sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ICAR – JESUS TINHA IRMÃOS? MARIA PERMANECEU VIRGEM PARA SEMPRE?


Se Lutero só aceita aquilo que está claramente estabelecido nas Escrituras, por que ele acredita na virgindade perpétua de Maria? Não há nada que a prove nas Escrituras e, na verdade, Helvídio tomou para si a tarefa de provar o contrário dependendo apenas da autoridade Escritural.
Thomas More, canonizado em 1935 pelo papa pio XI. Em: An Answer to Martin LutherThe Essential Thomas More. 1967. p. 112.[i]
Dentre os dogmas da igreja católica apostólica romana (ICAR) que dizem respeito à Maria mãe de Jesus, vários carecem de base nas Escrituras e por vezes chegam até mesmo a contradizê-las seriamente. Um deles é o de que Maria, uma mulher casada (e não uma deusa casada!), permaneceu virgem durante toda a sua vida.
Afirma-se no catecismo nº 501 que “Maria tem um único filho”, ou seja, Jesus. Logo, de acordo com os dogmas da ICAR, não se pode admitir que ela tenha mantido relações sexuais com José, seu marido, e gerado outros filhos. Ainda se afirma no cânon 2 do segundo concílio de Constantinopla:  Se alguém não confessa que há duas concepções do Verbo de Deus, uma antes dos tempos, do Pai, intemporal e incorporal, e a outra nos últimos dias, concepção da mesma pessoa, que desceu do céu e foi feito carne por obra do Espírito Santo e da gloriosa Genitora de Deus e sempre virgem Maria, e que dela nasceu, seja anátema[ii].
Também é importante conhecer a opinião da ICAR sobre as relações sexuais, mesmo quando se dão no casamento, como se pode ver na sessão 24, cânon 10 do concílio de Trento: Se alguém disser que o estado matrimonial deve ser colocado acima do estado da virgindade ou do celibato, e que não é melhor e mais abençoado permanecer em virgindade ou em celibato do que se unir em matrimônio, que seja anátema[iii].
Normalmente o texto Bíblico utilizado para se justificar isso está em 1 Coríntios 7:25-40. Porém note que logo no início (v. 25) do trecho Paulo deixa claro que está dando sua opinião e não um mandamento do Senhor, ademais, trata-se de uma mensagem específica para uma comunidade com diversos problemas (v. 26 e 28), não necessariamente um dogma a ser seguido por todos os Cristãos e em todos os contextos. Se por um lado um solteiro está livre para se dedicar exclusivamente à obra de Deus, um casado tem a oportunidade de servir ao Senhor dentro do casamento, constituindo uma família Cristã, dando bom testemunho e aplicando os princípios Divinos na resolução de conflitos, educação dos filhos, finanças, vida profissional e etc. Assim, é impróprio criar dogmas nos quais se elevam os clérigos da ICAR em detrimento das outras pessoas. Especialmente se levarmos em conta que Deus diz: “Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda” (Gênesis 2:18). Vemos então que a Bíblia não se contradiz, mas sim que magistério de Roma errou ao interpretá-la com o intuito de justificar seus dogmas.
Tendo isso em mente, os objetivos deste artigo são mostrar que, de acordo com a Bíblia, a melhor interpretação é a de que Maria teve filhos com José, logo, não permaneceu virgem para sempre, ou seja, mais um caso no qual as doutrinas e os dogmas de Roma entram em contradição direta com as Escrituras. Vejamos então:
O SEXO NO CASAMENTO
A leitura da Bíblia nos permite inferir que as relações sexuais são parte essencial do casamento (Gênesis 1:28, Provérbios 5:18-19, 1 Coríntios 7:3-9, Hebreus 13:4 e o Cântico dos Cânticos de Salomão). No contexto do Novo Testamento era um dever cumprir o mandamento de crescer e multiplicar, especialmente para um casal aparentemente sem problemas de saúde e ambos religiosos devotos como pareciam ser José e Maria, que até mesmo recebiam mensagens enviadas por anjos (WITHERINGTON III & SHANKS, 2004). Se Maria foi agraciada por Deus, qual é o problema em ter sido agraciada também em termos de uma vida sexual saudável com seu marido e ter tido outros filhos? Nenhum, a não ser que se imagine Maria como uma deusa na qual José nem mesmo ousaria tocar. Isso não seria idolatria? Pense nisso.
