Ana Chagas
"Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem." (Jó 42.5)
Quantos de nós, ao passar por tribulações já não ouviu alguém acusar:
"Você só está passando por isso porque está em pecado, ou seja, em
desobediência". Ou ainda: " Você ainda está assim por falta de fé."? Jó
passou por situação parecida, e com muito mais intensidade do que nós,
certamente.
Geralmente as pessoas, ao lembrarem ou citarem Jó, só se referem à sua
paciência, mas é necessário observar aí, não apenas as características e
reações humanas, mas também algo maravilhoso que se revela neste livro:
Os eternos e perfeitos atributos de Deus que se destacam em todo o
decorrer da trajetória de Jó e seu desfecho. Deus reina eternamente
absoluto, e em momento algum perde o controle da situação, mas exerce
soberania mesmo em meio à angústia de Jó.
Gostaria de compartilhar algumas lições que podemos extrair da narrativa da vida de Jó:
1- Deus vê em Jó um homem crente, temente a Ele, reto, íntegro, se desviava do mal (Jó
1.1, 5, 8, 20-22; 2.3, 9,10). Não resta dúvidas acerca da vida íntegra
que Jó buscava viver para agradar a Deus. Não falo aqui de uma busca
acirrada por viver uma vida moralmente correta apenas para manter uma
reputação diante dos homens e engrandecimento do nome do homem e de sua
família, mas falo de um homem que buscava agradar unica e exclusivamente
a Deus com a sua vida e com a vida de sua família, pois ele vivia e os
criava no temor do Senhor.
2- Ao contrário do que alguns têm ensinado por aí, Deus permite sim o
sofrimento do crente mesmo que ele não esteja necessariamente "em
pecado" (Jó 2. 3). Estar em pecado significa estar pecando deliberadamente, consciente de
que está pecando e, ainda assim, permanecendo sem arrepender-se e sem
confessar seu pecado diante de Deus; o que não
estava acontecendo com Jó, pelo contrário, o próprio Deus deu bom
testemunho acerca de Jó: "viste meu servo Jó? Homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal." (Jó 1.8).
(Embora todos ainda permaneçamos no corpo desta carne pecaminosa
contaminada lá no Édem após a desobediência, os salvos já não estão
mais sob o domínio do pecado, pois o seu espírito já está justificado
eternamente por meio da morte expiatória/vicária de Cristo, a qual
alcançou tanto os que morreram na promessa quanto todos nós que seríamos
acrescentados até a volta do Senhor, e isso inclui o nosso irmão Jó).
Porém, também há casos em que, de fato, o crente passa por dificuldades
por causa de seus pecados, ou seja, é a lei da semeadura: "Aquilo que o homem semear, isto também ceifará." (Gl 6.7).
3- Deus permite que o inimigo nos toque, porém, de forma limitada (Jó
1.9, 12; 2.6) Embora Deus permita que o inimigo nos toque, Ele
permanece plenamente soberano, pois o inimigo de nossas almas só pode ir
até onde o Senhor lhe permite. Por isso podemos lembrar aqui das
palavras do Apóstolo Paulo quando diz: "Não
vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não
permitirá que sejais tentados além das vossas forças, pelo contrário,
juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a
possais suportar." (1 Co 10.13). Quando passamos por provações,
por exemplo, na área das finanças, somos tentados à desonestidade, ao
famoso "jeitinho brasileiro"; a tirar o dinheiro de coisas essenciais
para jogar ou fazer apostas, e isso sob o falso argumento de Satanás e
da própria mente humana: "todos fazem isso... Por que não eu?".
Se estamos passando por dificuldades no relacionamento conjugal, a
primeira tentação que surge é: "Lá fora tem alguém que pode me
satisfazer perfeitamente, por que tenho que aguentar isso?" ou ainda
surge diante de você uma pessoa enviada como um prato daqueles bem
decorados, com tudo que tem direito, que só de olhar você já está
pecando. É neste momento que precisamos lembrar que Jó teve muitas
oportunidades de pecar contra Deus, de blasfemar, de amaldiçoar ao
Senhor, de tirar sua própria vida em meio a tanta provação, dor,
desprezo (Jó 1.13-22; 2.7-10); porém, Jó sabia em quem cria: "Porque eu sei que o meu redentor vive e por fim se levantará sobre a terra."
(Jó 19.25) e se abrigou em Deus para não pecar contra Ele. Como eu e
você podemos nos abrigar em Deus para não pecar contra Ele? Mantendo
constante vida de oração e leitura de sua Santa palavra- a Bíblia e
aplicando-a no nosso cotidiano.
4- Por meio da provação, Deus nos molda para a glória do seu Nome. Jó reconheceu esse fato: "Mas Ele sabe o meu caminho; se Ele me provasse, sairia eu como ouro." (Jó
23.10). Sabe qual é o tempo em que o crente se torna mais quebrantado
na presença de Deus? É quando ele está na prova, sendo moldado nas mãos
do oleiro, dói aqui, dói ali, mas o resultado será o engrandecimento da
glória de Deus. Alguém já indagou: "Que Deus é esse que permite o
sofrimento do homem para a sua glória? Não seria presunçoso e
manipulador?" Eu compreendo que, se Deus deseja que vivamos para a sua
glória, como o Apóstolo Pedro diz: "[...] Ele nos chamou para a sua própria glória e virtude."
