Doença ou possessão demoníaca?
Por Maurício Zágari
Quero
começar este texto pedindo perdão. Pois estou tão transtornado com o
que li em dois comentários deixados no mesmo dia aqui no APENAS que
posso soar um pouco rude - embora esteja lutando contra minha natureza
humana para ser manso nas minhas palavras. Há duas coisas que me tiram
do sério, confesso: injustiças e pessoas que impõem jugos sobre o
próximo que Deus não impõe - gente que julga irmãs por usar calça ou
saia, que não perdoa quem Deus perdoou, que diz que se alguém não foi
curado de uma doença foi por falta de fé... ou que acusa outros de
estarem possessos por demônios. Isso mesmo. Fiquei horrorizado ao ler
dois comentários sobre pessoas que tiveram de ouvir que estavam
possuídas por demônios. A falta de amor e a ignorância de quem fez esse
tipo de afirmação mostram o estado de analfabetismo bíblico e de
ausência de discernimento em que se encontra grande parte da Igreja de
nossos dias. Quero falar sobre isso, correndo o risco de irritar alguns e
de provocar polêmica. Mas vale a pena o risco, em nome da verdade
bíblica e do amor cristão.
Reproduzo
aqui sem alterar uma vírgula o que o primeiro irmão escreveu. Note a
agonia contida em suas palavras, causada pelo que ele ouviu (a bem da
verdade, um esclarecimento: eu não sou pastor):
"olá
amado Pastor, só fugindo um pouco do tema que o senhor postou, eu
queria te fazer uma pergunta . Hoje eu fui numa loja evangélica atrás de
um livro que falasse de doenças depressivas, ou mentais, não sei se é a
mesma coisa, então o vendedor me indicou o senhor me garantindo que o
senhor é muito bom e confiável, é que eu tenho uma irmã que é
esquizofrênica, e muitas pessoas dizem que é possessão demoníaca, e as
vezes isso deixa ela muito triste, ela é uma pessoa totalmente normal,
mas a base de remédios, se ela não tomar ela entra em crise, queria
saber sua opinião sobre isso. Esquizofrenia é possessão ou não, é muito
importante pra mim."
Já
vai longe o tempo em que se desconheciam transtornos mentais como a
esquizofrenia. Hoje a psiquiatria entende bem essa e outras moléstias de
origem cerebral, como síndrome do pânico, fibromialgia, EPT, TOC,
depressão clínica e por aí vai. Embora em alguns casos não se saiba
ainda a causa ou o mecanismo exato de funcionamento de tais distúrbios, a
medicina humana que Deus nos deu por sua graça comum permite
diagnosticar e tratar com uma considerável taxa de sucesso a maioria
dessas patologias. No caso específico da esquizofrenia, estima-se que 1%
da população mundial sofra desse mal.

Meu
pensamento e minha experiência me levam a uma prática simples: oremos.
Se for um mal de causa espiritual, revelará sua presença e agiremos como
Jesus agiu: "Cala-te e sai". Sem shows. Sem espetáculos. Sem
alto-falantes. Sem berrarias. Sem câmeras de televisão. Sem expor ao
vitupério público ou traumatizar ainda mais aquela pobre alma
aprisionada, que tem de ser amada e cuidada. Prestamos tanta atenção ao
demônio que nos esquecemos do ser humano que está sofrendo sob sua
influência. Antes de pensarmos em poder temos de pensar em amor. Tendo
isso na mente e no coração, expulsar aquela imundície da vida da pessoa
ocorre naturalmente. Sem dar chance de falar muito: "Cala-te". E sai.
Pronto. E, depois, é fundamental iniciar um discipulado com aquela vida.
O exorcismo não é a última etapa, é a primeira. Pois mais do que ser
liberto de demônios, importa caminhar com Cristo. Expulsar e largar pra
lá não adianta nada.
Se
na oração e em um eventual acompanhamento não houver nenhum indício de
influência espiritual (seja opressão ou possessão), costumo recomendar à
pessoa que procure um bom psiquiatra, para que faça um diagnóstico e
inicie um tratamento. Já vi mais de uma dezena de "possessos" terem seus
"demônios" expulsos por comprimidos e pílulas.

O
segundo relato veio de um jovem que estava, em suas próprias palavras,
"numa aflição enorme, com dores no peito, deprimido e coisas do gênero".
A razão? Mostrou para os pais um texto que escrevi sobre batalha
espiritual (leia AQUI)
e teve de ouvir deles que o que falei "é coisa do diabo" e que por isso
ele "precisava de libertação". Segundo esse irmão, "meu pai me disse
duas vezes que eu estava com o diabo no corpo de pensar isso que você
diz no texto". Compreensivelmente assustado, o jovem concordou em ir a
um "culto de libertação". Lá, segundo contou, na hora em que foram orar
por ele o intercessor "chamou o inferno inteiro e repetia várias vezes:
Eu sei que você está aí dentro desse rapaz, sai daí agora em nome de
Jesus!! Nessa hora eu pensei: estou sendo liberto ou carregado com
coisas ruins espiritualmente?". E desde aquele dia esse jovem, que
estava bem, passou a se sentir mal, aflito, confuso, com dores e
depressão.

O
que mais incomoda nesses relatos é que pessoas desinformadas,
patologicamente místicas ou seguidoras desses grupos irresponsáveis de
batalha espiritual acabam jogando legiões de demônios nas costas de
pessoas normais ou de vítimas de doenças bioquímicas - demônios que
simplesmente não estão lá. Fazem pessoas espiritualmente saudáveis crer
que são possessas. Você consegue ter ideia do que sente alguém que ouve
isso a seu respeito? Da sensação de desamparo, culpa e uma lista enorme
de emoções negativas? Afirmações irresponsáveis como essas podem piorar o
estado de saúde dos doentes, sem falar que, enquanto dez "obreiros"
ficam berrando no ouvido do pobre coitado e sacudindo sua cabeça
tentando expulsar um suposto demônio que não está lá, ele está deixando
de ser tratado adequadamente. E sendo severamente traumatizado.
Quando
falamos dos dons do Espírito mencionados em 1 Coríntios 12, muitos
ficam salivando para profetizar, sobem o monte e fazem correntes e
campanhas para receber dons de curar e por aí vai. Mas pouquíssimos
pedem a Deus discernimento de espíritos. E, ao meu ver, é um dos dons
mais necessários e mais ausentes da Igreja em nossos dias. Falta
discernimento. Pior: falta bom senso.

Vivamos
com olhos espirituais abertos sim. O mundo espiritual existe, todos
sabemos que nossa luta não é contra carne e sangue, que Jesus expulsou
demônios e Satanás vive em derredor buscando quem possa tragar. Creio em
tudo isso. Mas não podemos jamais deixar de lado a razão ou o coração. A
ciência e a compaixão. As descobertas da medicina e as misericórdias
com os que sofrem. Senão daqui a pouco estaremos novamente torturando
epiléticos, afogando quem discorda de nossas crenças teológicas e
queimando pessoas com síndrome de Down na fogueira achando que são
bruxos e feiticeiros. Ou, quem sabe, duendes e fadas.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
Maurício
Fonte: Apenas
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