terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Os Sacramentos na Liturgia Reformada


Por Louis Berkhof

A. Relação Entre a Palavra e os Sacramentos

Em distinção da Igreja Católica Romana, as igrejas da Reforma salientam a prioridade da Palavra de Deus. Enquanto aquela parte dos pressupostos de que os sacramentos contêm tudo que é necessário para a salvação dos pecadores, não precisam de interpretação e, portanto, tornam a Palavra completamente supérflua como meio de graça, estas consideram a Palavra como absolutamente essencial, e apenas levantam a questão, por que se lhe deve acrescentar os sacramentos. 



Alguns luteranos alegam que uma graça específica, diferente da que é produzida pela Palavra é transmitida pelos sacramentos. Isso é quase universalmente negado pelos reformados (calvinistas), uns poucos teólogos escoceses e o doutor Kuyper formando exceções à regra. Eles assinalam o fato de que Deus criou o homem de tal maneira, que ele obtém conhecimento particularmente pelas avenidas dos sentidos da visão e da audição. A Palavra está adaptada aos ouvidos e os sacramentos aos olhos. E, desde que os olhos são mais sensíveis que os ouvidos, pode-se dizer que Deus, ao acrescentar os sacramentos à Palavra, vem em auxílio do pecador. A verdade dirigida aos ouvidos através da Palavra está representada simbolicamente nos sacramentos para os olhos. Deve-se ter em mente, porém, que, enquanto a Palavra pode existir e também é completa sem os sacramentos, os sacramentos nunca são completos sem a Palavra. Há pontos de semelhança e de diferença entre a Palavra e os sacramentos.


Nota do blog: vale ressaltar, no entanto, que na Nova Missa, filha do Concilio Vaticano II, o culto católico foi dividido em dois momentos centrais: a Liturgia da Palavra e a Liturgia da Eucaristia, afirmando a realidade de uma "mesa da Palavra de Deus", e uma "mesa do Corpo de Cristo", igualando-as em valor, segundo seus próprios críticos dentro do Vaticano. Evidentemente, a intenção é dar a Pregação um valor que antes lhe era negado. Além disso, é notória a ênfase que o Novus Ordo dá a termos como "ceia" e "memória", diminuindo a ênfase no caráter sacrificial da Missa tradicional. Isso explica o fato de católicos tradicionalistas se recusarem a participar da missa nova. A influencia protestante na Nova Missa é inegável, apesar de limitada, quando se sua aprovação, o jornal oficial do Vaticano, (L’Osservatore Romano, 13/10/1967), declarou que a intenção fora "remover todas as pedras que possam constituir mesmo uma sombra de risco de obstáculo ou de desagrado para os nossos irmãos separados” - ou seja, cristãos de outras confissões - (...) "...a reforma litúrgica deu um passo notável para a frente e houve uma aproximação das formas da Igreja luterana” (Marcelo Lemos, editor).

1. PONTOS DE SEMELHANÇA. Eles concordam: (a) no autor, visto que Deus mesmo instituiu ambos como meio de graça; (b) no conteúdo, pois Cristo é o conteúdo central tanto da Palavra como dos sacramentos; e (c) na maneira pela qual o conteúdo é assimilado, isto é, pela fé. Esta constitui o único modo pelo qual o pecador pode tornar-se participante da graça oferecida na Palavra e nos sacramentos.

2. PONTOS DE DIFERENÇA. Eles diferem: (a) em sua necessidade, sendo que a Palavra é indispensável, ao passo que os sacramentos não; (b) em seu propósito, desde que a Palavra visa a gerar e a fortalecer a fé, enquanto que os sacramentos servem somente para fortalecê-la; e (c) em sua extensão, visto que a Palavra vai pelo mundo inteiro, ao passo que os sacramentos só são ministrados aos que estão na igreja.

