Trancrevo aqui entrevista concedida à revista Eclésia e que foi publicada neste último número. É uma entrevista bem extensa que abordou muitos e variados assuntos. Acredito que reflete de maneira justa a realidade das igrejas evangélicas no Brasil hoje.
ECLÉSIA:
Ateus são aqueles que não crêem em Deus. De que maneira pode existir um “ateísmo cristão”, justamente o título de seu último livro? O apóstolo Paulo se refere àqueles que professam conhecer a Deus e que, entretanto, o negam por suas obras (Tito 1:16). Chamo de ateísmo cristão a negação de que Deus interfere, age e atua na realidade humana, negação esta feita por pessoas que se professam cristãs e que argumentam usando a terminologia cristã. Na verdade, isto nada mais é que o antigo deísmo, a idéia de que Deus existe mas que não interfere na realidade humana. O deísmo foi a religião dos antigos liberais e continua, ligeiramente modificada, sendo a teologia dos novos liberais. Para mim, admitir a existência de Deus mas negar sua presença na história e na experiência humana é a mesma coisa, ao final, que o ateísmo – só que com capa de cristianismo.
ECLÉSIA: Há quem acredite que o Brasil esteja experimentando um avivamento por causa do crescimento dos evangélicos. Mas o senhor diz que a Igreja sofre sérias ameaças. Isso não é uma contradição?
No meu caso não é uma contradição porque eu nunca afirmei que o Brasil está experimentando um avivamento espiritual. O que constato é o crescimento nas duas últimas décadas das seitas neopentecostais, que a mídia costuma confundir com os evangélicos. Eu sei que há pessoas que são verdadeiramente crentes no Senhor Jesus nesse meio, em que pesem os ensinamentos e práticas estranhos ao Evangelho. Todavia, isto não diminui a ameaça que o movimento representa para a igreja cristã.
ECLÉSIA:
Ainda falando sobre o crescimento evangélico, o segmento mais conhecido hoje é neopentecostal. E, talvez pelo aparente sucesso, talvez pelo poder midiático, tem influenciado com práticas e estilos de culto denominações pentecostais e históricas. Esse processo não é irreversível?
Não sei se é irreversível. Este crescimento vem diminuindo nos últimos anos, pois a proposta das igrejas neopentecostais não se sustenta por muito tempo. Cedo ou tarde as promessas da teologia da prosperidade se mostram vazias, gerando uma multidão de decepcionados que vão engordar as fileiras dos desigrejados. Percebe-se, também, a crescente separação e distanciamento destes movimentos neopentecostais do pentecostalismo clássico e das igrejas históricas, o que é muito bom, pois deixa a diferença entre nós e eles mais clara. Infelizmente, a influência das práticas neopentecostais nas igrejas históricas tem feito e continuará a fazer, por algum tempo, considerável estrago. A culpa, em parte, é das lideranças que não prepararam o povo adequadamente para enfrentar estes erros. Mas, a responsabilidade é principalmente dos pastores de igrejas históricas que traindo e abandonando os compromissos que fizeram por ocasião de sua consagração e ordenação, adotaram eles mesmos estas práticas estranhas ao cristianismo histórico, no afã de crescer, ganhar adeptos e aumentar o seu ministério. E não podemos esquecer que se as seitas neopentecostais têm um grande volume de adeptos, isto se deve também ao fato de que tem muita gente interessada em Deus por motivos errados, como saúde, prosperidade e sucesso, deixando a razão maior para trás, que é a glória do próprio Deus.
ECLÉSIA: Os últimos números das pesquisas apontam para um aumento grande do número de pessoas que acreditam em Deus mas não tem uma religião específica. Ou, pelo menos, que não estão em uma denominação evangélica. Provavelmente, porque já estiveram e saíram. Quem é o maior culpado por isso: os abusos cometidos pelos líderes ou o triunfalismo pregado dos púlpitos e que, na prática, não alcança resultados?
