Quando eu descobri a beleza, profundidade e valor da Fé Reformada, isso mudou a minha vida. Mas como foi possível isso acontecer se eu era membro e até presbítero de uma denominação Reformada — Presbiteriana? Obviamente, e mesmo que constrangido, estou dizendo que não conhecia a Fé Reformada como é apresentada na Confissão de Fé e nos Catecismos de Westminster. Se sempre fui Presbiteriano de nascimento, que Fé Reformada eu conhecia e vivia, então? Apenas o que era vivenciado na minha denominação presbiteriana — na pregação, na evangelização, nas celebrações do Natal e Páscoa; na guarda do Dia do Senhor, no valor dado aos sacramentos, na qualidade, na prática e no conhecimento doutrinário dos líderes, nas resoluções conciliares e especialmente no CULTO PÚBLICO. E isso nunca me fez ver e praticar com clareza e profundidade a Fé bíblica e Reformada.
Quando a Fé Reformada começava a tomar vulto no Brasil, na década de 1990, um jovem me procurou para compartilhar sua frustração e para um aconselhamento. Ele logo tomou a iniciativa de me deixar a par de que era originário de uma denominação pentecostal e estava em conflito de alma por ter ouvido conferências e mensagens de pastores reformados; de ter lido e meditado em alguns livros e especialmente a Confissão de Fé de Westminster e o Breve Catecismo comentado por um antigo pastor presbiteriano da América. Mas havia um conflito maior. Com o coração cheio de esperança e sem saber como permanecer em sua denominação arminiana, este jovem pensou buscar uma igreja presbiteriana onde poderia receber o ensino reformado que agora procurava. Após refletir sobre suas dúvidas se dirigiu, num domingo pela manhã, a uma igreja presbiteriana tradicional onde poderia adorar a Deus segundo os padrões de Westminster que estava estudando e conhecer mais profundamente e na prática o ensino bíblico e reformado. Foi a aí que seu conflito se tornou em tragédia. Naquela manhã alvissareira, entrou num templo presbiteriano. Para sua surpresa o culto daquela igreja não foi quase em nada diferente da sua igreja pentecostal de origem. Viu uma liturgia evangelical com um grupo de louvor e seus semi-pelagianos, bizarros e demorados “cânticos espirituais” e solos dirigidos por um jovem ministro de música que conduzia quase toda a liturgia. Surpreso viu finalmente o pastor assumir o púlpito, mas apenas para “compartilhar” com suas ovelhas quinze minutos de um sermonete devocional. Frustrado, restava-lhe ainda a Escola Dominical. Aguardou desconfiado, mas com expectativa. Porém suas esperanças desmoronaram quando, para sua surpresa, viu que a revista da Escola Dominical adotada naquela igreja presbiteriana tradicional era a mesma revista de sua denominação de autoria do pastor pentecostal Silas Malafaia. Ainda confuso, e com menos esperança, fez mais uma tentativa indo no próximo domingo a outra igreja presbiteriana mais distante. Porém o culto e os estudos mais uma vez foram frustrantes. Nesta igreja, durante toda a manhã não houve culto solene com pregação da Palavra, mas apenas a realização de uma Escola Dominical com uma “liturgia” longa e confusa por se assemelhar a um culto solene. Era ou não era um culto solene?
Após relatar-me estas suas experiências frustrantes, este jovem respirou fundo e perguntou-me: “O que devo fazer?”. Enquanto eu me apoiava em uma cadeira demonstrando em meu semblante uma evidente apreensão e frustração, pensava como responder. Uma longa conversa se seguiu quando compartilhamos a falta de identidade e uniformidade confessional nos cultos da maioria das Igrejas Presbiterianas a ponto de um visitante não conseguir identificar em que igreja ele entrou.
O que aquele jovem procurava? Não apenas uma igreja Reformada, mas antes de tudo uma correspondência entre identidade confessional prática e unidade doutrinária. O que ele desejava encontrar nas igrejas presbiterianas:
1) Primeiro ele desejava ouvir a proclamação da Palavra. Precisava ardentemente de alimento para sua alma, pois, como uma ovelha perdida, padecia há tanto tempo por falta de nutrição adequada. Queria adorar a Deus como Ele mesmo estabelece em Sua Palavra e como encontrara em suas pesquisas e estudos, onde a pregação é a grande marca da igreja fiel.
2) Segundo, buscava uma Igreja que tivesse uma prática cúltica obediente e correspondente à sua confessionalidade. Confissão Reformada = Culto Reformado.