Note inclusive que mesmo antes de o anjo aparecer à Maria e lhe revelar que conceberia um filho sem ter relações sexuais, ela já estava prometida em casamento a José. Isso seria muito estranho caso, como afirmam os romanistas, Maria tivesse desde muito cedo se consagrado a uma vida celibatária. Então a conclusão mais óbvia é que esse casamento seguiria seu curso normal, envolvendo relações sexuais e a geração de filhos, a não ser que se importe supostas revelações e outras crenças externas à Bíblia.
JESUS TINHA IRMÃOS?
O estudo da Bíblia nos permite afirmar que esse provavelmente é o caso:
  • Mateus 13:55-57 – 55 Não é este o filho do carpinteiro? O nome de sua mãe não é Maria, e não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56 Não estão conosco todas as suas irmãs? De onde, pois, ele obteve todas essas coisas?” 57 E ficavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus lhes disse: “Só em sua própria terra e em sua própria casa é que um profeta não tem honra”.
  • Mateus 12:46-47 – 46 Falava ainda Jesus à multidão quando sua mãe e seus irmãos chegaram do lado de fora, querendo falar com ele. 47 Alguém lhe disse: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar contigo”.
  • João 7:2-5 – 2 Mas, ao se aproximar a festa judaica dos tabernáculos, 3 os irmãos de Jesus lhe disseram: “Você deve sair daqui e ir para a Judéia, para que os seus discípulos possam ver as obras que você faz. 4 Ninguém que deseja ser reconhecido publicamente age em segredo. Visto que você está fazendo estas coisas, mostre-se ao mundo”. 5 Pois nem os seus irmãos criam nele.
  • 1 Coríntios 9:5 – Não temos nós o direito de levar conosco uma esposa crente como fazem os outros apóstolos, os irmãos do Senhor e Pedro?[iv]
  • Gálatas 1:19 – Não vi nenhum dos outros apóstolos, a não ser Tiago, irmão do Senhor.
A leitura mais natural do texto em Mateus 13:55-57 é a de um contexto familiar, visto que se menciona o “pai” (José, o carpinteiro), a mãe, os irmãos e as irmãs (GEISLER & MacKENZIE, 1995). Note inclusive que o próprio Jesus afirma que um profeta não tem honra em sua própria casa, ou seja, o contexto indica que se trata de uma família onde só se menciona parentes de 1º e 2º graus (pais e irmãos).
Apesar disso, os romanistas, baseados em Jerônimo, Cristão antigo, afirmam que esse não é o caso, pois em Hebraico e Aramaico, essa, a língua falada por Jesus, não havia um termo distinto para irmãos, primos e parentes próximos. Assim, afirmam que, apesar de ter-se utilizado a palavra irmão nesses casos, trata-se na verdade de primos ou outros tipos de parentes de Jesus. Uma pergunta pertinente seria: há nos textos acima referências sobre tios, primos, avós ou quaisquer outros parentes?
Ademais, o Novo Testamento não foi escrito em Hebraico ou Aramaico, mas sim em Grego, e ainda, sob a inspiração do Espírito Santo de Deus. Lemos irmãos em nossas Bíblias porque ao contrário do Aramaico, a língua Grega possui palavras bem definidas para se referir e diferenciar irmãos, primos e outros parentes próximos.
