Por Marcelo Lemos
Olá,
 Lene, como está você? Fiquei feliz quando me disse que suas férias – 
merecidas, aliás – foram tão abençoadas. E aqui estou eu, com mais uma 
das nossas cartas, a quinta, tratando dos pilares da Fé Reformada. Você 
talvez já tenha escutado falar em “Soli Deo Gloria” – este será nosso 
tema hoje.
Somente
 à Deus a Glória. Uma declaração certamente bonita, e doce para os 
evangélicos. Uma declaração facilmente desejável. Mas, como praticar tal
 princípio? Será que temos vivido isso em nosso ministério, trabalho, e 
no dia-a-dia em geral? Um jeito simples de medir o quanto compreendemos a
 doutrina do Soli Deo Gloria é perguntar a nós mesmos:
- Afinal, porque Deus me salvou da condenação eterna?
Muitas
 respostas corretas poderiam ser dadas a esta pergunta, sem que 
atingissem o centro da questão. Ou seja, repostas certas que só contam 
parte da história.
- Deus me salvou do Inferno porque, em Cristo, me amou desde a eternidade!
- Deus me salvou da Condenação porque Cristo, Deus feito homem, pagou pelos meus pecados!
- Deus me salvou da Morte, visto que, onde abundou o Pecado, por Cristo superabundou a Graça!
Não
 há nada de errado com nenhuma dessas respostas. Cada uma delas é 
ensinada nas Escrituras, portanto, verdadeiras. Mas não é só isso. 
Segundo a Escritura, tudo que Deus faz, o faz para Sua própria Glória. 
Deus trabalha para sua própria exaltação. Tudo o que Ele faz visa sua 
Glória, e isso inclui nossa salvação. É certo que ao nos salvar, 
amou-nos, desejou-nos, teve compaixão de nós, etc., mas não é tudo! Qual
 o fim último, qual o objetivo maior da nossa salvação?
“Nele,
 digo, em quem também fomos feito herança, havendo sido predestinados, 
conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho
 da sua vontade; com o fim de sermos para louvor da sua glória...” – Efésios 1. 11,12.
A fim de sermos para louvor da sua glória.
 Existimos como o povo que promove a Glória Deus. Não existimos para 
desfrutar de bênçãos, prazeres, privilégios, dons espirituais ou o mesmo
 céu. Podemos ter todas estas coisas, mas existimos por uma única razão 
última: a glória de Deus. Lene; sabe aquele desejo que o evangélico 
brasileiro nutre em ver um Brasil de “maioria evangélica”? Olha; tal 
sonho só terá sentido, só será agradável ao Senhor, se for para a Sua 
glória pessoal, e de mais ninguém – “... para que a Graça, multiplicada 
por meio de muitos, faça abundar a ação de graças para a glória de Deus” (II Coríntios 4.15).
Acredito
 que você já esteja desvendando algumas das implicações práticas dessa 
doutrina bíblica abraçada pelos Reformadores. Vou listar algumas de modo
 breve e simples.
O impacto sobre nossa espiritualidade. Somos
 sempre vitimas da tentação de criarmos um Deus a nossa imagem e 
semelhança. Queremos dizer a Deus o que Ele é, e como deve agir – quando
 essa tarefa pertence apenas a Ele. E o “deus” preferido da nossa 
geração é aquele que foi feito refém dos nossos caprichos e desejos. 
Somos atrevidos o bastante para dizermos a ele que “não aceitamos” os 
problemas da vida, frutos do pecado de Adão, como a morte, a doença, a 
fome, e o desemprego! Temos coragem o bastante para introduzir “fogo estranho” no Altar de Deus, transformando a liturgia num culto a serviço de nós mesmos, e das nossas preferencias. 
Lene,
 talvez eu fique rico, talvez eu fique famoso, talvez eu seja curado de 
um câncer ou de uma paralisia, talvez eu faça um paralítico andar com 
uma oração, talvez eu fale mandarim sob a iluminação do Espírito, talvez
 eu ande sobre as águas, talvez eu compre um Camaro amarelo (!) – porém,
 não foi para nada disso que Cristo me salvou dos meus pecados. Cristo 
morreu por mim apenas para a glória do Deus Triuno. É certo, contudo, 
que a Graça de Deus pode nos trazer maravilhosos efeitos colaterais.