B. Origem e Sentido da Palavra “Sacramento”

A palavra “sacramento” não se encontra na Escritura. É derivada do termo latino sacramentum , que originariamente denotava uma soma de dinheiro depositada por duas partes em litígio. Após a decisão da corte, o dinheiro da parte vencedora era devolvido, enquanto que a da perdedora era confiscada. Ao que parece, isto era chamado sacramentum porque objetivava ser uma espécie de oferenda propiciatória aos deuses. A transição para o uso cristão do termo deve ser procurada: (a) no uso militar do termo, em que denotava o juramento pelo qual um soldado prometia solenemente obediência ao seu comandante, visto que no batismo o cristão promete obediência ao seu Senhor; e (b) no sentido especificamente religioso que o termo adquiriu quando a Vulgata o empregou para traduzir o grego mysterion . É possível que este vocábulo grego fosse aplicado aos sacramentos por terem eles uma tênue semelhança com alguns dos mistérios das religiões gregas. Na Igreja Primitiva a palavra “sacramento” era empregada primeiramente para denotar todas as espécies de doutrinas e ordenanças. Por esta mesma razão, alguns se opuseram ao nome e preferiam falar em “sinais” ou “mistérios”. Mesmo durante e imediatamente após a Reforma, muitos não gostavam do nome “sacramento”. Melanchton empregava “signi”, e tanto Lutero como Calvino achavam necessário chamar a atenção para o fato de que a palavra “sacramento” não é empregada em seu sentido original na teologia. Mas o fato de que a palavra não se encontra na Escritura e de que não é utilizada em seu sentido original quando aplicada às ordenanças instituídas por Jesus, não tem por que dissuadir-nos, pois muitas vezes o uso determina o sentido de uma palavra. Pode-se dar a seguinte definição de sacramento: Sacramento é uma santa ordenança instituída por Cristo, na qual, mediante sinais perceptíveis, a graça de Deus em Cristo e os benefícios da aliança da graça são representados, selados e aplicados aos crentes, e estes, por sua vez, expressam sua fé e sua fidelidade a Deus.

C. Partes Componentes do Sacramento

Devemos distinguir três partes nos sacramentos.

1. O SINAL EXTERNO OU VISÍVEL. Cada sacramento contém um elemento material, palpável aos sentidos. Num sentido bem livre, este elemento às vezes é chamado sacramento. Contudo, no sentido estrito da palavra, o termo é mais inclusivo e denota o sinal e aquilo que é significado ou simbolizado. Para evitar mal-entendido, deve-se ter em mente este uso diferente. Isto explica por que se pode dizer que um descrente pode receber, e, todavia, não receber o sacramento. Não o recebe no sentido pelo da palavra. O objeto externo do sacramento inclui, não somente os elementos que se usam, a saber, água, pão e vinho, mas também o rito sagrado, aquilo que se faz com estes elementos. Segundo este ponto de vista externo, a Bíblia denomina os sacramentos sinais e selos, Gn 9.12, 13; 17.11; Rm 4.11.

2. A GRAÇA ESPIRITUAL INTERNA, SIGNIFICADA E SELADA. Os sinais e selos pressupõem algo que é significado e selado e que geralmente é chamado matéria interna do sacramento. Esta é variadamente indicada na Escritura como aliança da graça, Gn 9.12, 13; 17.11, justiça da fé, Rm 4.11, perdão dos pecados, Mc 1.4: Mt 26.28, fé e conversão, Mc 1.4; 16.16, comunhão com Cristo em Sua morte e ressurreição, Rm 6.3, e assim por diante. Declarada resumidamente, pode-se dizer que consiste de Cristo e todas as Suas riquezas espirituais. Os católicos romanos a vêem na graça santificante acrescentada à natureza humana, capacitando o homem a praticar boas obras e a subir às alturas da visio Dei (visão de Deus). Os sacramentos não significam meramente uma verdade geral, mas uma promessa dada a nós e por nós aceita, e servem para fortalecer a nossa fé com respeito à realização dessa promessa, Gn 17.1-14; Ex 12.13; Rm 4.11-13. eles representam visivelmente e aprofundam a nossa consciência das bênçãos espirituais da aliança, da purificação dos nossos pecados e da nossa participação na vida que há em Cristo, Mt 13.11; Mc 1.4, 5; 1 Co 10.2, 3, 16, 17; Rm 2.28, 29; 6.3, 4; Gl 3.27. Como sinais e selos, eles são meios de graça, isto é, meios pelos quais se fortalece a graça interna produzida no coração pelo Espírito Santo.