Assim, a palavra em grego utilizada para se referir aos irmãos de Jesus nos trechos Bíblicos citados acima é adelphos que normalmente quer dizer irmão mesmo (GEISLER & MacKENZIE, 1996). Caso os autores quisessem nos dizer que Jesus tinha primos, poderiam ter utilizado o termo anepsios (Colossenses 4:10). Se quisessem apenas se referir a eles como parentes próximos, poderiam ter utilizado o termo suggenes (Lucas 1:36). Aparentemente, adelphos não é utilizada no NT para se referir a primos ou parentes e os termos irmão e irmã aparecem várias vezes, sempre indicando irmãos e irmãs consangüíneos (Marcos 1:16, 1:19, 13:12, João 11:1-2, Atos 23:16 e Romanos 16:15) (GEISLER & MacKENZIE, 1996).
Ainda mais interessante é que Hegésipo, escritor Cristão do século II (cuja obra, foi, em parte, preservada por Eusébio, bispo de Cesaréia e historiador do século IV), distingue claramente os termos para se referir aos primos (anepsioi) de Jesus e seus irmãos, no caso, Tiago e Judas (WITHERINGTON III & SHANKS, 2004. De acordo com o autor: Hist.Eccl. 4.22.4, 2.23.4 e 3.20.1).
Pode-se ainda argumentar que o termo irmãos não necessariamente indica apenas os irmãos consangüíneos, mas também irmãos na fé ou compatriotas. Isso realmente é verdade, porém, não é problema, tendo em vista que o contexto nos permite diferenciar qual é o significado (Mateus 12:48-50). Um bom exemplo é o da relação entre Abraão e Ló, esse era sobrinho daquele (Gênesis 12:5), porém, também são chamados irmãos (Gênesis 13:8). Outra interpretação, preferida pelos ortodoxos e historiadores seculares é a de que José era um viúvo bem mais velho que Maria e os filhos mencionados seriam de seu primeiro casamento. Essa segunda visão, defendida por Epifânio, outro Cristão antigo, será discutida posteriormente.
De qualquer forma, os romanistas ainda alegam que esses casos citados seriam exceções, afirmam que um dos 12, Tiago “Menor”, filho de Alfeu, seria a mesma pessoa chamada de Tiago “Irmão do Senhor”, que a Maria esposa de Clopas, mãe de outros Tiago e José, mencionada em Mateus 27:56, Marcos 15:40 e João 19:25 é a Maria mãe dos irmãos/primos de Jesus em  Mateus 13:55, e, por último, que se Jesus tivesse irmãos, nunca teria entregado sua mãe aos cuidados de João (João 19:26-27), pois assim estaria desrespeitando a Lei de Moisés, que o obrigaria a deixá-la com seus irmãos.
Novamente, as explicações são simples e mostram que os argumentos romanistas são fabricações motivadas pela necessidade de se defender um dogma que não encontra base nas Escrituras.
Em primeiro lugar, nomes como José, Tiago, Maria e outros eram muito comuns naquele contexto e uma forma de se diferenciar as pessoas eram os qualitativos, por exemplo, fulano filho de A para diferenciar de fulano filho de B; apelidos, como o de Simão “Pedro”, Tiagos “Maior” e “Menor” e também indicativos do local de origem, tipo Jesus de Nazaré (WITHERINGTON III & SHANKS, 2004). Logo, podemos distinguir alguns Tiagos[v] e Marias no NT:

Casal
Filhos
Passagens
Marido
Esposa
1
José
Maria
Jesus
Tiago Irmão do Senhor
José
Simão
Judas
Mt 13:55-57
2
Zebedeu
Salomé
João
Tiago Maior



Mt 20:20; Mc 15:40; Mc 16:1;
3
Alfeu
Maria

Tiago Menor



Jo 19:25
4
Clopas*
Maria
José
Tiago
Simão**


Jo 19:26-27; Lc 24:18
*De acordo com Hegésipo, Clopas (ou Cléopas) era primo de José “pai” de Jesus.
