Por Carlos Queiroz
Na espiritualidade ególatra, o sacerdote se confunde com a divindade.
A egolatria não é o simples cuidado do indivíduo consigo mesmo. Cuidar
de si mesmo, afinal, é uma virtude. Quando praticamos o cuidado conosco
mesmos, aprendemos a amar mais as pessoas. A egolatria não é também um
sentimento de egoísmo. O indivíduo egoísta tem a expectativa de que
todas as coisas e pessoas estejam em torno de seus interesses. Sem
dúvida, isso é pecado; mas não é, ainda, um culto ao ego. Isso porque,
enquanto o egoísta deseja que todas as coisas existam para atender seus
interesses, o ególatra acredita que tem o poder para mover todas as
coisas e pessoas em torno de si. A principal marca do ególatra é a
cobiça, às vezes demonstrada por atitudes extremas. Tal sentimento foi
muito bem exemplificado na proposta do diabo a Cristo: “Tudo isso te
darei se, prostrado, me adorares.”
A egolatria é mais danosa do que a idolatria. E existe,
lamentavelmente, uma espiritualidade ególatra, aquela que é
caracterizada pela prática religiosa cujas celebrações e liturgias
favorecem a promoção de personalidades. Na idolatria, a divindade é
inanimada; o ídolo não controla a situação. Já na egolatria, o ego-deus
tem boca e fala; tem nariz e cheira; tem pés e anda. Ele tem uma
inteligência cheia de artimanhas; em geral, possui carisma e cativa as
massas. O ego-deus consegue passar a ideia de que foi o único
dotado para uma missão especial – assim, possuiria poderes especiais,
como uma capacidade mística de desvendar os mistérios escondidos no além
e trazer revelações sobrenaturais.
Nas instituições caracterizadas pela egolatria, há a necessidade de
intermediários entre os devotos e o divino. Por essa razão, os cargos e
papéis espirituais são uma espécie de concessão do ego-deus a esses intermediários, sob a condição de trocas simbólicas e materiais. Diante de um ego-deus,
todos os seguidores obedecem, sem o mínimo de discernimento. Qualquer
atitude crítica é denunciada como rebeldia intolerável. A egolatria é
marcada pela necessidade de promoção pessoal, vanglória e arrogância. Os
ególatras necessitam de títulos que os façam diferentes. Em se tratando
da vocação pessoal, os dons e ministérios não representam habilidades
para servir às pessoas; eles são, isso sim, títulos particulares,
espécie de insígnias ostentadas como demonstração de poder e domínio.
Nos ambientes marcados pela egolatria, títulos que, em si mesmos, em
nada credenciam seus detentores como sobre-humanos – como pastor, padre,
bispo, apóstolo –, assumem um significado de divinização de indivíduos
em seus feudos religiosos e redes de submissão ao seu controle.
Na espiritualidade ególatra, o sacerdote se confunde com a divindade. O
agente mágico e a divindade fundem-se numa só personalidade. Mas o ego-deus
é materialista, possessivo, vingativo; seu discurso não glorifica ao
único Deus, Senhor dos céus e da terra, mas favorece a própria
dominação, estimula a vassalagem dos seguidores e legitima a dinâmica do
poder. A legítima pregação bíblica é substituída por um discurso
caracterizado por frases-feitas e palavras de ordem supostamente capazes
de mover a mão divina, decretar a bênção e promover bem estar físico e
material aos adeptos – normalmente, em troca dos chamados sacrifícios,
quase sempre realizados através do dinheiro.
Se, numa determinada comunidade, as pessoas estão dando mais ênfase à
experiência espiritual que isola, discrimina os de fora e põe os
supostamente espiritualizados em pedestais, é bem provável que estejamos
diante da espiritualidade egolátrica, e não do modelo proposto por
Jesus Cristo. No Evangelho de Cristo, o que é aparentemente oculto é
revelado aos pequeninos do seu Reino. As boas novas “escondidas” em
Deus, de fato, estavam sempre presentes; todavia, os seres humanos
sofisticados não compreenderam a singeleza dessa mensagem: a de que aos
pobres e aos pequeninos é que foram reveladas as boas novas a respeito
do Reino de Deus (Lucas 10.18-19). As “revelações” recebidas pelos
poderosos dos empreendimentos religiosos não dizem respeito à mesma
revelação anunciada pelo Filho de Deus aos pobres e pequeninos.
É muito importante que saibamos discernir entre a espiritualidade
revelada por Jesus de Nazaré e aquela praticada nas ambiências
egolátricas da cristandade brasileira.
Fonte: Cristianismo Hoje
Nenhum comentário:
Postar um comentário