João Calvino Falando Português
Valter Graciano Martins
Sem a menor sombra de dúvida, este é o tempo em que João Calvino se põe a falar nosso idioma, através da tradução de suas obras. Após um século e meio de fé evangélica no Brasil, em apenas duas décadas suas obras proliferam de modo inusitado, quando antes pouquíssimos criam na validade de tal empreendimento.
Duas versões evangélicas das Institutas, uma versão secular delas, dezenas e mais dezenas de comentários e tratados, já traduzidos e em preparação, e um volume de suas correspondências. Certamente, se os vários tradutores de suas obras escrevessem sobre a experiência que tiveram enquanto mergulhados no pensamento do Reformador, todos teriam muito a nos contar.
No que me diz respeito, em particular, o que tenho a dizer sobre a minha experiência, enquanto traduzo os comentários e tratados de Calvino, encheria um volume massudo.
Como conto com pouco espaço, tentarei sintetizar ao máximo as minhas impressões, visando à edificação dos leitores.
Durante todo o tempo em que estou traduzindo suas obras, minhas emoções correm a mil. Vale dizer que só o contato com esse homem já deixa o leitor em sobressalto. A beleza de seu estilo, a profundidade de seu pensamento, a sinceridade com que aborda os grandes temas do cristianismo, a preocupação com o bom preparo de ministros e do povo, bem como com a evangelização mundial, sua austeridade em confrontar o erro com a verdade, seu raciocínio lógico em desbaratar o erro doutrinário, a abrangência de seu pensamento teológico, seu cuidado meticuloso em não ultrapassar os limites da revelação divina – tudo isso causa uma profunda impressão naquele que se põe a perscrutar os meandros da interpretação bíblica de Calvino. A impressão que se tem é que seu conhecimento era ilimitado.
Por exemplo, um dos pontos que mais me causaram impacto no enfoque teológico do Reformador foi a sua profunda reverência pela Bíblia. É uma reverência tal que já quase nem vemos hoje. Ele abraçou a Bíblia de modo incondicional. Ele a via como a Palavra do Deus eterno, que no-la deu como padrão, para nela haurirmos a verdade que ele quis que conhecêssemos sobre seu eterno plano para todo o universo, especialmente para sua Igreja. Toda a vida de Calvino consistiu em extrair da Palavra de Deus tudo que o Espírito gravou nela pela pena dos patriarcas, profetas e apóstolos. Ele nutria o receio de escorregar para a direita ou para a esquerda, inventando o que o Espírito não queria revelar; também temia deixar de fora algo importante que o Espírito quis que sua Igreja soubesse.
Outro ponto que me tem causado profunda impressão é a reverência de Calvino para com o Deus trino.
A força da teologia de Calvino estava no fato de que ele via a Deus como absolutamente soberano. Seu direito é absoluto. Sua reivindicação é absoluta. Sua liberdade é absoluta, nada carecendo de tudo que criou.
Ele é completamente Outro. A salvação que ele nos deu em Cristo é também absoluta, isto é, sua competência é inteiramente dele e não do homem. O que cumpre ao homem é abraçar seu Ser absoluto e, nele, sua salvação plena, vivendo nesta a sua vida prática; e mesmo esse abraçar é dado por graça. O grande "problema" de Calvino, para o homem moderno, em relação ao sinergismo humano, é que ele não deixava nada ao homem, senão o dever de abraçar toda a revelação divina sem questionar nem especular. Estudar, sim, porém não questionar o decreto eterno de Deus. Além de pecaminoso, nada vale questionar a sua verdade.
Perscrutar os escritos de Calvino causa espanto e pasmo, porque, embora, logicamente, ele não fosse infalível, falhando em detalhes periféricos, isso nada detrai de seu valor como teólogo e pensador. Porque a grandeza do todo nos causa profunda admiração: como foi possível que um homem ainda tão jovem e inserido na problemática social, política, econômica e cultural de seu próprio tempo, com uma atividade múltipla e envolto de tanta controvérsia, achasse tempo para caminhar pelas gloriosas avenidas da santa Bíblia, expondo-a teologicamente, confrontando-a polemicamente, usando-a para plasmar os problemas sociais e políticos de seus dias, com tanta perseverança e persistência? Caminhando com ele por todo o Novo Testamento (menos Apocalipse e 3 João), todos os Salmos, Daniel e vários tratados, espanta-me que ele confrontasse todo o seu conteúdo com os problemas reais de seus dias, não superficialmente, e sim com a máxima profundidade que um ser humano pode alcançar.
Sou grato ao Senhor da Igreja por me haver dado o privilégio da companhia de João Calvino através de suas obras. Eu sei que muitos me vêem como um amante de obras antigas, ou porque não se dão ao trabalho de lê-las, ou porque desprezam-nas, preconceituosa e negligentemente, crendo que o antigo já está ultrapassado, ou porque acreditam que nosso mundo moderno é superior ao mundo de então. O fato é que quem faz como eu, passando a ter santa convivência com o Reformador, chega à conclusão de que o Senhor da Igreja predestinou e abençoou aquele homem para uma obra ímpar e perene na Igreja, depois dos apóstolos. Ele continua desafiando a todos: ou a permanecer do lado esquerdo do supremo Juiz, ou a aceitar o desafio do reino de Cristo e pagar o preço de abraçar a pura verdade revelada na santa Bíblia. Creio que João Calvino ainda fala hoje e influencia milhares de cristãos à pureza da doutrina e da Igreja e que a partir de hoje surgirá uma grande multidão que se voltará às páginas da Bíblia pela ótica de João Calvino e dará sua contribuição para mudar os rumos ora desnorteados da Igreja, para a glória do Senhor que vem!
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