**De acordo com Hegésipo, esse casal também tinha esse filho chamado Simão que foi o segundo bispo de Jerusalém. Nascido posteriormente? Ver também a tabela disponível em:

O Tiago irmão de Jesus não poderia ter sido Tiago Menor, filho de Alfeu e nem Tiago Maior, filho de Zebedeu, pois de acordo com a Bíblia:
  • João 7:2-5 – 2 Mas, ao se aproximar a festa judaica dos tabernáculos, 3 os irmãos de Jesus lhe disseram: “Você deve sair daqui e ir para a Judéia, para que os seus discípulos possam ver as obras que você faz. 4 Ninguém que deseja ser reconhecido publicamente age em segredo. Visto que você está fazendo estas coisas, mostre-se ao mundo”. 5 Pois nem os seus irmãos criam nele.
  • 1 Coríntios 15:5-8 – 5 e [Jesus] apareceu a Pedro e depois aos Doze. 6 Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido. 7 Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos; 8 depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo.
Logo, de acordo com o trecho em João, como Tiago Menor e Tiago Maior poderiam fazer parte do grupo dos 12 discípulos mais próximos de Jesus, se não criam nele? Não há qualquer indicação na Bíblia de que eles fossem como Judas Iscariotes, então, nenhum desses dois Tiagos era o Irmão do Senhor. E de acordo com o trecho em 1 Coríntios, pra que Paulo mencionaria que Jesus apareceu aos 12, dos quais faziam parte os dois Tiagos apóstolos (v. 5), e depois, no v. 7, menciona um Tiago em destaque e depois os apóstolos restantes? Isso indica que possivelmente esse Tiago mencionado não era um apóstolo e ele nem mesmo é qualificado como Tiago Maior, Menor ou qualquer coisa. Inclusive, afirma-se que Tiago (irmão) pode ter se tornado um crente graças a essa aparição (BAUCKHAM, 2001).
Outro argumento seria o de que, até onde se sabe, Tiago Menor, filho de Alfeu não teve qualquer proeminência na Igreja primitiva, inclusive sem ter deixado nada escrito, ao contrário do Tiago Irmão de Jesus (MacARTHUR, 2004). Já Tiago Maior, filho de Zebedeu, morreu martirizado (Atos 12:1-3) antes do martírio de Tiago Irmão de Jesus (ca. 62 DC) (BAUCKHAM, 1999).
Falta descartar outro Tiago. Para isso é preciso demonstrar que a Maria mulher de Clopas e Maria mulher de Alfeu não eram a mesma pessoa. Ou em outras palavras, que Alfeu e Clopas não eram a mesma pessoa. Vários, se não a maioria dos argumentos romanistas em favor da virgindade perpétua de Maria assumem que Alfeu e Clopas eram um mesmo indivíduo. Porém, Lucas menciona tanto Clopas (Lucas 24:18) quanto Alfeu (Lucas 6:15 e Atos 1:13). Então qual seria a justificativa para um mesmo autor (inspirado pelo Espírito Santo de Deus!) usar dois nomes gregos distintos pra se referir à mesma pessoa (BAUCKHAM, 2004)?
A própria enciclopédia católica nos fornece informações para crermos que não são a mesma pessoa:
Entretanto, etimologicamente, a identificação dos dois nomes [Alfeu e Clopas] oferece sérias dificuldades: (1) Embora a letra Heth ocasionalmente seja usada em Grego como Kappa nos finais e meios das palavras, muito raramente é usada nos começos, onde a pronúncia aspirada da letra h é melhor protegida; porém, alguns exemplos disso são dados por Levy (Sem. Fremdwörter in Griech.); mas (2) mesmo se essa dificuldade fosse resolvida, Clopas pressupõe o aramaico Halophai, e não Halpai. (3) as versões Siríacas substituem o Grego Clopas com um Qoph e não com um Heth, como fariam naturalmente caso tivessem consciência da identidade de Clopas e Halpai; para Alfeu se utiliza Heth (e Aleph, ocasionalmente). [...] a questão da identidade de Alfeu e Clopas ainda está em aberto. (http://www.newadvent.org/cathen/04048b.htm – Acesso em 12 de Abril de 2011).
