A mais recente carta que a liderança do Jovens da Igreja Betesta em São Paulo escreveu em apoio ao seu pastor, Ricardo Gondim (aqui), me deixou assustado. A influência que um falso mestre pode exercer no seio de uma igreja é algo realmente assustador; um verdadeiro câncer que, paulatina e silenciosamente, corrói a alma dos desavisados. Mas antes de destilar mais críticas, preciso fazer uma confissão. Volto já.
Por um bom tempo o Gondim foi o meu escritor/pensador evangélico favorito. Conheci sua pena através da Revista Ultimato (da qual ele foi recentemente convidado a “des-continuar” um trabalho que já durava vinte anos), e não quis mais parar de lê-lo. Aliás, minha motivação maior em ler a referida revista era por causa dos artigos de sua autoria. “Inspiradores”, era o que eu pensava dos seus textos. Li muitos dos seus livros, dentre os quais eu destaco É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe (um marco na vida de muitos crentes); Artesãos de uma nova história; e Orgulho de ser evangélico. Aliás, foi dele o primeiro livro evangélico que comprei: Fim de Milênio: Os perigos e desafios da pós-modernidade na igreja (Abba Press, 1996). Eu também ouvia diariamente pregações suas numa rádio (não lembro qual), e as gravava em fita cassete. Eu gostava tanto do Ricardo Gondim que dois amigos meus passaram a me chamar de RG. “RG? Do que esses caras estão falando, hein?”. É, demorou pra cair a ficha. Até que, como diria Cazuza, “a emoção acabou”…
Voltei (ufa!). Por pura Providência, a época em que a emoção esmaecia coincidiu (eu falei “coincidiu”? Mercy, oh Lord!) com a época em que eu estava descobrindo a teologia reformada. E foi exatamente aí que eu passei a desconfiar de certos apelos que o Gondim fazia em seus textos – seus termos melosos, sua argumentação puramente emotiva e todo o resto que vocês já sabem. Como a tarefa de linkar todas as heresias que já li dele seria por demais hercúlea, contento-me em citar apenas um artigo de sua lavra que me abriu os olhos para o terreno movediço em que eu estava pisando. Trata-de do artigo Proposta de um credo, publicado em uma das edições de Ultimato (aqui), onde ele endossa aquilo que mais tarde eu conheceria por Teologia Relacional. Aproximei-me do texto como admirador, e voltei dele estarrecido com o que lia – mesmo não sendo esse o seu texto mais tortuoso. “Creio que Deus soberanamente decidiu abrir mão de parte de sua onipotência quando criou seres à sua imagem e semelhança”, dizia ele. Alguns dias depois, Gondim escreveria um polêmico texto sobre o tsunami que devastou o leste asiático no final de 2004 (clique aqui, porque este aqui, curiosamente, não funciona), onde não somente a onipotência, mas também a onisciência divina seria negada. Só que desse texto eu só tomei conhecimento muito tempo depois de ter sido escrito.
Quando li um artigo que o Augustus Nicodemus escreveu para a mesma Ultimato sobre a Teologia Relacional (aqui), logo passei a associar as denúncias dele às propostas do Gondim. Eu dava os meus primeiros passos na fé reformada, e aquele era um tema crucial. Um Deus que não é soberano? Estranho isso… Finalmente, fui alertado por um amigo que Gondim era adepto da Teologia Relacional. E foi exatamente isso o que eu ouvi mais tarde da boca do próprio Augustus, numa ocasião em que ele pregou na igreja em que eu passei a congregar (saí de uma batista e fui pra uma presbiteriana) – uma exposição na 2ª carta de João, que trata exatamente de como os falsos mestres devem ser tratados. Aquilo que muitos chamariam de “anti-ético” da parte do Augustus eu definiria como amor: amor pela Igreja de Cristo, a qual foi comprada com Seu sangue. Amor que anda em conformidade com a Verdade, como somos ensinados por Paulo (Ef. 4.15).
Aí me vem esses jovens da Betesta em defesa de um cara que precisa negar a Verdade para afirmar o amor! “Não temos medo de pensar. Temos medo de não amar”, disseram eles na primeira defesa, em 2007 (aqui). Pergunto aos tais: “não amar” o que? O deus limitado do Gondim? Um deus que se faz menor que suas criaturas? Pois saibam que a este deus eu não amo e nunca temerei não amar! “Não terás outros deuses diante de mim”, diz o primeiro mandamento. Isso mesmo! Que dizer do deus do Gondim senão que ele é outro, e, portanto, um ídolo? Ah, o “não amar” se refere ao próximo, é isso? Tanto quanto pior! Pois se eu não possuo uma visão adequada de Deus eu também não posso ter uma visão adequada do homem (e vice-versa), a quem pretendo tomar como próximo. Por isso é que eu também afirmo que não tenho medo de não amar ninguém!
E mais uma vez esses jovens resolveram adotar o discurso autocomiserado do seu mestre. “O Gondim virou o herege da vez. O inimigo da vez. Nada mais mesquinho e estranho ao Evangelho - que nos convida a amar os inimigos, mas parece que o universo evangélico se especializou em produzir inimigos para odiá-los em comunhão”, dizem. Aliás, relativizar a verdade em prol de um amor que só existe na cabeça deles é praxe nesses grupos. Segundo eles, “heresia pressupõe uma verdade absoluta. Na fé cristã essa verdade é o Amor, não uma doutrina ou um dogma”. E este é o motivo pelo qual eles não consideram seu mestre um falso mestre: a “não relativização” do amor. “Por isso não consideramos o Ricardo Gondim um herege, pois nunca o vimos relativizar a revelação que Deus é Amor”. Para justificar o porquê disso eles apelam para a vida corporativa (ou seria vegetativa?) da igreja onde, dominicalmente, Gondim destila seu veneno.
