr. C. W. Hodge, Professor de Teologia Sistemática no Seminário Teológico de Princeton, sob a supervisão de quem este trabalho num formato muito mais curto foi originalmente preparado, e ao Rev. Henry Atherton, Secretário Geral da União Soberana Graça, em Londres, Inglaterra, pela valiosa assistência.
Este livro, repetimos, é designado a apresentar e a defender a Fé Reformada, comumente conhecida como Calvinismo. Ele não é direcionado contra nenhuma denominação em particular, mas contra o Arminianismo em geral. O autor é Presbiteriano [5], mas ele está bem ciente do afastamento radical que tropas de Presbiterianos têm feito do seu próprio credo. O livro é posto adiante com a esperança de que aqueles que professam sustentar a Fé Reformada possam ter um melhor entendimento das grandes verdades que são aqui tratadas e possam mais altamente valorizar sua herança; e que aqueles que não têm conhecimento deste sistema, ou que se opõem ao mesmo, possam ser convencidos da sua verdade e venham a amá-lo.
A questão que então se nos apresenta é esta: — Deus, desde toda a eternidade, pré-ordenou todas as coisas que vieram e que virão a acontecer? Se sim, que evidência disto nós temos, e como pode o fato ser consistente com o livre arbítrio das criaturas racionais e com as Suas próprias perfeições?
NOTAS:
[1] - Prefácio ao Predestinação de Zanchius, p. 16.
[2] - Warburton, Calvinism, p. 2.
[3] - Warburton, Calvinism, p. 23.
[4] - Cunningham. Historical Theology II, pp. 418, 419.
[5] - O autor, um leigo, é membro da Igreja Presbiteriana Ortodoxa. Esta é uma das menores denominações, mas uma que procura fielmente manter a herança Reformada.
[2] - Warburton, Calvinism, p. 2.
[3] - Warburton, Calvinism, p. 23.
[4] - Cunningham. Historical Theology II, pp. 418, 419.
[5] - O autor, um leigo, é membro da Igreja Presbiteriana Ortodoxa. Esta é uma das menores denominações, mas uma que procura fielmente manter a herança Reformada.
Tradução livre: Eli Daniel
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto
Este artigo é apenas parte do livro
Mais informações no site www.monergismo.com
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
ESTE É O MEU SERMÃO DE PROVA REALIZADO NA CONCLUSÃO DO CEIBEL (CURSO EXTENSIVO DO INSTITUTO BÍBLICO EDUARDO LANE) DE PATROCÍNIO - MG E CPO (CURSO DE PREPARAÇÃO DE OBREIROS) DE GARANHUNS - PE
1ª PARTE – ESBOÇO
TEMA: JOÃO, UM EVANGELISTA OBJETIVO.
TEXTO: JOÃO 20.30-31
INTRODUÇÃO:
1- História de um jovem pobre que fez teste para trabalhar em um escritório de uma grande empresa e conseguiu a vaga ao responder a famosa pergunta “Qual o seu objetivo dentro dessa empresa com a resposta, “Meu objetivo aqui é um dia assumir o seu lugar”.
2- Breve comentário sobre o objetivo do evangelho de João, o apóstolo baseado em livro de Donald W. Kaller.
1- NÃO SE PRENDIA A DETALHES (v. 30)
“Fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro”
2- APRESENTAVA A PESSOA DE JESUS (v. 31A)
“Estes, porém foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus.”
3- VISAVA A SALVAÇÃO DO PECADOR (v. 31B)
“E para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”
2ª PARTE – SERMÃO ESCRITO
INTRODUÇÃO:
Uma grande Empresa abriu vaga para auxiliar de escritório, muitos se inscreveram para obter esse emprego. Começaram as entrevistas, alguns não souberam como se expressar, mesmo sendo competentes. Outros demonstraram querer apenas o salário, a pergunta era a mesma para todos: Qual o seu objetivo dentro desta empresa?
O último candidato foi um rapaz pobre que trabalhava com reciclagem de lixo, quando o chefe fez a famosa pergunta, o jovem respondeu sem descuido – O meu objetivo aqui é um dia assumir o seu lugar. O chefe descartou os outros e disse – A vaga é sua meu rapaz, gostei da sua postura, precisamos de pessoas assim com o objetivo bem definido e olhar para frente. Aquele mancebo tinha um objetivo bem definido e nós temos objetivos na vida cristã?
O comentário bíblico de Donald W. Kaller apresenta o objetivo (propósito) do evangelho de João Jo 20.30-31, ele tinha um objetivo bem definido ao escrevê-lo. A época em que foi escrito varia entre 70-90 A.D. dependendo da fonte histórica , o autor seria João, o apóstolo por fontes diretas do próprio livro como por exemplo era um dos três mais próximos de Jesus com Pedro e Tiago, Pedro conversa com o discípulo a quem Jesus amava que seria o autor (Jo 21.7), Tiago foi morto 15 anos depois da ressurreição, o livro foi escrito bem depois disso e resta apenas João como autor. Ainda existem as testemunhas contemporâneas de João, Policarpo e Papias que atribuem a ele este evangelho. Um evangelista precisa ter um alvo a ser alcançado, consegue isso na dependência de Deus e usando os meios necessários e possíveis.
Que nós possamos imitar o exemplo de João, sendo objetivos na transmissão do evangelho. Existem neste texto 3 características do apostolo João como evangelista objetivo
1- NÃO SE PRENDIA A DETALHES (v.30)
“Fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro.”
