segunda-feira, 11 de outubro de 2010


Deus, aborto e família: por que não?

As eleições presidenciais de 2010 no Brasil já entraram para a História como sendo as primeiras em que os evangélicos ocupam um papel de destaque. Atribui-se ao voto evangélico a votação expressiva da candidata Marina Silva e a realização de um segundo turno, disputado entre os candidatos Dilma Rousseff e José Serra. E uma das conseqüências deste fato é a discussão de temas pouco comuns na campanha, como Deus, aborto e família.

O que, na opinião do jornalista Maurício Stycer, é um completo desastre. No post Eleições em nome Dele, Stycer reproduz a matéria Brasil regride séculos com programa eleitoral sobre Deus, aborto e família, onde ele faz algumas afirmações "dignas" de nota:
De um lado Dilma, de outro Serra. No meio, “a família brasileira”, esta entidade abstrata, a quem os dois candidatos resolveram se dirigir com promessas de “respeito à vida” e a Deus, como se o Brasil vivesse uma era de obscurantismo e perseguição religiosa.

Um atraso de séculos, dramatizado pelo discurso dos dois candidatos e de apelações variadas.

Um desastre. Num Estado laico e democrático, é assustador ouvir os candidatos à Presidência da República recorrerem a Deus para conseguir votos.
Mas, será que o jornalista está com a razão?

Um Estado laico não é igual a um Estado ateu
Começo dizendo que o caráter laico do Estado não significa tornar "Deus" ou "religião" assuntos tabus, proibidos, que jamais devem ser discutidos por agentes públicos. Tanto que o nome de Deus é mencionado no preâmbulo da Constituição Federal:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (grifo meu)
No artigo 5º que trata dos direitos fundamentais, encontramos a base legal para que o Estado  (laico) promova, por exemplo, concursos públicos para capelães nas Forças Armadas:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
Stycer comete o mesmo erro que o jornalista Reinaldo Azevedo aponta em ação do Ministério Público Federal que quer proibir a realização de um concurso para capelães das Forças Armadas. Ao comentar sobre a ação, Reinaldo Azevedo diz:
Estado e Igreja estão separados no Brasil desde a República, e as relações têm sido harmônicas. Mas uma coisa a doutora Luciana Loureiro Oliveira não consegue negar, não é? O Brasil é um país esmagadoramente cristão, dividido em várias confissões, sendo a católica a majoritária.

Laicismo não pode se confundir com perseguição religiosa. Os sem-religião nas Forças Armadas não estarão submetidos a nenhum constrangimento — não receberão orientação nenhuma se não quiserem. Atender à maioria, nesse caso, não significa retirar direitos, então, da “minoria”.
Da mesma forma, falar sobre Deus na campanha não significa ferir o caráter laico do Estado. Nem Serra e nem Dilma estão defendendo que o Estado assuma um caráter confessional ou faça uma lei declarando a existência de Deus. Igreja e Estado continuam separados.


O Brasil teria regredido séculos é se fosse proibido discutir Deus na campanha. Aí sim estaríamos em uma idade de trevas, onde não seria mais possível discutir certos assuntos!

O povo não pode escolher a agenda política?
Aliás, se a democracia é o governo feito pelo povo, o fato do povo escolher que temas devem ser discutidos deveria ser louvado. Jornalistas e políticos estão acostumados a pautarem as discussões da sociedade (o famoso agenda setting), mas parece não aceitarem muito bem quando ela mesma coloca a sua própria agenda na pauta da imprensa e das campanhas políticas.

Entendo que a eleição de um(a) presidente da República envolva sim a discussão de vários temas relevantes para o país. Sei que nem todos são discutidos adequadamente...eu gostaria de ver, por exemplo, uma reestruturação dos impostos (reforma tributária) ser mais discutida. Mas um dos pilares da democracia é a convicção de que o povo é capaz de eleger seus governantes. Se somos capazes para nomeá-los, por que não somos capazes de perguntarmos o que nos interessa?

Valores também devem ser discutidos
Por fim, a mim me parece que a visão de Stycer exclui os valores mais importantes da campanha política. A impressão é a de que deveríamos discutir programas, ações...mas não valores e princípios. Sim, porque crenças e questões éticas estão diretamente relacionadas a princípios...os quais, por sua vez, acabam determinando as ações que serão tomadas.

A esmagadora maioria do Brasil acredita na existência de Deus. Para estas pessoas, Deus é um dos assuntos mais importantes de sua vida. No caso dos evangélicos, Deus é o tema mais proeminente de todos, o que determina tudo o que fazemos, como está escrito:
Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus. (1 Coríntios 10:31)

Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Romanos 11:36)
Falar de aborto é falar, nada mais, nada menos, na vida humana. Será que este não é um assunto importante? Com a palavra, o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer:
“Eu acredito que é bom que a questão do aborto seja também levada em consideração dentro dos debates políticos. É uma questão que merece consideração política. Ou a vida humana seria tão desprezível que não merece consideração política?”, afirmou o cardeal em coletiva sobre a “Semana Nacional da Vida”, no Amparo Maternal, em São Paulo. “Acho que é desejo dos eleitores que os candidatos tenham posições claras e coerentes com aquilo que de fato pretendem levar adiante”, acrescentou. (Matéria de André Mascarenhas, do Estado de São Paulo, que pode ser lida aqui).
Quanto à família, ela ainda é vista pela maioria das pessoas no Brasil como sendo a base da sociedade. É um dos assuntos que toca a maioria dos brasileiros de modo mais direto, porque envolve falar de casamento, paternidade e maternidade, adoção de filhos, cuidado com os mais idosos, abandono de crianças, divórcio, entre outros. Quem, em sã consciência, não acharia importante discutir este assunto?

Claro que, ao meu ver, o Estado não deve se intrometer na vida das famílias. Mas, ao aprovar leis como a Lei Maria da Penha (de violência doméstica contra às mulheres) ou a que tornou o divórcio um processo muito mais rápido, o Estado acaba sim influenciando as famílias brasileiras com suas decisões. Se tal assunto não é importante para o Sr. Maurício Stycer, para este pastor presbiteriano e outros milhões de evangélicos, trata-se de um dos temas cruciais que devem ocupar a mente dos brasileiros no século XXI.

Voltar no tempo?
No mais, encerro dizendo que Stycer comete um erro típico de uma sociedade relativista. Tudo pode ser discutido e debatido...menos os assuntos que interessam às igrejas cristãs. As idéias de outros parecem ser recebidas como naturais e próprias ao tempo...mas quando os cristãos querem discutir o que é relevante para nós...então a sociedade está regredindo séculos e caindo em uma era de obscurantismo.

Eu é que proponho ao jornalista que deixe um pouco de luz entrar em sua mente e mostre um pouco mais de respeito aos milhões de cristãos deste país que valorizam Deus, a vida humana e a família.
 

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