Acho que as duas coisas. E devemos nos humilhar e nos penitenciar diante de Deus por isto. Mas eu ainda acrescentaria uma terceira razão, que é a tendência do coração humano de não se sujeitar à disciplina, liderança, governo espiritual e a seguir normas e regras. As igrejas cristãs – pelos menos as sérias – são organizadas de acordo com o padrão bíblico, têm uma liderança espiritual constituída e seguem normas encontradas na Palavra de Deus. Obviamente nem todo mundo tem disposição para fazer parte de uma comunidade onde ficará sujeito a cobranças, questionamentos e perguntas sobre sua vida individual, sobre seu comportamento, hábitos e decisões. Ou seja, muita gente que se considera evangélica não quer a responsabilidade inerente à membresia de uma igreja séria. Em resumo, o crescimento do número dos desigrejados se dá tanto pela falha da igreja organizada quanto pela rebeldia de boa parte dos próprios desigrejados.
ECLÉSIA:
Em seu último livro, o senhor aborda temas como o fato do crente ficar ou não doente e a prática de expulsar o diabo. Particularmente, o senhor já viu casos escabrosos ou até esteve presente diante de práticas estranhas e que o motivaram a escrever sobre isso? Pode falar sobre elas?
Sobre crentes ficarem doentes, não creio que precisemos dar evidências e provas disto. É claro que ficam. E nem sempre é falta de fé, resultado de um pecado específico ou demonização. Já orei por gente que ficou boa e também por gente que morreu em seguida. É Deus quem cura, quando quer e se quiser. Já me deparei com diversos casos de possessão demoníaca em meu ministério. Alguns deles, verifiquei em seguida, não se tratavam realmente de possessão. Mas pelo menos dois deles só consigo explicar como sendo casos reais de possessão demoníaca. Acredito que a possessão demoníaca é uma realidade em nossos dias, mas não acredito que tudo que se considera como tal, nas igrejas neopentecostais, é de fato possessão. Há muita mistificação e engano, muita confusão de sintomas de doenças mentais e distúrbios psicológicos com demonização.
ECLÉSIA:
Mas batalha espiritual é um assunto bíblico. Só que o senhor já disse que esse conceito foi contaminado pelo paganismo que se infiltrou no meio eclesiástico. Como assim?
Sem dúvida, a batalha espiritual é um assunto totalmente bíblico. Paulo nos diz em Efésios 6 que nossa luta real é contra os principados e potestades, as forças espirituais do mal nos lugares celestiais. Não tenho dúvidas quanto a isto. Satanás é real e suas tentações e seu poder são reais. Ele está presente e ativo no planeta Terra, como já disse alguém. O problema não é este, mas sim como enfrentamos Satanás e suas forças. O moderno movimento de batalha espiritual ensina conceitos e práticas que não encontram fundamentação bíblica, como quebra de maldições, espíritos territoriais, oração de guerra, mapeamento espiritual, cobertura espiritual, demônios associados com doenças específicas, associação dos nomes das divindades pagãs do umbandismo com espíritos malignos determinados, - enfim, a lista é grande. Procuramos em vão no relato bíblico da vida e obra de Jesus e dos apóstolos evidências de que eles faziam mapeamento espiritual, demarcação de território, amarração de potestades, quebra de maldições. Para mim, a igreja não deve adotar práticas que não sejam claramente apoiadas pela Escritura. A fonte de autoridade para estas práticas no movimento de batalha espiritual não é a Bíblia, mas declarações de pessoas endemoninhadas, sonhos, visões, palavras proféticas, supostas revelações e outras fontes subjetivas que acabam tomando o lugar da Palavra de Deus na vida do crente e da igreja. Isso tudo abre a porta para a entrada de crendices, misticismo e paganismo na igreja.
ECLÉSIA: Por outro lado, o senhor diz que não é totalmente contra o Natal. Mas essa festa não tem origens e práticas pagãs, como a própria árvore e as luzinhas? Não seria uma contradição?