Alguns querem explicar coisas não reveladas (Dt 29.29) “As coisas não reveladas pertencem a Deus e as reveladas a nós e a nossos filhos”, muitos estão perdendo uma grande oportunidade de levar o evangelho a outros quando se preocupam com detalhes que não lhe pertencem e não influem nem contribuem para a salvação do homem, como por exemplo: usar calça ou saia, jeans ou social, blusa de manga ou sem manga. Alguns se preocupam com o sexo dos anjos, com quem foi a esposa de Caim? Com os detalhes da cura se tornando alegorias, tudo isso porque o homem quer detalhar o que Deus não detalhou. Há um grupo musical denominado 4 por 1 que tentam detalhar o milagre da multiplicação dos pães (Jo 6.1-15) dizendo que o menino em casa sentiu o chamado de Deus para realizar um milagre. Mas o texto sagrado não diz isso, um evangelista objetivo não complica e sim simplifica a mensagem para o ouvinte.
O apóstolo Paulo (I Co 2.4) não pregou com mensagem persuasiva de sabedoria, muitos para aparecer começam a falar em muitos detalhes, esquecendo o cerne do assunto. Um pregador moderno disse que Deus revelou a ele o que Paulo não falou a sua geração (II Co 12.14). Começa a falar ensinos estranhos sem base na Bíblia e diz que são as palavras inefáveis que Paulo omitiu aos seus. Uma boa mensagem não é aquela recheada de detalhes, é a que o ouvinte compreende a teoria e aprende pôr em prática. Um bom evangelista não pormenoriza o texto tira o assunto principal e transmite ao ouvinte. Já vimos sacerdotes romanos usarem este texto para dizer que Maria foi assunta ao céu, pois nem tudo ocorrido foi escrito. O texto fala sobre os sinais que Jesus fez (v.30) “Fez Jesus muitos outros sinais que não estão escritos neste livro, não fala nada sobre Maria. João era um evangelista objetivo, em todo o seu evangelho apresenta de forma resumida o plano de salvação para tos os homens. Os pregadores de hoje na maioria em nada se parecem com João, as mensagens possuem muito conteúdo, porém pouco objetivo. Não se sabe se estão pregando para crentes ou não crentes.
Os evangelistas chamam a atenção para o seu conhecimento teológico e o ouvinte entra com um problema e sai com dois. Explico: O problema quando entra é não conhecer a palavra, quando sai já ouviu e além de não entender não quer ir mais a igreja, por ser simples e não compreender o palavreado do pregador. Isso é causado pelos detalhes exagerados dados a mensagem pelo pregador.
O evangelista João, o apóstolo, bem como Jesus e os outros apóstolos pregavam uma mensagem simples baseada nas Escrituras Veterotestamentárias, contextualizando com as situações do dia-a-dia sem detalhes vários.
A Bíblia fala o que o homem precisa saber para a salvação, acho bobagem alguém querer usar os textos sagrados para entrar na política, defender usos e costumes, provar a ciência, a palavra de Deus não precisa provar nada. Ela já é a verdade.
Lembre-se um bom evangelista não se prende a detalhes
Não são os detalhes que determinam o sucesso da mensagem, mas o objetivo do evangelista na dependência de Deus.
2- APRESENTAVA A PESSOA DE JESUS (v. 31A)
“Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus.”
Um evangelista objetivo apresenta Jesus às pessoas, o conteúdo do evangelho é Jesus Cristo, não podemos tirar Cristo do centro da mensagem. O Grupo Logus tem uma música denominada “O evangelho” que apresenta crítica ao evangelho falsificado pregado por muitas igrejas onde o homem é o centro, determina a Deus o que fazer e até coroa o Rei Jesus, mas o verdadeiro evangelista apresenta Jesus como o centro de tudo, sem Ele nada podemos fazer (Jo 15.5), por meio dEle oferecemos sacrifícios de louvor a Deus (Hb 13.15), sem o Filho de Deus não há salvação (At 4.12). Um evangelista objetivo apresenta Jesus e não uma igreja ou movimento. Certo “pregador” disse que o crente que não é pentecostal não é digno de pregar o evangelho, mas não é isso que a Bíblia diz (Rm 10.17) “A fé vem pela pregação, e a pregação pela Palavra de Cristo”, não é igreja, nem movimento emocionalista e farisaico que traz salvação ao homem. É Jesus!!! Aleluia!!! Glórias a Deus!!!
Na realidade nós vemos que Jesus está fora de muitas pregações, onde os testemunhos ilusórios e por vezes enganosos tomam a maior parte da mensagem. No Brasil a maioria das igrejas se empenham em realizar grandes eventos, no entanto os personagens principais são cantores, pregadores e Jesus só é lembrado de relance. Hoje em várias igrejas não se faz mais culto de louvor a Deus, agora é o Show da Fé, onde o mais importante é receber bênçãos e não a pessoa de Jesus como Senhor e Salvador. O evangelista objetivo apresenta a pessoa de Jesus com convicção do que está dizendo. Eu tenho convicção da minha salvação, logo eu falo a outras pessoas apresentando com alegria a pessoa que me deu essa certeza, Jesus.
Donald W. Kaller diz que os termos “Cristo” e “Filho de Deus” (v.31) significam que Jesus deve ser pregado a todos os homens: judeus e gentios. Muitos escolhem as pessoas para as quais devem pregar. Várias igrejas e pessoas só pregam para pessoas importantes, comerciantes, empresários, mas o evangelho deve ser pregado a todos os homens desde o pobre até o rico. O evangelista objetivo apresenta Jesus a todos os homens
Nós temos realmente pregado a pessoa de Jesus? Temos sido evangelistas objetivos?