(1 Pe 1.3), precisamos glorificá-lo, não apenas nas situações
cotidianas de momentos de calmaria, mas, principalmente, aprendermos a
glorificá-lo também em meio ao sofrimento; não é que só o faremos em
meio ao sofrimento, mas que, conseguiremos entender que, mesmo em meio a
estes momentos, Deus continua sendo Deus, e portanto, digno de nossa
adoração, e não de murmuração e revolta, como fazemos muitas vezes,
desagradando ao Senhor e sendo reprovados. Queiramos ser aprovados; não
clamemos para sair logo da crise, mas clamemos, primeiramente para que
saiamos dela mais maduros na fé, mais sábios, mais quebrantados, mais
adoradores, mais achegados ao Senhor e mais obedientes, para a glória do
seu Nome, cumprindo assim o propósito para o qual fomos criados. Jó
entendia que Deus permitiu porque tinha um propósito: que Jó saisse da
prova como ouro. O ouro sofre até ficar puro, mas todo aquele processo é
necessário.
5- A provação amplia a visão do crente acerca da Soberania de Deus e intensifica a sua vida de adoração a Ele (Jó
12; Jó 42.1-6) Foi exatamente em meio a tanta dor e sofrimento que Deus
se apresentou a Jó. Diz a Palavra de Deus que Deus começa a mostrar a
Jó o seu poder e sua autoridade sobre todas as coisas e que não há
ninguém que o domine ou o impeça (Jó cap. 38 a 41). Jó declara a
soberania de Deus exatamente em meio às provações, e não somente após
sair delas (Jó 23.13-17). Ainda em meio à dor, Jó reconhece o quão pouco
conhecia de Deus antes daquela fase tão difícil (Jó 42.1-6)
6- Deus derruba a Teologia da prosperidade por terra através da história de Jó (Jó 42.10)
- Deus não estabeleceu que o mesmo desfecho que teve a história de Jó seria um padrão para o desfecho da história de todos os crentes. Temos vários exemplos de desfechos bem diferentes na vida de homens e mulheres que serviram a Deus até o fim, dando fiel testemunho da fé cristã, e que, por Fé tiveram sua vitória, que muitos dos que pregam a teologia da prosperidade hoje talvez não a considerem como vitória, pois o que Deus permitiu que tivessem no final das suas vidas pela fé foi morte ao fio de espada, perseguição, escárnios, açoites, algemas, prisões, apedrejamentos, provações, torturas, serrados ao meio, mortos a fio da espada, necessidades, aflições, maltratos (Hebreus 11.36-40-leia também todo o cap. 11). Destes homens e mulheres, diz a Bíblia: "(homens dos quais o mundo não era digno) [...] Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados." (Hb 11.39-40). (Fala da redenção que abrangerá todos os salvos de todas as épocas na glorificação plena do Senhor Jesus, na sua segunda vinda). Observemos que o autor da carta aos Hebreus deixa bem claro que aquilo de superior que Deus tem reservado para nós não se trata de nada que possamos possuir aqui, mas naquilo que temos na eternidade com Deus e que já começamos a desrutar aqui a partir do momento em que somos selados por Deus-Espírito Santo no ato da regeneração. O desfecho que aqueles crentes tiveram em suas vidas não o tiveram porque Deus teria se esquecido deles, ou porque Deus não teria podido livrá-los, ou porque aqueles irmãos estavam em pecado ou mesmo incrédulos, mas por permissão de Deus em sua soberania. Vemos aqui que a questão da prosperidade do crente tem sido distorcida pelos adeptos da Teologia da prosperidade, pois eles são capitalistas, triunfalistas e imediatistas, quando deveriam pregar a prosperidade espiritual como prioridade, e entender que a prosperidade material é secundária, e recebida de Deus se Ele quiser dar, e que, se Ele não quiser dar, continua sendo digno de adoração, e que nós não somos senhores de Deus, mas seus amigos e seus servos, submissos à sua vontade, seja ela qual for. Jó compreendia isso, por isso disse com sinceridade de coração: "Deus me deu, Deus tomou. Louvado seja o nome do Senhor." (Jó 1.21).
- Deus é poderoso para fazer como fez com Jó lhe dando tudo em dobro na vida de quem Ele quiser, como Ele desejar, seja este crente ou não crente; pois tudo pertence ao Senhor para distribuir como quiser, assim é a graça comum; pessoas que não vivem uma vida dedicada a Deus também recebem dons e talentos, o que dizer de cantores famosos de vozes maravilhosas, de músicos talentosos, de artistas plásticos que se destacam, designers que fazem trabalhos maravilhosos, escritores e poetas maravilhosos, ou de empresários que são ótimos administradores, quando há crentes que não sabem administrar bem, ou mesmo não conseguem cantar bem, mesmo sendo crentes? Deus permite que tenham,porém estas coisas não têm em si efeito salvífico, Deus apenas lhes concedeu para que usufruíssem.
- Deus não está limitado a determinações humanas, nem na área financeira (dando sucesso a todo mundo que ofertar a determinado ministério, e porque aquele líder religioso orou e "determinou" a sua vitória, nem na área da salvação (sendo obrigado a salvar toda a família de quem "semear" com a oferta de determinado valor previamente estipulado). Deus age soberanamente em todas as áreas da nossa vida: "No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe apraz." (Salmo 115. 3).
7- Em meio à tribulação Deus gera em nós perseverança, fé e louvor (Jó
42.1,5,6)- Lendo outros textos para corroborar com o que houve na vida
de Jó, encontramos que a tribulação gera a perseverança (Rm 5.3-5); que a
tribulação gera fé, glória e honra para Deus (1 Pe 1.6-7)
Louvemos a Deus mesmo em meio às tribulações e entendamos que Ele é
soberano, que Ele reina eternamente, que todas as coisas estão sujeitas à
sua vontade. E não nos esqueçamos que em tudo quanto Ele nos permite
passar, há um propósito; que enquanto estamos sendo moldados por Ele,
estamos tendo a nossa visão ampliada quanto à sua glória e temos a
oportunidade de crescer mais, de amadurecermos espiritualmente.
Aprendamos com a história de Jó.
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