As festividades natalinas modernas com árvore de natal, luzinhas, Papai Noel, ceia com peru, troca de presentes e onde nem se menciona o nome de Jesus Cristo são claramente uma prática não cristã. A origem desta prática realmente é pagã, mas não a idéia de celebramos o nascimento do nosso Salvador Jesus Cristo. Se os anjos se alegraram com o nascimento dele, formando um coral celestial para entoar louvores a Deus, se os pastores e os magos foram adorá-lo e se a encarnação de Deus Filho é considerada na Bíblia um evento crucial da história da salvação – sem o qual não haveria sua morte e a sua ressurreição – vejo como perfeitamente cristão celebrar o nascimento do Salvador. Como não sabemos a data exata de seu nascimento, seguimos a antiga convenção cristã de fazê-lo no dia 25 de dezembro. Poderia ser em outro dia qualquer. Natal não é dia santo.
ECLÉSIA: As igrejas por aqui geralmente são acusadas de copiar tudo dos Estados Unidos. De bom e de ruim. Inclusive, práticas espirituais, demonizando a cultura nacional. De que maneira podemos forjar uma espiritualidade bíblica e ao mesmo tempo brasileira?
É um equívoco demonizar a cultura brasileira – ou outra qualquer – como um todo. Como calvinista, creio na graça comum, isto é, que Deus abençoa as pessoas com habilidade e capacidade para fazerem arte, música, cultura, descobertas científicas, mesmo aquelas que não o conhecem e até o negam. Portanto, encontraremos em qualquer cultura coisas boas que refletem a bondade do Criador. Além disto, a verdadeira espiritualidade não tem nacionalidade e transcende as barreiras geográficas e étnicas. Os profetas e os apóstolos eram judeus e viveram numa cultura antiga que já nem existe mais, o Antigo Oriente. Todavia, a espiritualidade deles é a base da nossa. A verdadeira espiritualidade consiste em viver neste mundo de acordo com a vontade de Deus revelada nas Escrituras. E isto nos Estados Unidos, no Brasil ou na China. É claro que o homem espiritual haverá de adaptar-se à sua cultura, mas a base e a fonte de sua espiritualidade sempre será a pessoa de Jesus Cristo, conforme revelada nas Escrituras. Isto não significa negar que se copia muita coisa aqui, não só dos Estados Unidos, mas da Coréia, por exemplo. Todavia, se o que os crentes americanos estão fazendo é biblicamente correto e saudável, qual é o problema em aprender com eles ou com crentes da China e da África? Tem muito nacionalismo irracional no meio evangélico. Tem gente que fala de teologia brasileira, louvor brasileiro, espiritualidade brasileira como se fosse possível isolar este ente etéreo chamado “brasilianidade” da cultura global em que vivemos hoje. As próprias culturas em que a Bíblia nasceu e foi escrita eram misturadas. Copiavam-se práticas, costumes e tradições. Não vejo nenhum problema em aproveitar o que cristãos de outros países fazem certo, desde que o critério final seja a coerência e a conformidade com as Escrituras.
ECLÉSIA: Qual a maior ameaça à Igreja brasileira: as inovações neopentecostais, o liberalismo, o fundamentalismo, o teísmo aberto ou as novas tentativas de reforma?
Cada um destes movimentos representa uma ameaça em seus próprios termos. Eu diria que o liberalismo teológico e as inovações pentecostais são as mais perigosas pelo volume de adeptos e pelo radicalismo. O teísmo aberto é um movimento praticamente defunto no Brasil, pois não encontrou respaldo quer entre os calvinistas, quer entre os arminianos, em razão de negar uma doutrina preciosa para ambos, que é a onisciência de Deus.
ECLÉSIA: Ultimamente os emergentes e grupos que combatem a aridez e os modismos de grandes denominações aparecem como opção para uma nova espiritualidade. O que o senhor pensa dela?
Existem vários tipos de emergentes. Há um movimento dentro dos emergentes que se identifica com o liberalismo teológico e sobre este movimento a minha opinião é a mesma que tenho sobre os liberais. Mas há um movimento emergente que quer manter o compromisso com as doutrinas centrais da Palavra de Deus, com a pregação bíblica, com uma vida pautada pelas normas cristãs de amor ao próximo e santidade de vida. E ao mesmo tempo, querem ser relevantes para sua geração. Eles defendem um culto diferente dos cultos das igrejas tradicionais, mais informal, com música contemporânea e uma ordem litúrgica menos elaborada. Há inclusive um movimento vigoroso de reapreciação pela teologia e práxis da Reforma protestante, que vem exercendo muita influência nas igrejas históricas e nas pentecostais. Eu vejo com muita simpatia este movimento.