Quando a mensagem passa a ser massagem para o ego das pessoas, a pessoa de Jesus deixa de ser o centro, a igreja não cresce, mas incha e como na Idade Média ao invés de ovelhas, entram lobos disfarçados e o pecado deixa de ser tão sério o quanto parece. Cuidado!!! Com Deus não se brinca e os mensageiros dessa Palavra darão contas a Deus da mensagem que pregaram ou não.
Não negligencie essa mensagem, pois Deus está olhando para você. Pregar a pessoa de Jesus além de responsabilidade é um grande privilégio que Deus deu aos homens.
O evangelista objetivo apresenta a pessoa de Jesus como uma grande responsabilidade, mas privilégio ainda maior.
3- VISAVA A SALVAÇÃO DO PECADOR (V.31B)
“E para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”
O evangelista objetivo visa a salvação da pessoa que lhe escuta, todavia, muitos pregadores tentam na sua prédica condenar , determinando que o indivíduo está no inferno de cabeça para baixo. Eu já fui assim, mas Deus tem colocado no meu coração amor pelas almas perdidas. O próprio Jesus diz que veio buscar e salvar o perdido (Lc 19.10). O evangelista objetivo busca pregar para que o ouvinte entenda e seja salvo.
Alguns pregadores usam uma oportunidade de evangelizar para expor a vida dos crentes, apresentando seus defeitos em praça pública, assim afastando pessoas de Jesus. O evangelista objetivo não prega sermão de carapuça para envergonhar as pessoas, e sim para levar vida às pessoas ali presentes. O próprio Senhor Jesus não veio condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele (Jo 3.17). A pregação do evangelista objetivo transmite a mensagem deixando o convite de vida eterna ao pecador.
O evangelista é emissor do evangelho, notícia alegre, a mesma trazida pelos anjos aos pastores que na cidade de Davi havia nascido o Salvador, que é Cristo, o Senhor (Lc 2.11). O evangelista objetivo visa a salvação do pecador.!!!
Numa feita Jesus caminhando entre os samaritanos que não os receberam e os apóstolos Tiago e João, autor desse evangelho de onde tiramos o texto desta pregação disseram – Queres que mandemos descer fogo do céu para consumi-los? E Jesus os repreendeu dizendo – Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salva-las (Lc 9.51-56).
Alguns pregam um Deus raivoso que não vê a hora de pegar o homem e dizer – Há! Há! Peguei mais um para a minha coleção de queimados no inferno. Não! Deus não é assim!!! Ele é amantíssimo, não quer condenar as pessoas mais salvá-las (1 Tm 2.4) “O desejo do Senhor é que todos sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade”. Engraçado! Deus quer salvar e os evangelistas muitas vezes querem condenar.
Lembre-se o evangelista objetivo visa a salvação das pessoas que ouvem sua mensagem.
CONCLUSÃO:
Nós vimos que João foi um evangelista objetivo, pois não se prendia a detalhes, apresentava a pessoa de Jesus e visava a salvação do homem. A pergunta que quero deixar é a seguinte: Temos sido objetivos na transmissão do evangelho como João foi?
Se a resposta é negativa, então arrependamo-nos e façamos o papel para o qual Deus nos chamou: Transmitir o evangelho de modo objetivo.
APLICAÇÃO:
Convido todos neste instante para uma oração. Se temos negligenciado a pregação do evangelho por falta de objetividade agora é a hora de pedirmos perdão e recomeçar, ou quem sabe começar tudo de novo. Oremos
Oração: Pb Veronilton Paz da Silva
"Senhor Deus e Pai queremos te pedir que renove o nosso vigor de pregar a tua palavra de maneira objetiva; porque muitos de nós nos perdemos nos detalhes, esquecendo o principal que é a pessoa de Jesus e salvação de vidas. Pai perdoa-nos e nos torna evangelistas objetivos e verdadeiros ganhadores de almas para o teu reino, nos ensina a fazer discípulos de Jesus, que guardem tudo o que Ele ensinou; neste momento reconhecemos que mesmo usando todos os meios necessários e possíveis, só obteremos sucesso pelo teu agir soberano. Então Senhor! Usa-nos como evangelistas objetivos. Tudo isso te pedimos confiados nos méritos de Cristo Jesus, nosso Senhor.” Amém!!!
AUXÍLIOS SUBSDIÁRIOS:
Bíblia de Estudo Genebra (Almeida RA)
Livros: O Evangelho de João (Donald W. Kaller); Renovação Pentecostal (Donald W. Kaller); O homem e a Salvação (J. Martins); Revista Os Puritanos (Rev. Filipe Sabino); Homilética I, II (Donald W. Kaller); Pregação ao Alcance de Todos (Hans Hulric).
Autor: Pb. Missº Veronilton Paz da Silva.
Pregada em Abril de 2008.
Local: Templo da Igreja Presbiteriana do Brasil em Monteiro
Este é o modelo de sermão CEIBEL, gostaria que os amigos leitores dessem uma nota ao meu sermão. Um abraço!
Se você deseja fazer o curso CEIBEL entre no site http://www.ibel.org.br/
SAMU já instala serviço de comunicação e deverá funcionar até o final do mês em Monteiro
O SAMU Regional, com base em Monteiro, já recebeu a instalação dos equipamentos de comunicação móvel e fixa nas viaturas e antenas. Esta é mais uma etapa que está sendo concluída para que o serviço 192 beneficiando vários municípios possa entrar em operação.