3) Terceiro, ele buscava em uma Igreja presbiteriana, unidade doutrinária e prática na adoração prestada a Deus.
Não devemos deliberadamente fazer acusações desmedidas contra a Igreja de Cristo. Não devemos fazer provocações e desonrar a liderança das igrejas presbiterianas, pois estaríamos desonrando a Cristo. Antes, devemos amá-la como a Igreja de Cristo, pois esta é una. Não fazemos parte apenas da igreja invisível, mas também da igreja visível. Nela fomos gerados, viemos à luz e recebemos o leite que nos alimentou, nela fomos discipulados e recebemos o selo da aliança e nela ainda hoje somos nutridos e crescemos. Digo isso fazendo minhas as palavras de Calvino:
Hoje somos uma igreja sem unidade e identidade prática. Não somos o que dizemos ser e o que dizem nossos símbolos de fé. Não somos uma Igreja onde exista uma correspondência entre o que confessamos com nossa boca e o que evidenciamos como nossa vida. Salvo engano, boa parte dos membros das igrejas presbiterianas talvez não conheça seus padrões de fé, “suas origens e sucessores”. Nossas igrejas locais são tão diferentes, pluralizadas e opostas no seu “organismo”, em seu ensino e prática, que nos perguntamos se somos membros de um só corpo — Cristo.
Dr. Klaas Runia, um renomado teólogo reformado de origem holandesa, do século XX, em um de seus escritos, disse o seguinte sobre a importância dos credos e confissões:
Se alguém subscreve uma confissão com o “espírito aberto em relação ao significado de suas afirmações, inevitavelmente será também aberto na interpretação da Bíblia...”. A subscrição de uma Confissão deve expressar unidade no entendimento de seu conteúdo. O grande presbiteriano do sul dos Estados Unidos, Samuel Miller, disse que: “A Confissão de Fé... é reconhecida como um sumário ou compêndio sobre a maneira pela qual os membros daquela igreja concordam em interpretar as Escrituras”. [6]
Dr. Ulisses Horta diz em seu excelente livro, Subscrição Confessional, que:
Como consequência disso, vemos Concílios e Comissões que usam de suas prerrogativas de poder para exigir das igrejas e de seus membros, o cumprimento de resoluções contrárias à Bíblia e à própria Confissão de Fé e os Catecismos (documento hermenêutico) apenas para se manter o status quo da Igreja. Ora, sabe-se que este status não é o real exemplo da verdade, e que, conquanto tenha as verdadeiras marcas da Igreja de Cristo, conserva muitas práticas, costumes e distorções que devem ser retiradas ou reformadas, posto que o grande princípio Reformado é: “Igreja reformada, sempre se reformando”, sempre voltando aos princípios bíblicos (e reformados). Nesse exercício de poder eclesiástico (quase abusivo), “exortações à obediência” têm sido feitas num subentendido tom disciplinar.
Hoje, aqueles que descobrem a fé reformada e as sustentam e praticam, sofrem maior oposição dentro do próprio meio reformado do que do arraial arminiano e mesmo do mundo. Mas a história nos mostra que quanto mais se faz oposição à verdade, mais ela cresce, os fracos tornam-se fortes, os tímidos tornam-se corajosos, e os desanimados se enchem de esperança.
Alguns têm condenado servos de Deus que pregam o culto simples acusando-os de proclamar uma adoração restritiva e minimalista, mas a Confissão de Fé de Westminster, como regra hermenêutica dos presbiterianos, afirma que “o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado por sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras” (CFW, cap. XXI:I). Tão simples e restrito deve ser o culto solene, que os delegados de Westminster explicitam quais elementos devem existir na adoração a Deus: “... oração, com ações de graça, sendo uma parte especial do culto religioso... leitura das Escrituras, com santo temor, a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela, em obediência a Deus, com inteligência, fé e reverência; o cantar salmos com graças no coração, bem como a devida administração e digna recepção dos ritos instituídos por Cristo ― são partes do ordinário culto de Deus, além dos juramentos religiosos; votos, jejuns solenes e ações de graças em ocasiões especiais, tudo o que, em seus vários tempos e ocasiões próprias, deve ser usado de um modo santo e religioso” (CFW cap. XXI: V).
