Por Marcelo Lemos
O irmão C. F. nos envia dois importantes questionamentos: “Estou vendo que o Calvinismo tem mais há ver com minhas perguntas existencias. Mas como o espaço é curto a minha pergunta e dúvida são: (a) Como cristão eu devo aceitar o divórcio, nesse caso eu não tenho como evitar, como fica minha situação, perante de Deus ? (b) Segundo se eu adotar o Calvinismo estarei pecando?”.
Querido irmão, o seu segundo questionamento é mais simples, já que, a principio, não há qualquer possibilidade de pecar pelo simples fato de abraçar o Calvinismo. A segurança de tal afirmação reside na convicção pessoal que temos de ser o Calvinismo a expressão mais fiel da Mensagem do Evangelho. Vejo muitos líderes pentecostais com medo do Calvinismo pelos motivos mais infundados, por exemplo, a idéia de que a Fé Reformada seria um incentivo ao pecado. Recentemente recebemos, aqui no Doutor Bíblia, o relato de um irmão assembleiano que foi excluído por causa do Calvinismo.
Ainda assim, há a possibilidade de se abraçar o calvinismo sem lhe compreender adequadamente o ensino, o que poderá levar ao pecado. Conheço pessoa que teima em justificar seus pecados com a invocação da “Soberania de Deus”. Ela está certa, tudo se deve a Soberania de Deus, no entanto, isso não exclui o Juízo de Deus contra o pecado; de modo que aquela pessoa que vive em pecado contumaz, e acha que não vai ser julgado, pois Deus é sobre todos soberano, está caminhando a passos largos para o Inferno. Recentemente publicamos um texto que fala sobre os motivos corretos para abraçar a Doutrina Calvinista; vale a pena conferir.
O Calvinismo, devidamente compreendido, é simplesmente irrefutável, e completamente bíblico; atrevo-me a dizer que, mesmo do ponto de vista filosófico, é a único sistema do pensamento humano que apresenta uma cosmovisão completamente racional e imbatível.
O seu primeiro questionamento diz respeito ao Divórcio, lugar onde as coisas podem se complicar mais, devido ao fato de que há uma corrente muito forte dentro da tradição reformada (calvinista), segundo a qual, havendo divórcio, mesmo em caso de adultério, jamais poderá haver novo casamento. De acordo com essa corrente, qualquer pessoa que se divorcia, independentemente do motivo, e casa-se com outra pessoa, vive num estado eterno de adultério. É uma posição bem semelhante ao entendimento encontrado no
Direito Canônico da Igreja Católica Romana. Faço a comparação não visando desmerecer tal posição, mas com finalidade ilustrativa – visto ser o posicionamento romano do conhecimento da maioria.
Direito Canônico da Igreja Católica Romana. Faço a comparação não visando desmerecer tal posição, mas com finalidade ilustrativa – visto ser o posicionamento romano do conhecimento da maioria.
Para conhecer adequadamente a posição acima, recomendo muitíssimo a leitura dos artigos publicados no excelente portal Monergismo.
Meu posicionamento tem tentado caminhar pela via pastoral, uma vez me parecer ser este o contexto geral das palavras de Cristo, registradas em Mateus 5:31-32; Mateus 19:1-9; Marcos 10:2-12 e Lucas 16:18. De olho no contexto, descobre-se que a prática do divorcio era pratica absolutamente comum em Israel, e constantemente uma arma que os homens utilizavam contra as mulheres. Isso acontecia, dado que a mulher, nas leis civis do Antigo Testamento, era vista como propriedade do homem.
Sendo a mulher propriedade do homem, apenas o homem tinha o direito de pedir o divórcio. Ou seja, mesmo que o homem se deitasse com uma prostituta, os Israelitas jamais permitiam a mulher solicitar o divórcio. O homem, ao adulterar, não temia a reação legal da sua própria esposa, mas sim, a reação legal que teria o homem, ou homens, que possuísse o direito de posse sobre a mulher com quem cometeu o pecado. Se a mulher do seu pecado fosse casada, ele ofendia a honra do marido dela, e provada sua culpa, poderia morrer apedrejado juntamente com ela. Mas, se mulher fosse solteira, ele ofendia a honra do pai, ou do mais próximo parente masculino que ela tivesse.