Segundo a Secretária de Saúde de Monteiro, Adalgisa Gadelha, todos os esforços estão sendo feitos para que o SAMU comece a funcionar até o final deste mês de fevereiro. As obras de construção da sede deverão ser concluídos nos próximos dias e as viaturas já estão devidamente equipadas.
O SAMU Regional é uma conquista para a região do Cariri Paraibano e para isto foi decisivo o trabalho da prefeita Edna Henrique e dos deputados João Henrique e Wellington Roberto junto ao Ministério da Saúde. A médio prazo o serviço 192 funcionará atrelado ao atendimento da UPA 24 horas, que já está sendo construído em Monteiro e cuja conclusão está prevista para o final deste ano.
A secretária Adalgisa Gadelha assegura que com o SAMU 192 e com a UPA 24 horas a região polarizada por Monteiro terá atendimento de urgência e emergência ao nível das grandes cidades, com grandes benefícios para a população.
Fonte: http://www.caririligado.com.br/
O SAMU Regional, com base em Monteiro, já recebeu a instalação dos equipamentos de comunicação móvel e fixa nas viaturas e antenas. Esta é mais uma etapa que está sendo concluída para que o serviço 192 beneficiando vários municípios possa entrar em operação.
Segundo a Secretária de Saúde de Monteiro, Adalgisa Gadelha, todos os esforços estão sendo feitos para que o SAMU comece a funcionar até o final deste mês de fevereiro. As obras de construção da sede deverão ser concluídos nos próximos dias e as viaturas já estão devidamente equipadas.
O SAMU Regional é uma conquista para a região do Cariri Paraibano e para isto foi decisivo o trabalho da prefeita Edna Henrique e dos deputados João Henrique e Wellington Roberto junto ao Ministério da Saúde. A médio prazo o serviço 192 funcionará atrelado ao atendimento da UPA 24 horas, que já está sendo construído em Monteiro e cuja conclusão está prevista para o final deste ano.
A secretária Adalgisa Gadelha assegura que com o SAMU 192 e com a UPA 24 horas a região polarizada por Monteiro terá atendimento de urgência e emergência ao nível das grandes cidades, com grandes benefícios para a população.
Fonte: http://www.caririligado.com.br/
Deus o Centro de nossas vidas: A importância do Primeiro Mandamento para a vida cristã
João Ricardo
Êxodo. 20.3 – “Não terás outros deuses diante de mim.”
Introdução
Estamos vivendo dias em que a lei de Deus tem sido de fato rejeitada. As dez palavras do Sinai tem sido desprezadas pela Igreja da atualidade; a forte ênfase dispensacionalista. Se tem tornado um problema constante para aqueles que desejam de fato encarar a atualidade da lei de Deus. Vimos em nosso último encontro que o prefácio nos fala verdades negligenciadas na vida da Igreja da atualidade.
Hoje nós vamos começar a trabalhar o primeiro mandamento da Lei de Deus. Que trata especificamente de quem é Deus. Aqui neste mandamento Deus deve ser visto como o centro de nossas vidas é nisto que nos concentraremos nesta noite. Aqui nós sumarizaremos os nossos deveres diante deste mandamento e os pecados contra ele.
I – Os Deveres no 1º Mandamento
Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 104.
Os mandamentos começam com uma tônica negativa o termo hebraico é: “Lo” “não” o uso deste advérbio de negação nos ensina que não se trata de uma mera negação, mas é uma negação enfática: “Nunca!” Esta é a força do hebraico; em outras palavras, não trata-se de algo opcional, mas reveste-se de capital importância para cada um de nós aqui nesta noite.
O que é proibido aqui? “yheyeh leka elohim aherim” - o trazer cativos para nós deuses outros. Mas surge-nos uma pergunta: O substantivo elohim não é usado para descrever o Deus criador, então, como aqui o mesmo substantivo é usado para descrever outros “deuses” que não o Criador? A resposta a esta questão está na gramática; pois, quando o termo é usado para “referir-se ao Deus de Israel, este termo usualmente concorda no singular...; quando usado para referir-se a vários deuses, ele concorda no plural”. (WALTKE & O’CONNOR, 2006, p.122) como é o nosso caso aqui.
Quais são os deveres que são exigidos de nós aqui neste mandamento?
1. Conhecer e Reconhecer a Deus
Quando lemos este mandamento nos cercamos da verdade de que Ele dever ser conhecido; ele se revela a nós pecadores, isto já se percebeu no prefácio; quando ele diz que não dever ter outros deuses – no texto hebraico seria “não terás tu” ele individualiza o povo da aliança; outras nações podem até possuir outros deuses, mas o povo redimido não.
A realidade ensinada aqui no mandamento é que apenas Deus deve ser conhecido como de fato Deus; mas não apenas isso, também se requer de cada um de nós é que ele seja reconhecido como nosso Deus. Como isso pode tornar-se uma realidade? Como Deus pode ser Conhecido e Reconhecido como tal. A Bíblia ensina de uma forma surpreendente “Tu, meu filho Salomão, conhece o Deus de teu pai e serve-o de coração íntegro e alma voluntária; porque o SENHOR esquadrinha todos os corações e penetra todos os desígnios do pensamento. Se o buscares, ele deixará achar-se por ti; se o deixares, ele te rejeitará para sempre.” (1 Crônicas 28.9).
1.1 Ele deve ser visto como Deus Único: A súmula disso é que o monoteísmo deve ser afirmado neste mundo o povo da aliança deve apenas crer na existência de um único Deus. Esta é a real concepção que este mandamento nos autoriza. Deus deve ser nosso Deus “Hoje declaraste ao SENHOR que ele te será por Deus, e que andarás nos seus caminhos, e guardarás os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e darás ouvidos à sua voz.” (Dt.26.17 – ACF).