Como se conseguir a defesa de acréscimos no culto público solene (inclusivismo), e que não são revelados e ordenados nas Escrituras, além daqueles elementos de culto que os padrões de Westminster apregoam? A única solução é a reinterpretação da Confissão de Fé de Westminster e dos seus Catecismos, segundo o curso desta época, como se princípios doutrinários pudessem ser mudados, esquecidos e novos fossem inventados. Esta tentativa para que se tenha mais “abertura” no culto público, solene, há muito tem trazido confusão, dúvidas, questionamentos e, divisões no seio da igreja e, o mais grave, falta de identidade, de unidade doutrinário-prática e ausência de comunhão entre o povo de Deus: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações e em cada alma havia temor...” (At 2:42).
Nesta batalha pelo reino de Deus, ainda hoje muitos soldados voluntários se apresentam segurando a bandeira da verdade e dispostos a sofrer por amor a Cristo.
Como peregrinos — mas já cidadãos do céu, já assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus —, de forma bíblica e sábia, com temor a Deus e amor à noiva de Cristo, Sua Igreja, batalhemos por uma unidade confessional, e acima de tudo pela verdade, até chegarmos de fato “ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel”.
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Fonte: Os Puritanos
Quando a Fé Reformada começava a tomar vulto no Brasil, na década de 1990, um jovem me procurou para compartilhar sua frustração e para um aconselhamento. Ele logo tomou a iniciativa de me deixar a par de que era originário de uma denominação pentecostal e estava em conflito de alma por ter ouvido conferências e mensagens de pastores reformados; de ter lido e meditado em alguns livros e especialmente a Confissão de Fé de Westminster e o Breve Catecismo comentado por um antigo pastor presbiteriano da América. Mas havia um conflito maior. Com o coração cheio de esperança e sem saber como permanecer em sua denominação arminiana, este jovem pensou buscar uma igreja presbiteriana onde poderia receber o ensino reformado que agora procurava. Após refletir sobre suas dúvidas se dirigiu, num domingo pela manhã, a uma igreja presbiteriana tradicional onde poderia adorar a Deus segundo os padrões de Westminster que estava estudando e conhecer mais profundamente e na prática o ensino bíblico e reformado. Foi a aí que seu conflito se tornou em tragédia. Naquela manhã alvissareira, entrou num templo presbiteriano. Para sua surpresa o culto daquela igreja não foi quase em nada diferente da sua igreja pentecostal de origem. Viu uma liturgia evangelical com um grupo de louvor e seus semi-pelagianos, bizarros e demorados “cânticos espirituais” e solos dirigidos por um jovem ministro de música que conduzia quase toda a liturgia. Surpreso viu finalmente o pastor assumir o púlpito, mas apenas para “compartilhar” com suas ovelhas quinze minutos de um sermonete devocional. Frustrado, restava-lhe ainda a Escola Dominical. Aguardou desconfiado, mas com expectativa. Porém suas esperanças desmoronaram quando, para sua surpresa, viu que a revista da Escola Dominical adotada naquela igreja presbiteriana tradicional era a mesma revista de sua denominação de autoria do pastor pentecostal Silas Malafaia. Ainda confuso, e com menos esperança, fez mais uma tentativa indo no próximo domingo a outra igreja presbiteriana mais distante. Porém o culto e os estudos mais uma vez foram frustrantes. Nesta igreja, durante toda a manhã não houve culto solene com pregação da Palavra, mas apenas a realização de uma Escola Dominical com uma “liturgia” longa e confusa por se assemelhar a um culto solene. Era ou não era um culto solene?
Após relatar-me estas suas experiências frustrantes, este jovem respirou fundo e perguntou-me: “O que devo fazer?”. Enquanto eu me apoiava em uma cadeira demonstrando em meu semblante uma evidente apreensão e frustração, pensava como responder. Uma longa conversa se seguiu quando compartilhamos a falta de identidade e uniformidade confessional nos cultos da maioria das Igrejas Presbiterianas a ponto de um visitante não conseguir identificar em que igreja ele entrou.
O que aquele jovem procurava? Não apenas uma igreja Reformada, mas antes de tudo uma correspondência entre identidade confessional prática e unidade doutrinária. O que ele desejava encontrar nas igrejas presbiterianas:
1) Primeiro ele desejava ouvir a proclamação da Palavra. Precisava ardentemente de alimento para sua alma, pois, como uma ovelha perdida, padecia há tanto tempo por falta de nutrição adequada. Queria adorar a Deus como Ele mesmo estabelece em Sua Palavra e como encontrara em suas pesquisas e estudos, onde a pregação é a grande marca da igreja fiel.