3. UNIÃO SACRAMENTAL ENTRE O SINAL E AQUILO QUE É SIGNIFICADO. Geralmente se lhe chama forma sacramenti, forma dos sacramentos (forma significando aqui essência), porque é exatamente a relação entre o sinal e a coisa significada que constitui a essência do sacramento. Segundo o conceito reformado (calvinista), esta (a) não é física, como pretendem os católicos romanos, como se a coisa significada fosse inerente ao sinal e o recebimento da matéria externa incluísse necessariamente a participação na matéria interna; (b) nem local, como a descrevem os luteranos, como se o sinal e a coisa significada estivessem presentes no mesmo espaço, de sorte que tanto os crentes como os incrédulos recebessem o sacramento completo ao receberem o sinal; (c) mas espiritual, ou como o expressa Turretino, moral e relativa , de modo que, quando o sacramento é recebido com fé, a graça de Deus o acompanha. Conforme este conceito, o sinal externo torna-se um meio empregado pelo Espírito Santo na comunicação da graça divina. A estreita relação existente entre o sinal e a coisa significada explica o emprego daquilo que geralmente se chama “linguagem sacramental”, na qual o sinal é mencionado em lugar da coisa significada, ou vice-versa, Gn 17.10; At 22.16; 1 Co 5.7.

D. Necessidade dos Sacramentos

Os católicos romanos afirmam que o batismo é absolutamente necessário para todos, para a salvação, e que o sacramento da penitência é igualmente necessário para aqueles que cometeram pecado mortal depois do batismo; mas que a confirmação, a eucaristia e a extrema unção são necessárias somente no sentido de que foram ordenadas e são eminentemente úteis. Por outro lado, os protestantes ensinam que os sacramentos não são absolutamente necessários para a salvação, mas são obrigatórios em vista do preceito divino. A negligência voluntária do seu uso redunda no empobrecimento espiritual e tem tendência destrutiva, precisamente como acontece com toda desobediência persistente a Deus. Que não são absolutamente necessários para a salvação, segue-se: (1) do caráter espiritual e livre da dispensação do Evangelho, na qual Deus não prende a Sua graça ao uso de certas formas externas, Jo 4.21, 23; Lc 18.14; (2) do fato de que a Escritura menciona unicamente a fé como condição instrumental da salvação, Jo 5.24; 6.29; 3.36; At 16.31; (3) do fato de que os sacramentos não originam a fé, mas a pressupõem, e são ministrados onde se supõe a existência da fé, At 2.41; 16.14, 15, 30, 33; 1 Co 11.23-32; e (4) do fato de que muitos foram realmente salvos sem o uso dos sacramentos. Pensemos nos crentes anteriores ao tempo de Abraão e no ladrão penitente na cruz.

E. Os Sacramentos do Velho e do Novo Testamento Comparados

1. SUA UNIDADE ESSENCIAL. Roma alega que há diferença essencial entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Ela afirma que, à semelhança de todo o ritual da antiga aliança, seus sacramentos também eram meramente típicos. A santificação produzida por eles não era interna, mas apenas legal, e prefigurava a graça que haveria de ser conferida ao homem no futuro, em virtude da paixão de Cristo. Isso não significa que nenhuma graça interna acompanhava o uso deles, mas simplesmente que isso não era efetuado pelo sacramento propriamente dito, como acontece na nova dispensação. Eles não tinham eficácia objetiva, não santificavam o participante ex opere operato, mas unicamente ex opere operantis, isto é, por causa da fé e caridade com que eram recebidos. Uma vez que a plena concretização da graça tipificada por aqueles sacramentos dependia da vinda de Cristo, os santos do Velho Testamento foram encerrados no Limbus Patrum (Limbo dos Pais) até Cristo os tirar de lá. A verdade, porém, é que não há diferença entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Provam-no as seguintes considerações; (a) em 1 Co 10.1-4 Paulo atribui à igreja do Velho Testamento aquilo que é essencial nos sacramentos do Novo testamento; (b) em Rm 4.11 ele fala da circuncisão de Abraão como selo da justiça da fé; e (c) em vista do fato de que eles representam as mesmas realidades espirituais, os nomes dos sacramentos de ambas as dispensações são utilizados uns pelos outros: a circuncisão e a páscoa são atribuídas à igreja do Novo Testamento, 1 Co 5.7; Cl 2.11, e o batismo e a Ceia do Senhor à igreja do Velho Testamento, 1 Co 10.1-4.