1.2 Ele deve ser contemplado como Deus verdadeiro: Ele é o verdadeiro Deus, quando o mandamento diz que devemos não Ter outros deuses, isto implica dizer que todos são falsos, pois, existe apenas um que é verdadeiramente Deus. A falsidade dar-se também no campo religioso, muitas vezes estamos servindo a um Deus que não é verdadeiro. Este é um aspecto que precisa ser levado em consideração.
2. O Mandamento nos exige o culto e Glorificação a Deus
O primeiro mandamento nos obriga ao culto a Deus observe o que diz o salmo 95:6-7: Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou. Ele é o nosso Deus, e nós, povo do seu pasto e ovelhas de sua mão. Hoje, se ouvirdes a sua voz”. A centralidade de Deus é vista quando diz “não terás outros deuses “diante de minha face” no hebraico é Al-Paney. Algumas verdades se desprendem aqui:
1. Que estamos sempre diante da face de Deus. Não importa se estamos em outro país, cidade ou mesmo região, estamos sempre diante da face de Deus[1]. A nossa vida é para Deus. É para glorificá-lo, este mandamento nos levar a pensar nisso que forma profunda. Por mais que estejamos em outro lugar, estamos diante do soberano do universo.
2. Que Deus é onipresente. Esta é outra verdade que aprendemos com a expressão “Al-Paney” - isto significa que ele sempre está nos vendo em nossas transgressões no que respeita a este mandamento. Disto podemos concluir que este mandamento exige de nós:
A. O Pensar em Deus: Quando o mandamento nos diz que não devemos ter outras divindades diante da face de Deus, está nos obrigando a ocupar a nossa mente, nutrir a nossa mente somente com Deus; Deus deve ser o centro de nossos pensamentos, de nossas palavras e atitudes. “Malaquias 3:16: Então, os que temiam ao SENHOR falavam uns aos outros; o SENHOR atentava e ouvia; havia um memorial escrito diante dele para os que temem ao SENHOR e para os que se lembram do seu nome.”
B. Meditar em Deus: “Salmo 63:6: no meu leito, quando de ti me recordo e em ti medito, durante a vigília da noite.” A meditação em Deus é reconhecê-lo como o único centro de nossas vidas, o nosso Sumo Bem.
II – Os Pecados que são proibidos neste Mandamento
Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 105
Este mandamento não apenas nos ordena o que devemos fazer, mas também nos indica o que não devemos fazer. O mandamento condena determinadas atitudes que o homem tem tomado em relação a Deus e a sua revelação na Lei dos Dez Mandamentos. Que pecados são condenados no primeiro mandamento?
1. O Ateísmo: O que é o ateísmo? Não outra coisa senão a negação de Deus. O mandamento não só proíbe o Ter outro deus, mas também nos proíbe de negar o legítimo e verdadeiro Deus. Mas será que estamos insetos desta realidade? A resposta é não. Nós muitas vezes somos ateus; pois, queridos existe dois tipos de ateísmo: O prático e teórico. O ateísmo prático resume-se no fato de que nós tomamos muitas de nossas decisões sem pedir orientação a Deus; sua direção para os nossos empreendimentos é necessária. Mas não é somente isso, o ateísmo prático também se torna evidente em nossas vidas quando não contamos com a sua providência, com o seu cuidado sobre cada um de nós; muitas vezes reclamamos da situação na qual estamos mergulhados, muitas vezes são situações que não nos agradam, mas que Deus planejou para cada um de nós. É pecado contra o mandamento quando ignoramos a oração; quando deixamos de buscar a face de Deus em oração é um sinal de que estamos de fato vivendo como ateus neste mundo. Um texto que nos fala sobre isso é Salmo 14.1 – “o mestre de canto. Salmo de Davi Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem”.
2. A Idolatria: Outro pecado que é proibido aqui neste mandamento é a idolatria. Esta consiste na adoração de seres, objetos que não seja Deus; a Bíblia acentua isso de forma clara: “Jeremias 2:27-28:
Que dizem a um pedaço de madeira: Tu és meu pai; e à pedra: Tu me geraste. Pois me viraram as costas e não o rosto; mas, em vindo a angústia, dizem: Levanta-te e livra-nos. Onde, pois, estão os teus deuses, que para ti mesmo fizeste? Eles que se levantem se te podem livrar no tempo da tua angústia; porque os teus deuses, ó Judá, são tantos como as tuas cidades.
A idolatria é algo abominável aos olhos de Deus. A invocação de qualquer ser que não seja Deus é uma flagrante manifestação de rebeldia contra este mandamento.
3. A Ignorância: Quando o homem decide ignorar a Deus; não deseja conhecê-lo. E de que forma isso ocorre? Na rejeição de Sua palavra. Quando não lemos, não ouvimos a pregação, a exposição da Palavra de Deus. Um exemplo está em: “Deveras, o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios e não inteligentes; são sábios para o mal e não sabem fazer o bem.” A igreja hoje peca contra este mandamento porque não busca conhecer este nosso Deus no tempo de Oséias isso era verdadeiro de uma forma acentuada. (veja-se: Oséias 4:1-6):
Ouvi a palavra do SENHOR, vós, filhos de Israel, porque o SENHOR tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. O que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios Por isso, a terra está de luto, e todo o que mora nela desfalece, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem. Todavia, ninguém contenda, ninguém repreenda; porque o teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa. Por isso, tropeçarás de dia, e o profeta contigo tropeçará de noite; e destruirei a tua mãe. O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos.