Mas há graves dificuldades em se identificar Alfeu e Cleopas dessa forma. Em primeiro lugar, São Lucas, que menciona Cleopas (24:18), também menciona Alfeu (6:15 e Atos 1:13). Podemos nos questionar se ele seria culpado de um uso tão confuso dos nomes, se eles se referissem à mesma pessoa. Novamente, enquanto Alphas é o equivalente do Aramaico, não é fácil ver como a forma Grega se tornou Cleopas, ou mais corretamente, Clopas. (http://www.newadvent.org/cathen/09748b.htm – Acesso em 12 de Abril de 2011).
Porém isso nos leva a pensar, caso analisemos os textos, que havia duas irmãs com o nome de Maria. Isso não seria impossível, mas, uma explicação melhor é a de que essas Marias não eram irmãs, mas sim cunhadas (em inglês é mais fácil entender o sentido: sisters-in-law), sendo que os irmãos na verdade seriam José “pai” de Jesus e Clopas (BAUCKHAM, 2004; WITHERINGTON III & SHANKS, 2004).
Por último, sobre Jesus ter errado ao deixar Maria aos cuidados de João e não de outro irmão, como alegam os romanistas, é só ler o que Jesus diz em Mateus 12:49-50, sobre quem são seus irmãos e afins: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Pois quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe“. Levando em consideração o fato de que os irmãos de Jesus ainda não criam nele, Jesus não cometeu erro algum ao deixar Maria sob os cuidados de João. Pode-se ainda especular que talvez ele tenha feito isso com o objetivo de abençoar João, o “filho do trovão” (Boanerges). É possível que tomando conta de Maria ele viesse a se tornar menos filho do trovão e mais filho de Deus (veja porque, por exemplo, em Marcos 9:38 e Marcos 10:35-37).
Foram tratadas as principais alegações dos romanistas. Vejamos a seguir os argumentos dos ortodoxos:
JOSÉ, O CARPINTEIRO CASCA-GROSSA
Em resumo, a hipótese preferida pelos ortodoxos é a visão de Epifânio: José era um viúvo e todos os seus filhos (Tiago, José, Simão, Judas, Salomé e Maria) seriam de seu primeiro casamento. Acredita-se que teve seu primeiro filho aos 40 anos e já tinha pelo menos 80 anos quando se casou com Maria (BAUCKHAM, 2004).
Um primeiro ponto que se deve destacar o seguinte: essa visão surgiu no século II, aparecendo não nos textos canônicos, mas sim nos apócrifos: no proto-evangelho de Tiago, no evangelho de Pedro (em uma parte perdida) e no evangelho de Tomé (BAUCKHAM, 2004; WITHERINGTON III & SHANKS, 2004). Ademais, essas obras parecem ter origem Síria, onde se enfatizavam práticas ascéticas que divergiam daquelas das visões dos Judeus e Cristãos da Jerusalém do século I (WITHERINGTON III & SHANKS, 2004). Também se afirma que o proto-evangelho de Tiago tem um interesse claro em glorificar Maria como uma virgem consagrada (BAUCKHAM, 2004). Mas como já vimos, uma virgem consagrada não poderia ter sido prometida em casamento a José.
Outro ponto interessante é o de que, aparentemente, essa é a visão preferida para alguns estudiosos que parecem botar os textos apócrifos em pé de igualdade com os canônicos, porém, mesmo assim, esses especialistas afirmam que Simão e Judas eram filhos de Maria e José[vi]. Logo, nem assim Maria poderia ter permanecido virgem para sempre.