O impacto sobre nossa vida cotidiana. “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus!”
 (I Coríntios 10.31). Bem, sei que os sindicalistas aqui da firma vão 
querer me prender por isso, mas, ouça o que diz o apóstolo S. Paulo, 
Lene: “Vós, servos, obedecei a vossos senhores segundo a carne, com 
temor e tremor, na sinceridade de vosso coração, como a Cristo, não 
servindo à vista, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus”
 (Efésios 6.6ss). Tudo para a Sua Glória, inclusive meus afazeres 
diários, ainda que seja ajudar minha esposa com a louça do jantar. 
Aliás, falando em família, até mesmo as obrigações – e privilégios! – 
sexuais do cristão devem ser regrados por tal princípio máximo: a glória
 de Deus.
O impacto sobre nossa vida social.
 Talvez eu te agrade, Lene, mostrando as razões pelas quais não gosto 
dos políticos evangélicos se candidatando a torto e a direito no Brasil.
 E está na moda criticar evangélicos que se envolvem com política e políticos.
 Mas, talvez te assuste ao lhe contar qual é a visão bíblica de um 
político realmente comprometido com a Religião Cristã. Princípios que 
valem para qualquer cristão, político ou não. Em primeiro lugar, o 
cristão deve se engajar na vida da sociedade para a glória de Deus. Ele 
não defende um partido, uma ideologia, uma escola econômica. Claro, ele 
pode preferir este a aquele, mas seu compromisso último é com a glória de Deus.
 Seu objetivo é promover o Reino de Deus sobre toda a terra (S. Mateus 
28. 18; I Tim. 6.15; Ef. 1.20-22). Sabemos que políticos, mesmo se 
cristãos, costumam trair seus princípios se precisam defender uma causa,
 uma cartilha, um projeto, um padrinho... Se fizermos assim, não 
estaremos governando – ou exercendo qualquer outra função - para a 
glória de Deus. Se fizermos assim, estaremos nos curvando aos homens. Se
 fizermos assim, nos tornamos idólatras. 
Em segundo lugar, nossa atuação na sociedade precisa vir acompanhada de dois verbos: reconstruir e resistir.
 Reconstruir aquilo que perdemos; valores que abandonamos; verdades que 
esquecemos ou desprezamos. Um exemplo? A ilusão de que nossa sociedade 
possa chegar ao conhecimento da Verdade sem o auxilio da Lei de Deus. 
Não pode! Aqui temos algo a reconstruir, certamente. Mas, é também 
preciso resistir aos constantes ataques do mundo moderno contra a Igreja
 e a moral cristã. Rendemos glória apenas a Deus! Servimos apenas a Ele,
 e isso exige que não nos curvemos diante do maior ídolo que a 
humanidade já produziu, o Estado. Entre servir a Cristo ou prostrar-se 
diante de César, a arena dos leões é a única opção para o crente. 
Você
 certamente já terá notado, querida Lene, que ser um cristão reformado, 
ou evangélico, não é coisa simples. Optar pelo legado dos Reformadores é
 uma escolha radical e trabalhosa. Aceitar a primazia completa de Deus, e
 de Sua Graça, sobre tudo o que somos, temos e fazemos, é um desafio 
para toda a vida. Estamos preparados? Espero que sim. Espero - de 
coração - que nos libertemos das amarras intelectuais e emocionais 
daqueles que nos convenceram de que a fé evangélica resume-se apenas a 
um playground dominical.
Bem,
 até aqui chegamos ao fim dos Cinco Solas da Reforma. Nestas cinco 
cartas, tentei mostrar de modo simples cada um dos principais pilares 
que moldaram a fé evangélica. Pelas reações, constato aquilo que já 
imaginava: o quão longe estamos de ser o que afirmamos ser! E se você 
quer, e Deus permite, continuaremos a conversar, aprofundando um pouco 
mais em nossas meditações. 
Um abraço, e até nossa próxima conversa!

 
 