O povo é destruído por causa dos seus líderes que deveriam conhecer a Lei de Deus, mas a ignoram não querem conhecer a Lei de Deus para ensiná-la aos homens. Este é o ponto que percebemos neste texto de Oséias.
4. A Heresia: O primeiro mandamento condena toda e qualquer heresia a respeito da pessoa de Deus e da sua revelação. Isto incluí todas as nossas falsas opiniões sobre Deus e a sua palavra. As falsas concepções estão de fato destruindo a unidade da Igreja de Cristo. No texto de Paulo em Gálatas 5.20 a palavra “facções” no texto grego é “haireseis” ou seja, toda facção religiosa sustenta as mais gritantes heresias e concepções equivocadas a respeito de Deus e de sua palavra.
É pecado contra o primeiro mandamento tem uma falsa doutrina sobre Deus. Qual é a nossa atitude para com aqueles que sustem heresias. Não pode ser outra senão a que nos ordena Paulo em Tito 3.10 “deixa-o”, pois, o herege não tem comunhão com os santos, ou seja, com a Igreja que proclama fielmente a Lei de Deus. Pois, toda falsa doutrina vai gerar desconfiança no crente e cair em desespero e não confiar mais na providência de Deus.
III – O Primeiro Mandamento e a Providência de Deus
A grande verdade aprendida neste mandamento é a providência de Deus. Pois, somos ensinados por Deus aqui que apenas ele, e somente ele de fato cuida de nós. Isto significa que devemos elevar os nossos corações a ele, pois, somente nele encontramos repouso seguro. Pois, não existe outro Deus em quem devemos depositar as nossas orações.
Em sua providência devemos estar fincados, abalizados. É aqui que precisamos ser mais crentes. O mandamento diz que não devemos trazer diante da face de Deus outros deuses. Isto significa que a nossa boa posição não deve ser colocada diante de Deus como se não precisássemos de Deus nesta vida.
Quando se nos diz “diante de minha face” implica em não confiarmos em nossas próprias forças pelo que somos ou pelo que possuímos, e atribuirmos tudo o que temos e somos a nós somente; mas, se nos ensina aqui que apenas Deus e somente ele deve receber a glória em tudo o que temos e somos.
Isto nos impele para outra verdade, é que tudo o que fazemos na escola, no trabalho na faculdade ele está sendo glorificado. Ou seja, em tudo estamos servindo a Deus (1 Co.10.30). Deus está sempre diante de nós; e nós, estamos sempre diante dele, pois, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer ele está vendo (Hb. 4.13). Diante disso que aplicações podemos tirar deste mandamento?
1. Que Deus se revelou a nós para ser Conhecido e Reconhecido: não foi do seu agrado ficar escondido, mas quis revelar-se ao homem.
2. Que é nosso dever viver par tê-lo como nosso único e verdadeiro Deus: A revelação de Deus nos conduz para termos o autêntico conhecimento de Deus, então, é nosso dever tê-lo como o centro de nossa vida.
3. Devemos viver com a perspectiva de que sempre estamos diante de Deus: Não importa onde estejamos, pois, ele é o nosso Deus soberano; e a nossa vida visa glorificá-lo. Vivamos uma vida que vise apenas à glória de Deus neste mundo.
Nota:
[1] Teologicamente entende-se esta perspectiva como Coram Deo – diante da face de Deus – para uma introdução a esta perspectiva reformada recomendamos a leitura do belo artigo de OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Philosofando Coram Deo: Uma Apresentação Panorâmica da Vida, Pensamento e Antecedentes Intelectuais de Herman Dooyeweerd In: Fides Reformata XI, Nº2 (2006), p. 73-100. Este artigo também se encontra publicado no site: www.eleitosdedeus.org
João Ricardo
Êxodo. 20.3 – “Não terás outros deuses diante de mim.”
Introdução
Estamos vivendo dias em que a lei de Deus tem sido de fato rejeitada. As dez palavras do Sinai tem sido desprezadas pela Igreja da atualidade; a forte ênfase dispensacionalista. Se tem tornado um problema constante para aqueles que desejam de fato encarar a atualidade da lei de Deus. Vimos em nosso último encontro que o prefácio nos fala verdades negligenciadas na vida da Igreja da atualidade.
Hoje nós vamos começar a trabalhar o primeiro mandamento da Lei de Deus. Que trata especificamente de quem é Deus. Aqui neste mandamento Deus deve ser visto como o centro de nossas vidas é nisto que nos concentraremos nesta noite. Aqui nós sumarizaremos os nossos deveres diante deste mandamento e os pecados contra ele.
I – Os Deveres no 1º Mandamento
Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 104.
Os mandamentos começam com uma tônica negativa o termo hebraico é: “Lo” “não” o uso deste advérbio de negação nos ensina que não se trata de uma mera negação, mas é uma negação enfática: “Nunca!” Esta é a força do hebraico; em outras palavras, não trata-se de algo opcional, mas reveste-se de capital importância para cada um de nós aqui nesta noite.
O que é proibido aqui? “yheyeh leka elohim aherim” - o trazer cativos para nós deuses outros. Mas surge-nos uma pergunta: O substantivo elohim não é usado para descrever o Deus criador, então, como aqui o mesmo substantivo é usado para descrever outros “deuses” que não o Criador? A resposta a esta questão está na gramática; pois, quando o termo é usado para “referir-se ao Deus de Israel, este termo usualmente concorda no singular...; quando usado para referir-se a vários deuses, ele concorda no plural”. (WALTKE & O’CONNOR, 2006, p.122) como é o nosso caso aqui.
