Se
os pregadores do passado em alguns momentos sofreram de uma fascinação
doentia pelo inferno, os ministros de hoje, incluindo não poucos
líderes emergentes, são culpados de uma ambivalência indevida sobre o
assunto. [...] É certo que não existe espaço para leviandade no que se
refere à ira de Deus, mas será que não há lugar para uma advertência
apaixonada e viva? Não é bíblico deixar para trás o agnosticismo em
relação ao inferno e implorar às pessoas em favor de Cristo, dizendo
“reconciliem-se com Deus” (2Co 5:20)? Será que nosso evangelismo se
degenera, nossa pregação carece de autoridade e nossas congregações
perdem foco porque não temos a doutrina do inferno bem clara diante de
nós para colocar nossa face como seixo na direção de Jerusalém?
Precisamos da doutrina da punição
eterna. Por repetidas vezes no Novo Testamento descobrimos que entender
a justiça divina é essencial para nossa santificação. Crer no
julgamento de Deus de fato nos ajuda a ser mais semelhantes a Jesus. Em
resumo, precisamos da doutrina da ira de Deus.
Primeiro, precisamos da ira de Deus
para nos mantermos honestos em relação ao evangelismo. Paulo discutiu
com Félix sobre justiça, domínio próprio e juízo vindouro (At 24:25).
Precisamos fazer o mesmo. Sem a doutrina do inferno, nossa tendência é
nos envolvermos em todo tipo de coisas importantes que honram a Deus,
mas negligenciarmos aquilo que importa para toda a eternidade, que é
insistir com os pecadores a que se reconciliem com Deus.
Segundo, precisamos da ira de Deus para
perdoar nossos inimigos. A razão de podermos abrir mão de pagar o mal
com o mal é que confiamos na promessa do Senhor, segundo a qual ele
retribuirá os ímpios. A lógica de Paulo é sadia. “Amados, nunca
procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito:
‘Minha é a vingança; eu retribuirei’” (Rm 12:19). A única maneira de
deixar para trás nossas feridas mais profundas e as traições que
sofremos é descansar seguros de que todo pecado contra nós foi pago na
cruz ou será punido no inferno. Não precisamos buscar justiça com as
próprias mãos, pois Deus será nosso justo juiz.
Terceiro, precisamos da ira de Deus
para podermos arriscar nossa vida em favor de Jesus. A devoção radical
necessária para sofrer pela palavra de Deus e o testemunho de Jesus
vem, em parte, da segurança que temos de que Deus nos vindicará no
final. É por isso que os mártires embaixo do trono clamarão: “Até
quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, esperarás para julgar os
habitantes da terra e vingar o nosso sangue?” (Ap 6:10). Eles pagaram o
preço derradeiro por sua fé, mas seus clamores manchados de sangue
serão respondidos um dia. Sua inocência será estabelecida quando Deus
finalmente julgar os que os perseguiram.
Quarto, precisamos da ira de Deus para
viver uma vida santa. Paulo nos adverte de que Deus não pode ser
zombado. Colheremos aquilo que plantarmos. Somos levados a viver uma
vida de pureza e boas obras em função da recompensa prometida pela
obediência e a maldição prometida pela desobediência. Se vivermos para
agradar à carne, colheremos de Deus a destruição. Mas, se vivermos para
agradar ao Espírito, colheremos a vida eterna (Gl 6:6-7). Às vezes os
ministros hesitam diante da ideia de motivar pessoas com a ameaça da
punição eterna. Mas não foi essa a abordagem de Jesus quando ele disse
“não tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma.
Antes, tenham medo daquele que pode destruir tanto a alma como o corpo
no inferno” (Mt 10:28)? Às vezes precisamos literalmente arrancar o
inferno das pessoas por meio do medo.
Quinto, precisamos da ira de Deus para
entender o significado da misericórdia. Sem a ira divina, a
misericórdia divina não tem sentido. Somente quando sabemos que éramos
merecedores da ira (Ef 2:3), que já estávamos condenados (Jo 3:18) e
que enfrentaríamos o inferno como inimigos de Deus, não fosse a
misericórdia imerecida (Rm 5:10), é que podemos cantar de todo o
coração “preciosa a graça de Jesus, que um dia me salvou”.
Sexto, precisamos da ira de Deus para
entender como o céu será maravilhoso. Jonathan Edwards é famoso (ou
mal-afamado) por seu sermão “Pecadores nas mãos de um Deus irado”. Ele
ainda é lido nas aulas de literatura americana, normalmente como uma
caricatura do espírito puritano da Nova Inglaterra colonial. Mas poucas
pessoas percebem que Edwards também pregou sermões como “O céu é um
mundo de amor”. Diferentemente da maioria de nós, Edwards via em cores
vívidas o terror do inferno e a beleza do céu. Não podemos ter um
quadro claro de um sem o outro. É por isso que a descrição da Nova
Jerusalém celestial também contém uma advertência aos covardes, aos
incrédulos, aos depravados, aos assassinos, aos que cometem imoralidade
sexual, aos que praticam feitiçaria, aos idólatras e aos mentirosos,
cujo lugar “será no lago de fogo que arde com enxofre” (Ap 21:8). É
improvável que desejemos nossa salvação final sem saber do que somos
salvos.
Sétimo, precisamos da ira de Deus para
sermos motivados a cuidar de nossos irmãos pobres. Todos nós conhecemos
a afirmação de que os cristãos estão de tal modo voltados para o céu
que não prestam para nada na terra. A ideia é que, se tudo o que
pensarmos for apenas céu e inferno, terminaremos ignorando ministérios
de compaixão e justiça social. Mas que melhor impulso para a justiça
social do que a sóbria advertência de Jesus de que, se deixarmos de
cuidar do menor de nossos irmãos, iremos para a punição eterna? (Mt
25:31-46)? A ira de Deus é um motivador para que mostremos compaixão
aos outros, pois, sem amor, como diz João, não temos a vida eterna e,
se não compartilharmos nossos bens materiais com os que passam
necessidades, não temos amor (1Jo 3:17).
Oitavo, precisamos da ira de Deus para
nos prepararmos para a volta do Senhor. Devemos manter as lâmpadas
cheias, os pavios aparados, as casas limpas, a vinha cuidada, os
trabalhadores ocupados e os talentos investidos a fim de que não
sejamos pegos despreparados no dia do acerto de contas. Somente quando
crermos plenamente na ira iminente de Deus e tremermos diante da ideia
da punição eterna é que ficaremos despertos, alertas e preparados para
que Jesus venha outra vez e julgue os vivos e os mortos.
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* Trecho extraído do capítulo 9 do excelente livro Não quero um pastor bacana – e outras razões para não aderir à igreja emergente, de Kevin DeYoung e Ted Kluck (São Paulo: Mundo Cristão, 2011).
Sobre o Autor
Kevin DeYoung é o pastor sênior da Igreja Reformada University em East Lansing, Michigan, pastor e escritor. Graduado pela Hope College e Gordon Conwell Theological Seminary, atua na equipe de executivos da RCA Integrity, um grupo de renovação dentro da Igreja Reformada da América. Ele e sua esposa, Trisha, têm três filhos.
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EXTRAÍDO DE www.monergismo.com
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