2. SUAS DIFERENÇAS FORMAIS. Não obstante a unidade essencial dos sacramentos das duas dispensações, há certos pontos de diferença. (a) Em Israel os sacramentos tinham um aspecto nacional em acréscimo à sua significação espiritual como sinais e selos da aliança grega. (b) Ao lado dos sacramentos, Israel tinha muitos outros ritos simbólicos, tais como as ofertas e as purificações, que no essencial concordavam com os seus sacramentos, ao passo que os sacramentos do Novo Testamento estão absolutamente sós. (c) Os sacramentos do Velho Testamento apontavam para Cristo no futuro, e eram os selos da graça que ainda teriam que ser merecidas, ao passo que os do Novo testamento apontam para Cristo no passado e o Seu sacrifício de redenção já consumado. (d) Em harmonia com o conteúdo total da dispensação do Velho Testamento, a porção da graça divina que acompanhava o uso dos sacramentos do Velho Testamento era menor do que a que atualmente se obtém mediante o confiante recebimento dos sacramentos do Novo Testamento.

F. Número dos Sacramentos

1. NO VELHO TESTAMENTO. Durante a antiga dispensação havia dois sacramentos, quais sejam, a circuncisão e a páscoa. Alguns teólogos reformados (calvinistas) eram de opinião que a circuncisão originou-se em Israel e foi auferido deste povo da aliança por outras nações. Mas agora é patentemente claro que esta posição é insustentável. Desde os tempos mais primitivos, os sacerdotes egípcios eram circuncidados. Além disso, a prática da circuncisão se acha em muitos povos da Ásia, da África e até da Austrália, e é muito improvável que todos a tenham derivado de Israel. Todavia, somente em Israel ela se tornou um sacramento da aliança da graça. Como pertencente à dispensação do Velho Testamento, era um sacrifício cruento, simbolizando a excisão da culpa e da corrupção do pecado, e constrangendo as pessoas a deixarem que o princípio da graça de Deus penetrasse suas vidas completamente. A páscoa também era um sacrifício cruento. Os israelitas escaparam do destino dos egípcios com sua substituição por um sacrifício, que foi um tipo de Cristo, Jo 1.29, 36; 1 Co 5.7. A família salva comeu o cordeiro que fora imolado, simbolizando assim um ato assimilativo de fé, muito parecido com o ato de comer o pão na Ceia do Senhor.

2. NO NOVO TESTAMENTO. A igreja do Novo Testamento também tem dois sacramentos, a saber, o batismo e a Ceia do Senhor. Em harmonia com a nova dispensação em seu conjunto global, eles são sacramentos incruentos. Contudo, simbolizam as mesmas bênçãos espirituais que eram simbolizadas pela circuncisão e pela páscoa na antiga dispensação. A igreja de Roma aumentou para sete o número dos sacramentos de maneira totalmente infundada. Aos dois que foram instituídos por Cristo ela acrescentou a confirmação, a penitência, a ordenação, o matrimônio e a extrema unção. Ela procura base bíblica para a confirmação em At 8.17; 14.22; 19.6; Hb 6.2; para a penitência em Tg 5.16; para a ordenação em 1 Tm 4.14; 2 Tm 1.6; para o matrimônio em Ef 5.32; e para a extrema unção em Mc 6.13; Tg 5.14. Pressupõe-se que cada um destes sacramentos comunica, em acréscimo à graça geral da santificação, uma graça sacramental especial, diferente em cada sacramento. Esta multiplicação dos sacramentos criou uma dificuldade para a igreja de Roma. Geralmente se admite que, para serem válidos, precisam ter sido instituídos por Cristo; mas Cristo instituiu apenas dois. Conseqüentemente, ou os outros não são sacramentos, ou o direito de instituí-los terá que ser atribuído aos apóstolos também. Na verdade, antes do Concílio de Trento, muitos asseveravam que os cinco adicionais não foram instituídos diretamente por Cristo, mas por meio dos apóstolos. Todavia, aquele concílio declarou ousadamente que todos os sete sacramentos foram instituídos pessoalmente por Cristo, e, desse modo, impôs à teologia da sua igreja uma tarefa impossível. É um ponto que tem que ser aceito pelos católicos romanos com base no testemunho da igreja, mas que não de vê ser comprovado. 

Fonte: Teologia Sistemática, Louis Berkhof, Editora Cultura Cristã, p. 569-573. Visto em Eleitos de Deus, e divulgado pelo Olhar Reformado.

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