Quais são os deveres que são exigidos de nós aqui neste mandamento?
1. Conhecer e Reconhecer a Deus
Quando lemos este mandamento nos cercamos da verdade de que Ele dever ser conhecido; ele se revela a nós pecadores, isto já se percebeu no prefácio; quando ele diz que não dever ter outros deuses – no texto hebraico seria “não terás tu” ele individualiza o povo da aliança; outras nações podem até possuir outros deuses, mas o povo redimido não.
A realidade ensinada aqui no mandamento é que apenas Deus deve ser conhecido como de fato Deus; mas não apenas isso, também se requer de cada um de nós é que ele seja reconhecido como nosso Deus. Como isso pode tornar-se uma realidade? Como Deus pode ser Conhecido e Reconhecido como tal. A Bíblia ensina de uma forma surpreendente “Tu, meu filho Salomão, conhece o Deus de teu pai e serve-o de coração íntegro e alma voluntária; porque o SENHOR esquadrinha todos os corações e penetra todos os desígnios do pensamento. Se o buscares, ele deixará achar-se por ti; se o deixares, ele te rejeitará para sempre.” (1 Crônicas 28.9).
1.1 Ele deve ser visto como Deus Único: A súmula disso é que o monoteísmo deve ser afirmado neste mundo o povo da aliança deve apenas crer na existência de um único Deus. Esta é a real concepção que este mandamento nos autoriza. Deus deve ser nosso Deus “Hoje declaraste ao SENHOR que ele te será por Deus, e que andarás nos seus caminhos, e guardarás os seus estatutos, e os seus mandamentos, e os seus juízos, e darás ouvidos à sua voz.” (Dt.26.17 – ACF).
1.2 Ele deve ser contemplado como Deus verdadeiro: Ele é o verdadeiro Deus, quando o mandamento diz que devemos não Ter outros deuses, isto implica dizer que todos são falsos, pois, existe apenas um que é verdadeiramente Deus. A falsidade dar-se também no campo religioso, muitas vezes estamos servindo a um Deus que não é verdadeiro. Este é um aspecto que precisa ser levado em consideração.
2. O Mandamento nos exige o culto e Glorificação a Deus
O primeiro mandamento nos obriga ao culto a Deus observe o que diz o salmo 95:6-7: Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou. Ele é o nosso Deus, e nós, povo do seu pasto e ovelhas de sua mão. Hoje, se ouvirdes a sua voz”. A centralidade de Deus é vista quando diz “não terás outros deuses “diante de minha face” no hebraico é Al-Paney. Algumas verdades se desprendem aqui:
1. Que estamos sempre diante da face de Deus. Não importa se estamos em outro país, cidade ou mesmo região, estamos sempre diante da face de Deus[1]. A nossa vida é para Deus. É para glorificá-lo, este mandamento nos levar a pensar nisso que forma profunda. Por mais que estejamos em outro lugar, estamos diante do soberano do universo.
2. Que Deus é onipresente. Esta é outra verdade que aprendemos com a expressão “Al-Paney” - isto significa que ele sempre está nos vendo em nossas transgressões no que respeita a este mandamento. Disto podemos concluir que este mandamento exige de nós:
A. O Pensar em Deus: Quando o mandamento nos diz que não devemos ter outras divindades diante da face de Deus, está nos obrigando a ocupar a nossa mente, nutrir a nossa mente somente com Deus; Deus deve ser o centro de nossos pensamentos, de nossas palavras e atitudes. “Malaquias 3:16: Então, os que temiam ao SENHOR falavam uns aos outros; o SENHOR atentava e ouvia; havia um memorial escrito diante dele para os que temem ao SENHOR e para os que se lembram do seu nome.”
B. Meditar em Deus: “Salmo 63:6: no meu leito, quando de ti me recordo e em ti medito, durante a vigília da noite.” A meditação em Deus é reconhecê-lo como o único centro de nossas vidas, o nosso Sumo Bem.
II – Os Pecados que são proibidos neste Mandamento
Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 105
Este mandamento não apenas nos ordena o que devemos fazer, mas também nos indica o que não devemos fazer. O mandamento condena determinadas atitudes que o homem tem tomado em relação a Deus e a sua revelação na Lei dos Dez Mandamentos. Que pecados são condenados no primeiro mandamento?
1. O Ateísmo: O que é o ateísmo? Não outra coisa senão a negação de Deus. O mandamento não só proíbe o Ter outro deus, mas também nos proíbe de negar o legítimo e verdadeiro Deus. Mas será que estamos insetos desta realidade? A resposta é não. Nós muitas vezes somos ateus; pois, queridos existe dois tipos de ateísmo: O prático e teórico. O ateísmo prático resume-se no fato de que nós tomamos muitas de nossas decisões sem pedir orientação a Deus; sua direção para os nossos empreendimentos é necessária. Mas não é somente isso, o ateísmo prático também se torna evidente em nossas vidas quando não contamos com a sua providência, com o seu cuidado sobre cada um de nós; muitas vezes reclamamos da situação na qual estamos mergulhados, muitas vezes são situações que não nos agradam, mas que Deus planejou para cada um de nós. É pecado contra o mandamento quando ignoramos a oração; quando deixamos de buscar a face de Deus em oração é um sinal de que estamos de fato vivendo como ateus neste mundo. Um texto que nos fala sobre isso é Salmo 14.1 – “o mestre de canto. Salmo de Davi Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem”.
