terça-feira, 4 de setembro de 2012

EDUCAÇÃO MINISTERIAL – UMA PERSPECTIVA PAULINA

Por Isaltino Gomes Coelho Filho

“A teologia é coisa demasiadamente importante para deixá-la nas mãos dos teólogos profissionais” (Ward Gasque). Ela é patrimônio de todos os crentes e não apenas da academia teológica. A academia se apossou da teologia e a sofisticou e complexizou. A doutrina do Espírito Santo se tornou Pneumatologia. Mas a teologia é pecúlio de toda a igreja e não pode ser elitizada e transformada em discurso incompreensível e alheio às necessidades da igreja. Não é para diletância de um grupo.

A igreja tende a se afastar das Escrituras e traçar seus caminhos. Ela copia o mundo. Por exemplo, a vida administrativa e prática da igreja têm sido analisadas pelo ângulo gerencial, mais que pelos carismas neotestamentários. Igualmente, a teologia tem sido pautada por pensadores seculares mais que pelas Escrituras. Lembro-me de uma frase de Kierkegaard: “A teologia, cheia de ademanes, chega à janela e, mendigando os beneplácitos da filosofia, oferta-lhe os seus encantos”1. Ele criticou a subordinação da Teologia à Filosofia. No seu estilo de combate do hegelianismo em particular e à Filosofia em geral, diz: “Entender Hegel deve ser muito difícil, mas entender Abraão, que facilidade!”2. Muita gente vive na mesma situação combatida pelo pensador dinamarquês: gosta do complexo e do difícil. A simplicidade das Escrituras não as atrai, pois são banais. A leitura da Bíblia passou a ser feita pela cultura secular. Em muitos segmentos ela não interpreta o mundo, mas é interpretada por ele. A cosmovisão deixa de ser bíblica e se torna mundana. A Bíblia não é pregada e quando o é, sua análise é superficial. Há autênticos discursos seculares com tintura bíblica. Os apóstolos se assustariam se entrassem em algumas igrejas evangélicas de hoje, onde o Novo Testamento é premeditadamente ignorado, Jesus não é pregado e a cruz sequer mencionada. Menos ainda a ressurreição.

Exatamente pela dificuldade da Igreja em se pautar pelas Escrituras (a não ser por partes dela que lhe sejam convenientes) muito de nossa pedagogia é secular. O ministério pastoral em particular e o ministério cristão em geral são formatados secularmente. Nossa formação de obreiros alega ter conteúdo religioso, mas sua forma é secular. Prova disso é a visão do MEC em seu desejo de que a educação teológica dos seminários por ele reconhecidos tivesse a “exclusão da transcendência”3. Algo semelhante a um curso de Medicina com “exclusão do corpo humano”. Felizmente a ABIBET se posicionou contra esta incongruência. Mas a secularização ronda a educação teológica. Não apenas pelo MEC, mas por causa do nosso estilo secularizante de vida.

Ressabia-me que nosso ensino teológico seja formatado por correntes pedagógicas seculares. Quero propor a pedagogia de Paulo. Está em 2Timóteo 2.2: “E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros”.

A pedagogia paulina começa com o conteúdo da fé cristã, não com teorização secularizante sobre os fatos da fé. “O que de minha parte ouvistes”. O que Timóteo ouviu de Paulo? Por certo que não banalidades ou generalidades. Nem pinceladas da cultura secular. Este é o homem que Stott disse ser “intoxicado de Cristo”. Cristo era a sua obsessão (1Co 2.2). A educação teológica falhará se não formar pessoas cheias de Cristo, empolgadas com ele, mais entusiasmadas pelo seu evangelho que por outros aspectos. Um obreiro costumava citar determinado pensador duas ou três vezes em cada sermão. Certo dia, nos cumprimentos pós-culto, um membro da igreja se queixou disso e o pastor lhe disse: “Irmão, sou apaixonado por Fulano (o pensador)”. O irmão lhe disse: “Pastor, seja apaixonado por Jesus Cristo!”. É triste quando o rebanho tem que mostrar ao pastor, formado em um seminário, qual deve ser o tema de sua pregação. A educação teológica precisa formar pessoas cristificadas (dando outro sentido ao termo de Chardin).

A pedagogia paulina é pessoal e relacional, não livresca: “O que de mim ouviste”. Ninguém poderá me acusar de ser antilivro, mas o foco é na pessoalidade do ensino. Homens intoxicados de Cristo intoxicam outros de Cristo. O conteúdo de muitos púlpitos revela uma impressionante ausência de Cristo. Um mestre teológico deve saber lidar com pessoas e deve ter o que dizer. Deve passar uma fé verdadeira e autêntica. Homens de fé tíbia e dúbia não devem ocupar cadeiras em seminários.