Quem conhece a Betesda e o Gondim sabe que ele prega todos os domingos na [sic] Bíblia e que proclama em alto e bom som a fé cristã: Jesus é Deus encarnado, nascido de uma virgem por meio do Espírito Santo, morreu na cruz por amor de nós, a fim de nos salvar, e ressuscitou no terceiro dia vencendo a morte, estendendo a ressurreição a todos os homens e mulheres por meio da fé.
Notem que nada é dito sobre, por exemplo, a soberania de Deus, porque este é um conceito que eles e os demais relacionais, liberais e et ceteras e tais! detestam. Isso pode ser facilmente explicado pela postura de Esquerda (socialista) assumida por eles. “Heresia”, dizem, “é uma palavra criada para tentar invalidar ideias opostas às ideias vigentes. Criar hereges é fonte de alianças maquiavélicas, para calar a boca de quem incomoda as maiorias, sempre poderosas”. E aqui eles alinham Gondim a Martin Luther King, dizendo que este “também já foi acusado de herege pelos pastores poderosos de sua época - e libertou um povo oprimido, dando a eles direito à cidadania”. Talvez se eles conhecessem um pouco mais da “vida privada” do tal revolucionário seriam mais cautelosos na comparação. Somente para fazer justiça, apesar da minha aversão à postura do Gondim eu não creio que ele, a exemplo do Luther King, plagiou teses na universidade e tem relacionamentos extra-conjugais (leia aqui) – embora teologicamente eles se pareçam. Mas o desvario desses jovens é tanto que resolveram alinhar seu mentor e Luther King a Lutero, os apóstolos e Jesus!
Ele [Gondim] é um herege apenas para quem considera alguma doutrina e lei absolutas. Mas nesse caso, King, Lutero, os apóstolos e o próprio Jesus também eram, então o Gondim está em ótima companhia, e seguindo um excelente caminho.
Quanta cegueira, meu Deus! Será que não percebem que defendendo seu mestre dessa forma tão estúpida estão indo contra o Mestre? Será que não percebem que alinhar Cristo e seus apóstolos a alguém que abertamente relativiza a Verdade e destrona a Jesus do seu patamar de Glória é blasfêmia? Será que não percebem que estão seguindo alguém que está imerso em sua própria incredulidade; um cego, guia de cegos?
Entendam, meu caros. Não é por pedantismo ou arrogância (ah, palavrinha mal entendida!) que digo essas coisas, mas por amor. Inicialmente, por amor a Deus e à Verdade; e também por amor àqueles que estão sendo levados por esse engodo chamado Gondim. Novamente apelando para a experiência comunitária, seus discípulos ainda alegam que “a maior parte de seus acusadores e perseguidores nunca leu um livro que ele escreveu, ou um artigo, uma entrevista, nunca foi à um culto na igreja Betesda do Jardim Marajoara, em São Paulo – onde ele é pastor e prega todos os domingos – não conhece os membros da Betesda e não sabe quase nada sobre a história de vida do Gondim nem da Betesda. Apenas repete o discurso inflamado de seus líderes e pastores que vêem no livre-pensar do Gondim uma ameaça”. Bom, eu realmente nunca fui num culto da Betesda (nem quero ir) e não conheço os seus membros (a não ser pelo que escrevem, agora). Mas já li livros, artigos e entrevistas suficientes do Gondim para querer distância de suas ideias, e a história de vida dele – bem como a de qualquer um de nós – não tem poder algum para testemunhar contra ou a favor da Verdade, visto que, como dizia Calvino, ela sozinha pode manter-se de pé. Não escrevo de uma “torre-de-marfim calvinista”, como alguns podem me acusar. Também vim do pó e ao pó voltarei; sou humano e pequeno. Por isso mesmo é que me reconheço fraco e incapaz; sujeito à minha própria fraqueza. Não obstante, creio firmemente que o Cristo das Escrituras é poderoso para me guardar de todo tropeço e para me apresentar com exultação, imaculado diante da sua glória (Jd 24). É por esse motivo que, embora eu discorde frontalmente dos que defendem esse herege, devo dizer que ainda assim tenho compaixão por eles, no sentido de que oro para que Deus, em sua inaudita Graça, os livre desse laço, assim como um dia eu mesmo fui liberto das trevas e da ignorância a respeito dos atributos e da Pessoa do Eterno. Não posso crer que alguém que diminua tanto a Deus possa ser considerado alguém que O ama em Espírito e em Verdade. Não posso admitir genuína adoração e amor onde a Verdade não impera.
Por isso, se aqui cabe um conselho aos jovens da Betesda (e aos demais enfeitiçados), aqui vai:
Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno. 1 Jo 2.24.
De todos os autores neotestamentários, João talvez seja aquele que mais tenha tratado do tema amor e verdade. Para ele esses são conceitos que não podem ser contrapostos nem divorciados, mas juntos dão todo o sentido à existência humana. Opiniões erradas sobre Deus, Jesus e o mundo não podem ser tomadas como “alternativas” à fé, e sim como afronta a ela. Por este exato motivo é que eu rechaço a proposta relacional do Gondim, visto que ela é, na realidade, toatalmente anti-relacional, no mais puro sentido redentivo da palavra. E, assim como um dia Deus me libertou de despencar nesse abismo, oro para que os jovens da Betesda também tenham os seus olhos abertos, antes que seus caminhos tomem um rumo totalmente irreversível.
Que Deus nos ajude!
Soli Deo Gloria!
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