ECLÉSIA: Falando em debate e em polêmica, recentemente houve uma discussão pelas redes sociais entre o bispo Edir Macedo, líder da IURD, e a cantora e pastora batista Ana Paula Valadão sobre as manifestações do Espírito Santo. Um dizia que só cai no chão quem é endemoninhado. A outra, que alguém que recebe a unção de Deus pode cair. Como o senhor vê esse debate?
Não acompanhei esta discussão, mas estou familiarizado com o assunto. Estive a muitos anos na Igreja do Aeroporto, em Toronto, da Vineyard, onde começou o movimento da “bênção de Toronto,” que é onde nasceu esta prática de “cair no Espírito.” Estranhei bastante o que vi lá, pois ao comparar as quedas com os relatos de quedas na Bíblica ficava evidente o contraste. Na Bíblia, as pessoas que caíram diante da presença de Deus caíram sobre seus rostos e joelhos, não de costas. Caíram diante do descobrimento do seu próprio pecado, da santidade de Deus ou da glória de Cristo. Em nenhuma destas ocorrências as quedas aconteceram por causa de unção com óleo ou imposição de mãos dos profetas, de Jesus e dos apóstolos. E não encontramos em lugar nenhum da Bíblia qualquer orientação para os crentes sobre este assunto. No caso dos endemoninhados, também não há qualquer registro de gente endemoninhada caindo quando Jesus ou os apóstolos lhes impuseram as mãos. Sempre, o que havia, era a expulsão imediata dos demônios, sem muita conversa. Assim, se eu for tomar a Bíblia como referencial, eu diria que não temos como demonstrar biblicamente que pessoas cheias do Espírito caem no chão e nem que endemoninhados caem no chão na hora do exorcismo.
ECLÉSIA: Já se falou muito em dentes de ouro, risada santa e até em adoração extravagante. Que modismos estão afetando atualmente a Igreja e com quais crentes e lideranças devem ficar atentos?
A lista é grande demais para caber aqui numa entrevista destas... sugiro que consultem o blog do Pr. Renato Vargens, que documenta em detalhes estes modismos.
ECLÉSIA: Em partes tudo isso também não é culpa das lideranças e da formação que elas recebem nas faculdades teológicas? Ou da falta de formação para quem não estuda? Um de seus textos, no último livro, questiona por que tantos seminaristas perdem a fé...
Sem dúvida. Quando um pastor desconhece a história da igreja, a história das doutrinas, a teologia bíblica e teologia sistemática, quando ele não tem nem mesmo as noções mais básicas de grego e de hebraico, quando lhe falta o conhecimento dos grandes credos e confissões da igreja cristã, desconhece as polêmicas teológicas e a obra dos grandes vultos da Igreja Cristã, sua tendência será levar avante o seu ministério na base do improviso, da intuição e do pragmatismo. Ele vai usar como modelo aquelas instituições religiosas que aparentemente conseguiram sucesso em arrebanhar pessoas. Pior ainda, se nos seminários e institutos bíblicos ele teve professores liberais, sairá no mínimo um pastor confuso, incerto e sem convicção sobre nada – e portanto aberto a todo tipo de prática e crença que lhe garanta a posição e o sustento.
ECLÉSIA: Há pouco tempo, o país enfrentou o debate sobre o ensino do criacionismo nas escolas. Depois, a discussão foi sobre o ensino religioso. Como chanceler de uma das mais importantes universidades confessionais brasileiras, de que forma vê a questão?