2) Segundo, buscava uma Igreja que tivesse uma prática cúltica obediente e correspondente à sua confessionalidade. Confissão Reformada = Culto Reformado.
3) Terceiro, ele buscava em uma Igreja presbiteriana, unidade doutrinária e prática na adoração prestada a Deus.
Não devemos deliberadamente fazer acusações desmedidas contra a Igreja de Cristo. Não devemos fazer provocações e desonrar a liderança das igrejas presbiterianas, pois estaríamos desonrando a Cristo. Antes, devemos amá-la como a Igreja de Cristo, pois esta é una. Não fazemos parte apenas da igreja invisível, mas também da igreja visível. Nela fomos gerados, viemos à luz e recebemos o leite que nos alimentou, nela fomos discipulados e recebemos o selo da aliança e nela ainda hoje somos nutridos e crescemos. Digo isso fazendo minhas as palavras de Calvino:
“Contudo, uma vez que agora nosso propósito é discorrer acerca da Igreja visível, aprendamos, mesmo do mero título mãe, quão útil, ainda mais, quão necessário nos é seu conhecimento, quando não outro nos é o ingresso à vida, a não ser que ela nos conceba no ventre, a não ser que nos dê á luz, a não ser que nos nutra em seus seios, enfim, sob sua guarda e governo nos retenha, até que, despojados da carne mortal, haveremos de ser semelhantes aos anjos (Mt. 22:30). Porque nossa fraqueza não permite que sejamos despedidos da escola até que tenhamos passado toda nossa vida como discípulos” (Institutas, IV.I, iv).Ainda Calvino nos diz da Igreja visível:
“... é o ventre no qual o descrente infértil encontra o evangelho, está impregnada pelo Espírito Santo pela pregação da palavra. É ela que nos nutre, alimentando-nos em seu seio com o leite puro do evangelho, dando-nos mais tarde o alimento sólido da sã doutrina e do discipulado. Ela nos guia com sua longa sabedoria, ensinada a ela pelo Espírito Santo da Palavra de Deus, pelos longos tempos da sua história — a mesma sabedoria de Deus em Cristo, a quem ela se submete. E o seu noivo divino-humano cuida dela, conduzindo-a e amando-a, ensinando-nos através da sua Palavra e por meio do seu Espírito...”.Nas muitas Igrejas Presbiterianas no Brasil evidenciamos problemas que as fazem mais ou menos puras, como nos diz a Confissão de Fé de Westminster. Por isso, é nossa obrigação como membro do corpo de Cristo lutar por mais pureza, por um resgate dos princípios doutrinários da Reforma e mais que isso, por uma evidente prática da piedade Reformada. Desejo apenas esboçar um dos nossos fundamentais erros que creio ser um dos pilares onde se apóiam nossas fraquezas eclesiásticas.
Hoje somos uma igreja sem unidade e identidade prática. Não somos o que dizemos ser e o que dizem nossos símbolos de fé. Não somos uma Igreja onde exista uma correspondência entre o que confessamos com nossa boca e o que evidenciamos como nossa vida. Salvo engano, boa parte dos membros das igrejas presbiterianas talvez não conheça seus padrões de fé, “suas origens e sucessores”. Nossas igrejas locais são tão diferentes, pluralizadas e opostas no seu “organismo”, em seu ensino e prática, que nos perguntamos se somos membros de um só corpo — Cristo.