2. A Idolatria: Outro pecado que é proibido aqui neste mandamento é a idolatria. Esta consiste na adoração de seres, objetos que não seja Deus; a Bíblia acentua isso de forma clara: “Jeremias 2:27-28:
Que dizem a um pedaço de madeira: Tu és meu pai; e à pedra: Tu me geraste. Pois me viraram as costas e não o rosto; mas, em vindo a angústia, dizem: Levanta-te e livra-nos. Onde, pois, estão os teus deuses, que para ti mesmo fizeste? Eles que se levantem se te podem livrar no tempo da tua angústia; porque os teus deuses, ó Judá, são tantos como as tuas cidades.
A idolatria é algo abominável aos olhos de Deus. A invocação de qualquer ser que não seja Deus é uma flagrante manifestação de rebeldia contra este mandamento.
3. A Ignorância: Quando o homem decide ignorar a Deus; não deseja conhecê-lo. E de que forma isso ocorre? Na rejeição de Sua palavra. Quando não lemos, não ouvimos a pregação, a exposição da Palavra de Deus. Um exemplo está em: “Deveras, o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios e não inteligentes; são sábios para o mal e não sabem fazer o bem.” A igreja hoje peca contra este mandamento porque não busca conhecer este nosso Deus no tempo de Oséias isso era verdadeiro de uma forma acentuada. (veja-se: Oséias 4:1-6):
Ouvi a palavra do SENHOR, vós, filhos de Israel, porque o SENHOR tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. O que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios Por isso, a terra está de luto, e todo o que mora nela desfalece, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem. Todavia, ninguém contenda, ninguém repreenda; porque o teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa. Por isso, tropeçarás de dia, e o profeta contigo tropeçará de noite; e destruirei a tua mãe. O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos.
O povo é destruído por causa dos seus líderes que deveriam conhecer a Lei de Deus, mas a ignoram não querem conhecer a Lei de Deus para ensiná-la aos homens. Este é o ponto que percebemos neste texto de Oséias.
4. A Heresia: O primeiro mandamento condena toda e qualquer heresia a respeito da pessoa de Deus e da sua revelação. Isto incluí todas as nossas falsas opiniões sobre Deus e a sua palavra. As falsas concepções estão de fato destruindo a unidade da Igreja de Cristo. No texto de Paulo em Gálatas 5.20 a palavra “facções” no texto grego é “haireseis” ou seja, toda facção religiosa sustenta as mais gritantes heresias e concepções equivocadas a respeito de Deus e de sua palavra.
É pecado contra o primeiro mandamento tem uma falsa doutrina sobre Deus. Qual é a nossa atitude para com aqueles que sustem heresias. Não pode ser outra senão a que nos ordena Paulo em Tito 3.10 “deixa-o”, pois, o herege não tem comunhão com os santos, ou seja, com a Igreja que proclama fielmente a Lei de Deus. Pois, toda falsa doutrina vai gerar desconfiança no crente e cair em desespero e não confiar mais na providência de Deus.
III – O Primeiro Mandamento e a Providência de Deus
A grande verdade aprendida neste mandamento é a providência de Deus. Pois, somos ensinados por Deus aqui que apenas ele, e somente ele de fato cuida de nós. Isto significa que devemos elevar os nossos corações a ele, pois, somente nele encontramos repouso seguro. Pois, não existe outro Deus em quem devemos depositar as nossas orações.
Em sua providência devemos estar fincados, abalizados. É aqui que precisamos ser mais crentes. O mandamento diz que não devemos trazer diante da face de Deus outros deuses. Isto significa que a nossa boa posição não deve ser colocada diante de Deus como se não precisássemos de Deus nesta vida.
Quando se nos diz “diante de minha face” implica em não confiarmos em nossas próprias forças pelo que somos ou pelo que possuímos, e atribuirmos tudo o que temos e somos a nós somente; mas, se nos ensina aqui que apenas Deus e somente ele deve receber a glória em tudo o que temos e somos.
Isto nos impele para outra verdade, é que tudo o que fazemos na escola, no trabalho na faculdade ele está sendo glorificado. Ou seja, em tudo estamos servindo a Deus (1 Co.10.30). Deus está sempre diante de nós; e nós, estamos sempre diante dele, pois, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer ele está vendo (Hb. 4.13). Diante disso que aplicações podemos tirar deste mandamento?
1. Que Deus se revelou a nós para ser Conhecido e Reconhecido: não foi do seu agrado ficar escondido, mas quis revelar-se ao homem.
2. Que é nosso dever viver par tê-lo como nosso único e verdadeiro Deus: A revelação de Deus nos conduz para termos o autêntico conhecimento de Deus, então, é nosso dever tê-lo como o centro de nossa vida.
3. Devemos viver com a perspectiva de que sempre estamos diante de Deus: Não importa onde estejamos, pois, ele é o nosso Deus soberano; e a nossa vida visa glorificá-lo. Vivamos uma vida que vise apenas à glória de Deus neste mundo.
Nota:
[1] Teologicamente entende-se esta perspectiva como Coram Deo – diante da face de Deus – para uma introdução a esta perspectiva reformada recomendamos a leitura do belo artigo de OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Philosofando Coram Deo: Uma Apresentação Panorâmica da Vida, Pensamento e Antecedentes Intelectuais de Herman Dooyeweerd In: Fides Reformata XI, Nº2 (2006), p. 73-100. Este artigo também se encontra publicado no site: www.eleitosdedeus.org
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