Podemos ilustrar este ponto com as leis civis que regulavam o estupro. Era prescrito que o homem que violentasse uma mulher estaria sujeito a duas possíveis penalidades (cf. Deut. 22.25-30):
a) fosse a mulher casada (ou desposada, noiva), ele violava a honra do marido (ou do noivo), e era apedrejado;
b) fosse a mulher jovem, ele violava a honra do pai, e era obrigado a pagar o dote exigido pela moça, e por tê-la humilhado, era obrigado a casar-se com ela, sendo lhe negado o direito de divorcio.
Compreender que até o Decálogo incluía a mulher entre as “posses” do homem ( “não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo”; Êxodo 20.17), me parece de crucial importancia para um correto entendimento das palavras de Cristo sobre o Divórcio e o Re-casamento.
Alguns tentem a ver nas palavras de Jesus uma revogação da lei do divórcio, escrita por Moisés. Apesar de já ter sido adepto de tal pensamento, acabei vendo o quanto ele é temerário, visto que o próprio Deus ordenou e agradou-se de divórcios praticados no Antigo Testamento: “Então, se levantou Esdras, o sacerdote, e disse-lhes: Vós tende transgredido, e casastes com mulheres estrangeiras, aumentando a culpa de Israel. Agora, pois, fazei confissão ao SENHOR Deus de vossos pais, e fazei a sua vontade; e apartai-vos dos povos da terra, e das mulheres estrangeiras!” (Esdras 10.10-11).
Certamente é correto afirmar que Deus “odeia o divórcio” (Malaquias 2.16), mas é irracional dizer que ele odeia aquilo que o agradou no caso de Esdras – agradou tanto, que desviou sua Ira do povo! Por isso, o contexto de Malaquias revela que o ódio de Deus contra o Divórcio tem haver com o homem que age de modo traiçoeiro ou violento (vv. 15.16) contra a “mulher de sua mocidade”.
O que Cristo certamente faz é igualar os direitos da relação homem e mulher. Para os judeus, numa interpretação machista da Lei do Divórcio, apenas o homem poderia solicitar o divórcio, e a mulher divorciada que carregasse o estigma social de ter sido repudiada. Jesus, em sua resposta, estabelece a preocupação com a dignidade da mulher. Em Mateus 5.31,32, por exemplo, ele alerta para o fato de que maridos que abandonavam suas mulheres por qualquer motivo, obrigavam suas mulheres a viverem com o estigma de serem adulteras, já que fatalmente iriam se casar novamente (até para que pudessem sobreviver!).
Jesus quebrou a “posse” que os antigos achavam ter sobre a mulher; de modo que os discípulos exclamam: “Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar” (Mateus 19.10). Ora, o machismo realmente se deu mal, mas as mulheres, certamente puderam respirar melhor. E também deixaram de ser vistas como propriedade do homem, em Marcos 5, por exemplo, Cristo diz que o homem que deixa sua mulher e une-se a outra, comete adultério contra... sua mulher. Isso é totalmente novo! Ele não ofendia o ‘dono’ da mulher do seu pecado, mas ofendia a mulher a quem jurou fidelidade. Claro, também ofende o homem, ou a família da mulher do seu pecado, mas Cristo revela uma preocupação inovadora naquele contexto: a dignidade da esposa!
De modo algum a Igreja deve incentivar o divórcio, e estamos convencidos de que tal incentivo, tão grandemente praticado na sociedade moderna, faz parte de uma engenharia social que visa claramente minar as bases da civilização judaico-cristã. Todavia, levando em consideração todo o ensino bíblico sobre o assunto, penso que é uma área onde deve haver acompanhamento pastoral, e não dogmatismos frios, que pretenda cumprir a cartilha de alguém. Se a Bíblia tratou exemplos de divórcios como casos singulares, por qual razão nós nos apegaríamos a uma fórmula?
Dito disto, trago de volta a sua questão: “Se eu divorciar, estou pecando?”. Parece-me que sim, pois a justificativa não é aquela estabelecida por Cristo (adultério). Então, não havendo aquela justificativa, vocês dois estarão pecando ao se divorciarem; no entanto, isso não implica a negação de outro fato bíblico: o divorcio coloca termo ao casamento, e não apenas a morte (como pretende alguns teólogos). Isso está bem claro em Deuteronômio 24.1-4.
Fonte: www.olharreformado.blogspot.com
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