Esse assunto é muito complexo. A Constituição brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases reconhecem a educação confessional, que é aquela feita por instituições de ensino que se orientam por uma ideologia específica. Portanto, instituições de ensino confessionais têm liberdade de ensinar sua ideologia desde que cumpram satisfatoriamente os requisitos e parâmetros curriculares determinados pelo MEC. Não creio que se deva abolir o ensino do evolucionismo nas escolas confessionais. Mas creio que ao lado do evolucionismo se deveria mostrar que existe outra opinião, defendida por cientistas renomados e sérios, quanto à questão da origem das espécies, como, por exemplo, a teoria do Design Inteligente. Isto cumpriria perfeitamente o ideal de pluralidade que se espera de uma escola e de uma universidade. Como está, apenas uma posição é ensinada, como se a mesma não fosse contestada por muitos. É uma ilusão pensar que o ensino pode ser feito de maneira isenta, neutra ou cientificamente laica. Não existe isto. Toda educação parte de uma visão de mundo pré-concebida. Se não for uma cosmovisão religiosa, será uma materialista, humanista, naturalista ateísta, marxista... Portanto, o ensino confessional cristão tem legitimidade. Sobre o ensino religioso, acho que num país onde cerca de 90% da população diz crer em Deus e estar afiliada a alguma religião por si só já é argumento suficiente para não se ignorar a dimensão religiosa e o papel importante que ela desempenha na vida dos brasileiros.
ECLÉSIA: Universidades confessionais têm enfrentado várias crises nos últimos tempos. Tome-se como exemplo a PUC de São Paulo e a Ulbra do Rio Grande do Sul. Não estão administrando o ensino como tomam conta das igrejas? Como o senhor avalia a situação das escolas confessionais e o que o Mackenzie tem a ensinar sobre o assunto?
Eu diria apenas que o setor educacional privado no Brasil, como um todo, atravessa profundas dificuldades administrativas, financeiras e estruturais. As instituições confessionais de ensino, inclusive as universidades confessionais também são atingidas, algumas mais, outras menos. Os desafios são muito grandes.
ECLÉSIA: Recentemente, o Mackenzie foi alvo de protestos por parte de ativistas homossexuais por conta de um texto em seu site que criticava o PLC 122/06. Como o senhor vê esse debate sobre o casamento gay no Brasil? Os evangélicos não correm sérios riscos de serem submetidos a uma mordaça?
É preciso esclarecer os fatos. O que foi publicado no site do Mackenzie nada mais era que o posicionamento da Igreja Presbiteriana do Brasil tomado em 2007 pelo seu Supremo Concílio. Estava no site do Mackenzie desde aquele ano, pois a IPB é a Associada Vitalícia da instituição e suas decisões precisam ser conhecidas. É claro que toda violência feita a um homossexual deve ser punida. Quem agride gays deve ser preso e responder a processo. Aliás, quem agride qualquer cidadão brasileiro, independentemente de sua escolha sexual, deve ser preso. É lamentável quando jovens saem às ruas de noite para espancar gays e travestis. Não podemos concordar jamais com este tipo de atitude – da mesma forma que não podemos concordar com agressões feitas a qualquer pessoa. Acredito que as pessoas têm o direito de escolher o tipo de vida que desejam levar e que não deveriam agredir nem afrontar quem pensa diferente. A Constituição Brasileira garante o direito à liberdade de consciência, religião e expressão. Assim sendo, não posso apoiar nenhum projeto que intente dar direitos especiais a um grupo de brasileiros em detrimento da liberdade de consciência, expressão e religião de outros. Sobre o casamento gay, é claro que sou contra, pois além do conceito ser contrário às minhas convicções cristãs, considero-o um fator de risco para a família. Quanto à mordaça sobre os evangélicos, é bem possível que venha a acontecer, mas a Igreja cristã nunca deixou de cumprir o seu papel de anunciar o perdão de Deus aos pecadores arrependidos mesmo em sociedades hostis, como no primeiro século da era cristã, sob o Império Romano. Lá não tinha mordaça, mas leão, cruz e espada para os dissidentes.
ECLÉSIA: Há pouco, quem esteve no Mackenzie foi John Piper, participando de debates que tiveram sua presença e a de Russel Shedd. Nos últimos anos, a universidade tem sido palco de congressos e grandes eventos que atraíram importantes nomes da fé cristã. De que maneira isso ajuda no amadurecimento da fé evangélica no país?