Deixe-me tentar ser mais direto
Creio que não é possível sermos uma igreja ortodoxa e una sem uma confessionalidade conhecida e vivenciada — experimental. A Igreja Cristã foi assim desde o segundo século. Por conseguinte, parece-me impossível a garantia de uma ortodoxia e uma unidade de fé em termos confessionais, quando ao subscrevermos uma Confissão (Westminster, por exemplo) aceitamos uma evidente diversidade hermenêutica. Portanto também nos parece impossível considerar como confessionalmente ortodoxas as posições de igrejas, de concílios, de ministros ou oficiais, cuja subscrição ocorra num clima de liberdade pessoal de interpretação quanto ao que o texto definitivamente deve significar. No pleno sentido da palavra, uma confissão ou um credo é uma interpretação. Mas é uma interpretação normativa subordinada à Escritura — norma normata. Ou seja, quanto maior for a liberdade de interpretação que permeie uma subscrição, tanto maior será a possibilidade de afastamento da genuína ortodoxia.Dr. Klaas Runia, um renomado teólogo reformado de origem holandesa, do século XX, em um de seus escritos, disse o seguinte sobre a importância dos credos e confissões:
"Por outro lado, há aqueles na Igreja que, ainda que recebam os credos como documentos veneráveis, reservam para si mesmos o direito de reinterpretá-los. Tais pessoas ainda terão a disposição de afirmar que eles subscrevem aos credos e confissões de sua denominação de modo inteiramente sincero. Mas a teologia onde subjaz sua pregação e sua elaboração escrita, parece totalmente remota daquilo que tem sido considerado como ortodoxia cristã. Eles relêem nessas antigas fórmulas suas próprias idéias teológicas do século vinte".[1]Dr. Runia, no final desta sua obra, combate as tendências impostas pelo modernismo teológico e sem receios cita nomes que considera responsáveis pela disseminação de um espírito anti-confessional tão evidente em nossos dias[2]. Runia menciona o exemplo de Carl Barth, dizendo:
"Em nossos dias raramente ouvimos de algum ataque aberto aos credos. Isto se deve ao fato de que um método inteiramente diferente tem sido seguido, a saber, o da reinterpretação. Os Credos são aceitos como respeitáveis documentos; como tal eles são explanados, mas ao mesmo tempo as próprias idéias do teólogo são lidas (colocadas) nas antigas formulações. Karl Barth fornece um claro exemplo disto. No curso dos anos, ele tem oferecido três diferentes exposições do Credo Apostólico. Em nenhuma delas há qualquer sinal de crítica. Mas nenhuma delas é uma interpretação histórica do Credo. Isto não é outra coisa senão exposição da própria teologia de Barth nos termos da antiga fórmula. Em certo sentido, este novo método é ainda mais perigoso do que a crítica aberta anterior. A atitude Liberal era clara e honesta. Todos sabiam onde o liberal se situava. O método de reinterpretação é, no entanto, capaz de confundir o conteúdo todo. Novas idéias são lançadas sob as antigas formulações. Um tanto frequentemente a terminologia utilizada é idêntica àquela da antiga ortodoxia, mas o conteúdo é um tanto diferente. Usualmente, ninguém vai ouvir uma negação explícita de verdades aceitas pela Igreja por muitos séculos. Elas simplesmente perpassam em silêncio. Como alguém chegou a assinalar: você não localiza a heresia no que é dito, mas no que é omitido".[3]É necessário ter em mente que os mesmos instrumentos usados para interpretar o texto da Escritura, servem também para interpretar as afirmações dos Credos e Confissões. Alguém já disse[4] que, “o método apropriado para interpretar um credo seria reconhecê-lo ‘como expressando o senso da igreja Primitiva’ tal como apresentado nos escritos dos pais da igreja”.[5]
Se alguém subscreve uma confissão com o “espírito aberto em relação ao significado de suas afirmações, inevitavelmente será também aberto na interpretação da Bíblia...”. A subscrição de uma Confissão deve expressar unidade no entendimento de seu conteúdo. O grande presbiteriano do sul dos Estados Unidos, Samuel Miller, disse que: “A Confissão de Fé... é reconhecida como um sumário ou compêndio sobre a maneira pela qual os membros daquela igreja concordam em interpretar as Escrituras”. [6]
Dr. Ulisses Horta diz em seu excelente livro, Subscrição Confessional, que:
“a interpretação da Escritura, em que se constitui o símbolo confessional que alguém subscreve, somente poderá ser tida por ortodoxa, caso a própria interpretação do texto do símbolo seja efetuada da maneira mais objetiva, direta, segundo o sentido natural das palavras dentro do seu próprio contexto. Tomar as afirmações de uma fórmula confessional fora do seu significado natural conduz à distorção do seu sentido, normalmente devido à imposição de pressupostos ao texto”.