De qualquer forma, analisando os textos canônicos, supor que José fez nada mais que assumir o papel de protetor de Maria não faz muito sentido. Primeiro porque esses supostos filhos e filhas de José, mais velhos que Jesus, não são mencionados em nenhum momento nas porções iniciais dos Evangelhos, referentes ao nascimento e infância de Jesus. Especialmente no caso da ida à Jerusalém (Lucas 2:41-52), como eram todos mais velhos que Jesus e faziam parte de uma família devota, definitivamente teriam ido para participar do festival (WITHERINGTON III & SHANKS, 2004). Em segundo, José teria de estar trabalhando como carpinteiro na velhice, para ensinar Jesus e ainda sustentar a família, assim, com mais de 80 anos de idade, naquele contexto, você consegue imaginar um senhor de idade serrando madeira ou conduzindo uma mulher grávida para o Egito?
Se essa visão estiver certa, somos obrigados a crer que, além de José, Tiago (irmão) também seria um velhinho casca-grossa. Se ele nasceu quando José tinha 40 anos, quando Jesus Nasceu ele teria por volta de 60, e, quando foi martirizado em 62 DC, já teria passado dos 100 (WITHERINGTON III & SHANKS, 2004).
Talvez em parte a aceitação dessa visão se deva ao fato de que José não aparece nos relatos em que Jesus havia iniciado seu ministério e também porque Maria foi deixada aos cuidados de João. Realmente, é mesmo muito provável que no tempo em que Jesus tivesse iniciado seu ministério José estivesse morto, porém, nada impede que ele tenha casado com Maria na idade normal de aproximadamente 16 anos (WITHERINGTON III & SHANKS, 2004) e morrido de outras causas. Afirmar que ele era velho é um argumento a partir do silêncio, motivado pelo anseio em justificar o dogma.
Tendo visto essas três posições, podemos afirmar que tanto as visões de Jerônimo quanto as de Epifânio são problemáticas e a melhor explicação para o parentesco entre Jesus e seus irmãos é o que a leitura mais natural indica: que José e Maria tiveram outros filhos, logo, ela não permaneceu virgem para sempre.
Infelizmente, a ICAR anatematiza quem discorda. Mas se esse é o seu caso, não seria melhor adotar o Cristianismo Bíblico?
REFERÊNCIAS
BAUCKHAM, R. The Relatives of Jesus. Themelios. V.21(2). January 1996. pp:18-21. Disponível em: http://www.biblicalstudies.org.uk/article_relatives_bauckham.html (acesso: 28/09/2010).
BAUCKHAM, R. James. Routledge. 1999.
BAUCKHAM, R. Em: CHILTON, B. & NEUSNER, J. The Brother of Jesus – James the Just and his Mission. Westminster John Knox Press. 2001.
BAUCKHAM, R. Jude and the Relatives of Jesus in the Early Church. T & T Clark International. 2004.
GEISLER, NL. & MaCKENZIE, R. Roman Catholics and Evangelicals – Agreements and Differences. Baker Books. 1995.
MacARTHUR, J. Doze Homens Comuns. Editora Cultura Cristã. 2004.
WITHERINGTON III, B. & SHANKS, H. The Brother of Jesus – The Dramatic Story & Meaning of the First Archaeological Link to Jesus & His Family. HarperCollins. 2004.

[i] http://beggarsallreformation.blogspot.com/2010/07/luther-was-wrong-roman-catholic-saint.html
[ii] http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/documentos_da_igreja/os_canones_do_segundo_concilio_de_constantinopla.html.
[iii] http://history.hanover.edu/texts/trent/ct24.html
[iv] Inclusive, esse trecho parece indicar que os irmãos de Jesus eram missionários viajantes (BAUCKHAM 1996).
[v] É interessante notar que, de acordo com WITHERINGTON III & SHANKS, 2004, todas as pessoas que aparecem chamadas de Tiago (ou James em língua inglesa), na verdade se chamavam Ya’akov, Jacó.
[vi] Essa sugestão pode ser vista, por exemplo, no documentário The Real Family of Jesus. Disponível em várias partes no Youtube.

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