A realização destes eventos só é possível por causa do apoio da alta direção do Mackenzie, que é composta de cristãos sérios e comprometidos com a qualidade da educação e a visão cristã de mundo. A visão deles, da qual sou um dos executores como Chanceler, é de que o Mackenzie deve contribuir para a sociedade não somente oferecendo ensino de alta qualidade, como vem fazendo há décadas, mas também mostrando que o Cristianismo não exige que abandonemos a intelectualidade, a erudição, a cultura e o bom senso. Por isto, trazemos nomes de peso mundial para nos falar. Para o ano que vem (2012) planejamos trazer Dra. Nancy Pearcey, renomada historiadora da ciência, Dr. W. Lane Craig, um dos apologetas cristãos mais conhecidos hoje, que atua junto às grandes universidades do mundo, Dr. Michael Behe, cientista e biólogo renomado e considerado o pai da teoria do Design Inteligente, além do Pr. Paul Washer, um dos pregadores mais conhecidos dentre aqueles cujo ministério é voltado para os jovens.
ECLÉSIA: O senhor é um entusiasta da internet. Seus textos no blog já viraram até livro. A Igreja tem aproveitado bem a tecnologia e as redes sociais? Ou o mundo virtual é mais uma ameaça à fé do real?
A igreja tem aproveitado bem a tecnologia e as redes sociais. Os evangélicos têm presença marcante nas mídias sociais. Mas, é claro, esta participação pode melhorar, com a inserção de material mais sólido, sério, e que tenha potencial para formar esta nova geração. Portanto, não vejo a tecnologia como uma ameaça – desde que corretamente usada, como tudo o mais na vida.
ECLÉSIA: O senhor é reverendo presbiteriano mas tem trânsito entre várias correntes e denominações. Durante muito tempo, a Igreja Presbiteriana foi criticada por ser fechada. Isso está mudando?
No que tange à minha denominação, não creio que a Igreja Presbiteriana do Brasil tenha sido fechada no passado. Os presbiterianos sempre foram abertos para os irmãos de denominações reconhecidamente evangélicas. Não rebatizamos quem vem destas denominações e servimos a Ceia a todos os que são membros de igrejas evangélicas. Não temos proibição de convidarmos pregadores de outras denominações para nossos púlpitos e nem de participarmos de eventos conjuntos com eles. O que realmente não concordamos é com aqueles que se dizem cristãos mas negam a inerrância da Palavra de Deus, os milagres da Bíblia, a ressurreição de Cristo e sua morte vicária. Também queremos distância das práticas neopentecostais e das seitas. Quanto à minha pessoa, se tenho algum trânsito em outros setores evangélicos isto talvez se deva à principal ênfase do meu ministério, que é pregar expositivamente a Palavra de Deus. Evangélicos de todas as denominações amam a Bíblia e gostam de ouvir explicações sobre ela feitas com simplicidade e clareza.
ECLÉSIA: Sua trajetória pessoal é pontuada por uma sólida formação acadêmica. Sempre que isso acontece, surge o questionamento: como conciliar conhecimento com uma fé viva e dinâmica. Qual é seu segredo? O que diria para jovens ministros que estão começando a carreira e não querem deixar de crer diante de uma Igreja com tantos problemas?
Conhecimento e fé viva não são opostos e nem inimigos. Essa dicotomia é resultado da visão iluminista e racionalista de mundo que prevalece na cultura ocidental desde o século dezoito, que estabeleceu a razão como o critério final da realidade. Antes disto, este conflito estava ausente na vida dos grandes cientistas que nos deram a moderna ciência e que eram, na maior parte, cristãos. Todo conhecimento pressupõe um princípio unificador que serve de orientação e sustentação. A crença na existência de um Deus criador, que é amor e justiça, santidade e misericórdia, que fez o mundo segundo princípios e leis e criou o ser humano à sua imagem, funciona perfeitamente como princípio unificador para o conhecimento. Sendo assim, meu conselho aos jovens pastores é que cultivem a sua mente com a mesma energia com que cultivam a sua vida devocional. Estudem, pesquisem, escrevam, perguntem, discutam. Procurem não somente uma sólida formação espiritual como também bíblico-teológica-geral.