Reinterpretação
O que estamos querendo enfatizar? Que não há uma unidade confessional nas Igrejas Presbiterianas, hoje. Há um manifesto espírito anti-dogmático e claras evidências de tentativas de se reinterpretar a Confissão de Fé e os Catecismos em variadas questões como, divórcio, guarda do Dia do Senhor, comemorações de dias especiais — Páscoa e Natal —, contemporaneidade dos dons extraordinários, escatologia, figuras e imagens das pessoas da Trindade, autoria do pecado, Princípio Regulador do Culto, cântico dos salmos, batismo infantil e questões afins. Esta tendência à reinterpretação tem se tornado notório e causado sérias idiossincrasias, e o pior, são toleradas, defendidas e praticadas e até exigidas pelos Concílios ou Comissões da Igreja, sem nenhuma justificativa bíblica ou sequer algum debate amplo e esclarecedor, mas apenas por imposição de resoluções.Como consequência disso, vemos Concílios e Comissões que usam de suas prerrogativas de poder para exigir das igrejas e de seus membros, o cumprimento de resoluções contrárias à Bíblia e à própria Confissão de Fé e os Catecismos (documento hermenêutico) apenas para se manter o status quo da Igreja. Ora, sabe-se que este status não é o real exemplo da verdade, e que, conquanto tenha as verdadeiras marcas da Igreja de Cristo, conserva muitas práticas, costumes e distorções que devem ser retiradas ou reformadas, posto que o grande princípio Reformado é: “Igreja reformada, sempre se reformando”, sempre voltando aos princípios bíblicos (e reformados). Nesse exercício de poder eclesiástico (quase abusivo), “exortações à obediência” têm sido feitas num subentendido tom disciplinar.
Hoje, aqueles que descobrem a fé reformada e as sustentam e praticam, sofrem maior oposição dentro do próprio meio reformado do que do arraial arminiano e mesmo do mundo. Mas a história nos mostra que quanto mais se faz oposição à verdade, mais ela cresce, os fracos tornam-se fortes, os tímidos tornam-se corajosos, e os desanimados se enchem de esperança.
Alguns têm condenado servos de Deus que pregam o culto simples acusando-os de proclamar uma adoração restritiva e minimalista, mas a Confissão de Fé de Westminster, como regra hermenêutica dos presbiterianos, afirma que “o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado por sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras” (CFW, cap. XXI:I). Tão simples e restrito deve ser o culto solene, que os delegados de Westminster explicitam quais elementos devem existir na adoração a Deus: “... oração, com ações de graça, sendo uma parte especial do culto religioso... leitura das Escrituras, com santo temor, a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela, em obediência a Deus, com inteligência, fé e reverência; o cantar salmos com graças no coração, bem como a devida administração e digna recepção dos ritos instituídos por Cristo ― são partes do ordinário culto de Deus, além dos juramentos religiosos; votos, jejuns solenes e ações de graças em ocasiões especiais, tudo o que, em seus vários tempos e ocasiões próprias, deve ser usado de um modo santo e religioso” (CFW cap. XXI: V).
Como se conseguir a defesa de acréscimos no culto público solene (inclusivismo), e que não são revelados e ordenados nas Escrituras, além daqueles elementos de culto que os padrões de Westminster apregoam? A única solução é a reinterpretação da Confissão de Fé de Westminster e dos seus Catecismos, segundo o curso desta época, como se princípios doutrinários pudessem ser mudados, esquecidos e novos fossem inventados. Esta tentativa para que se tenha mais “abertura” no culto público, solene, há muito tem trazido confusão, dúvidas, questionamentos e, divisões no seio da igreja e, o mais grave, falta de identidade, de unidade doutrinário-prática e ausência de comunhão entre o povo de Deus: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações e em cada alma havia temor...” (At 2:42).
Nesta batalha pelo reino de Deus, ainda hoje muitos soldados voluntários se apresentam segurando a bandeira da verdade e dispostos a sofrer por amor a Cristo.
Como peregrinos — mas já cidadãos do céu, já assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus —, de forma bíblica e sábia, com temor a Deus e amor à noiva de Cristo, Sua Igreja, batalhemos por uma unidade confessional, e acima de tudo pela verdade, até chegarmos de fato “ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel”.
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Fonte: Os Puritanos
Notas:
[1] Klaas Runia, I Believe in God (Londres: Tyndale Press, 1963),9.
[2] Adolph Harnack, Carl Barth, Brunner, Bultmann, Niebuhr, Paul Tillich entre outros.
[3] Citado por Dr. Ulisses Horta Simões em “A Subscrição Confessional”, p. 81-82.
[4] Jaroslav Pelikan um estudioso da História do Cristianismo, Teologia Cristã e História Intelectual Medieval e professor da Universidade de Chicago (17 de dezembro de 1923 a 13 de maio de 2006).
[5] Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition — A History of the Development of the Doctrine, VaI. 5 (Chicago: The University of Chicago Press, 1989), 270.
[6] Samuel Miller, Doctrinal Integrity, 76 — Citado por Dr. Ulisses Horta Simões em “A Subscrição Confessional”, p. 83.
Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/credos-confissoes/reinterpretacao-das-confissoes-confessionalidade-sem-unidade-presb-manoel-canuto
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