A pedagogia de Paulo requer que o aluno tenha caráter: “transmite a homens fiéis e também idôneos”. “Fiéis” é pistós, a pessoa que mantém a fé com que se comprometeu, alguém digno de confiança. É preciso terminar com a ideia de que a educação ministerial é para sacudir as pessoas. Ela é para fortalecer para o testemunho. Ela produz fortalecimento da fé. Estudos teológicos que enfermam foram ministrados por homens enfermos. A teologia não afasta de Deus, mas aproxima. O verdadeiro teólogo não semeia dúvidas, mas aprofunda convicções. Teólogo não apenas fala de Deus como Ele, mas principalmente como Tu. “Tenha em mente que a primeira vez que alguém falou de Deus na terceira pessoa (falou sobre Deus, e não mais com Deus), foi no momento em que soou a famosa pergunta: ‘É assim que Deus disse…? (Gn 3.11). Este fato deveria fazer-nos pensar”4. Teologia não pode deixar de ser vida.

“Idôneos” é hiskanos, “suficiente”, “suficiente em habilidade”. A pedagogia paulina visava instrumentalizar o obreiro para o trabalho. Há obreiros que sequer sabem dirigir um culto! Fui convidado para pregar em um culto evangelístico e após a mensagem deu-se a palavra a um “grupo de louvor” que trouxe três mensagens agitadas, de letra pouco compreensível, quebrando todo o ambiente estabelecido, e depois se fez um apelo para as pessoas aceitarem a Cristo. Como? Há pregadores que sequer sabem se expressar em seu idioma!

A pedagogia paulina busca capacitar o homem fiel para exercer seu ministério com competência. Não basta boa vontade.

“Para instruir a outros”. A pedagogia de Paulo pensa em reprodução, em formação sequencial de outros obreiros. O ministro não é o “faz tudo”, mas o treinador de outros. Ele alimenta outros, capacita outros, e assim faz seu trabalho render mais. A igreja é também um pecúlio de todos e não dos ministros. Os ministros treinam outros. A pedagogia paulina é para formar obreiros que se reproduzem em obreiros. A educação teológica não é para formar críticos do sistema, mas obreiros que formem obreiros, numa constante preparação de gente para o serviço. Intriga que com tantos seminários e tanta ênfase na educação teológica, haja muitas igrejas e congregações sem pastores. Muitos se aglomeram nos grandes centros urbanos, esperando um pastorado ficar vago. Poucos querem ir para o campo. No Amapá há várias congregações sem pastores, mas em grandes cidades e nos estados com mais conforto, sobram obreiros. Falta cristificação e faltam homens intoxicados de Cristo, que devem ser metas da educação teológica.

Parece irreal? É demais para um versículo só? Se for pela quantidade de versículos, é mais que os modelos que tenho visto, sem versículo algum. Mas a questão não é a quantidade de versículos nem o biblicismo. É o fato de que era assim que Paulo treinava obreiros. Algumas diretrizes são imprescritíveis: o conteúdo (a fé histórica, a tradição cristã enraizada no Novo Testamento), a pessoalidade (não livresca nem na base de monografias e pesquisas, mas do ensino pessoal e transmissão de experiência – o que o MEC não consegue habilitar), e capacitando para o testemunho, não para o diletantismo.

Receio que a educação teológica esteja se sofisticando, tornando-se hermética, afastando-se das igrejas (que por isso se afastam dos seminários), mais centrada em treinar pessoas para repartir o conteúdo da fé cristã. Se a educação teológica for ministrada para produzir os mesmos resultados da secular, perdeu a razão de ser. Os seminários não devem estranhar se as igrejas os abandonarem e se ele se tornarem desinteressantes para os vocacionados. Necessitamos recuperar a visão paulina. Ele foi um grande missionário, grande treinador de obreiros e um grande teólogo. Não foi um falastrão teológico. Ele é o modelo do pedagogo teológico. Seu método merece ser pensado.

Notas
1 KIERKEGAARD, Sören. Temor e tremor. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, p. 48.
2 Idem.
3 Conforme consta do “Livro do mensageiro” da 91ª. Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 231.
4 THIELICKE, Helmuth. Recomendações aos jovens teólogos e pastores. S. Paulo: Sepal, 1990, p. 59.

 

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