Por Augustus Nicodemus Lopes
Eu não poderia deixar de incluir nessa série sobre santificação um post que trabalhasse a relação entre a santidade bíblica e a neo-ortodoxia. Acredito que uma das maiores vulnerabilidades da neo-ortodoxia é exatamente na área de santificação. Com isso não quero generalizar, dizendo que todo neo-ortodoxo inevitavelmente tem problemas sérios para viver uma vida santa. Apenas estou dizendo que os princípios operantes da neo-ortodoxia tendem a relegar a santificação a um papel secundário na vida cristã.
Começo recordando o que já disse aqui no blog (faz tempo!) sobre a neo-ortodoxia (veja os links para os posts ao final). Ela foi uma tentativa de síntese entre a ortodoxia da Igreja e o liberalismo teológico no século passado, síntese em que não somente o liberalismo perdeu sua força, como também a própria ortodoxia, que já não seria a mesma. Contudo, a neo-ortodoxia continuou a se apresentar usando os termos e o vocabulário da ortodoxia histórica, embora com conteúdo diferente e que pouca coisa tem em comum com a ortodoxia histórica da Igreja. Aos neo-ortodoxos brasileiros eu diria o seguinte quanto à necessidade de santificação.
1. A santidade é visível aos olhos humanos – Ela não acontece nas regiões celestiais apenas, no âmbito das relações invisíveis entre os crentes e Deus. Se por um lado já fomos santificados e glorificados em Cristo nas regiões celestiais – coisa que não podemos sentir nem ver – somos exortados a nos santificar diariamente pela mortificação da natureza pecaminosa e pelo revestimento das virtudes cristãs (cf. Colossenses 3.1-6). A neo-ortodoxia tem a tendência de colocar como transcendentes as manifestações práticas e visíveis da operação da graça de Deus no ser humano, interpretando conversão e santificação em termos psicológicos, apenas. Talvez seja por esse motivo que alguns neo-ortodoxos – note que não estou generalizando – consideram como sem importância fazer sexo antes do casamento, ir aos bailes e baladas, separar-se e casar de novo mais de uma vez, e usar palavrões e linguagem chula. Eles acabam esvaziando de sentido as declarações bíblicas sobre a necessidade diária e prática de uma vida separada do pecado e apegada aos valores cristãos.
2. A santidade é sinal da eleição – Muitos neo-ortodoxos negam isso, afirmando que os puritanos modificaram a doutrina da segurança da fé ensinada por Calvino. Os puritanos, com seu legalismo, teriam conectado a certeza de salvação à santidade e não á fé salvadora, como Calvino supostamente acreditava. Essa tese falsa já foi convincentemente refutada por muitos autores (recomendo o artigo de Paulo Anglada na revista Fides Reformata). Não precisamos dos puritanos para ver que a Bíblia ensina claramente que fomos eleitos para a santificação, e que sem santificação, ninguém verá ao Senhor (Hb 12.14). A santidade de vida – não estou falando de perfeição – é parte integrante da fé salvadora (Romanos 6). Santidade e fé salvadora são dois lados de uma mesma moeda. Tiago que o diga: “Fé sem obras é morta”. E no contexto, ele não estava falando de dar esmolas, mas de obedecer a Deus mesmo ao custo do que nos é mais precioso, como os exemplos de Abraão e Raabe demonstram (Tiago 2). Deixando de considerar a santificação como sinal da eleição para a vida eterna e adotando a fé como esse sinal, adotam uma base subjetiva para a segurança de salvação e correm o risco de se enganarem quanto à sua experiência religiosa, pois desta forma, podem se considerar salvos mesmo que não haja sinais visíveis da santificação entre eles.
3. A santidade é experimental – com isso quero dizer que podemos experimentá-la. Podemos viver, sentir e experimentar a vitória sobre as tentações interiores e exteriores. Sentimos e experimentamos grande gozo, alegria e deleite nas coisas de Deus. Sei que muitos vão se espantar com isso, mas declaro acreditar que reações físicas como tremer, chorar, emocionar-se, são perfeitamente válidas, se são resultado da pregação da Palavra de Deus na mente e no coração. Neo-ortodoxos tendem a considerar toda manifestação religiosa emocional como pentecostalismo, esquecidos de que a tradição reformada à qual dizem pertencer reconhece que a ação graciosa do Espírito na santificação por vezes produz efeitos profundos em nossa estrutura emocional. Eu sou contra emocionalismo e a manipulação e exploração das emoções. Mas, já chorei de alegria diante de Deus ao meditar na sua graça, já solucei amargamente, prostrado, por causa dos meus pecados, já senti uma paz que ultrapassa qualquer descrição ao enfrentar grandes tentações. O processo de santificação inevitavelmente passa pelas emoções – não é somente uma coisa da mente. E isso não é pietismo e nem pentecostalismo, como geralmente os neo-ortodoxos pensam.
4. A santidade precisa da prática devocional – Eu ainda acredito, depois de todos esses anos de crente, de pastor e professor de interpretação bíblica, que a leitura bíblica diária, junto com meditação e oração a Deus, são meios indispensáveis para nos santificarmos (Salmo 1). Não sei como muitos conseguem passar dias e dias sem ler a Palavra de Deus, sem meditar nela e buscar a Deus em oração. Quando por algum motivo deixo de fazer minhas devoções diárias, sinto o velho Adão fortalecer-se dentro em mim. Perco a alegria e o deleite na oração. Meu coração começa a se endurecer, meus sentidos espirituais começam a se embotar. O pecado deixa de ser odioso e começa a ser mais atraente. Eu nunca havia entendido até alguns anos passados porque neo-ortodoxos adotam uma ordem de culto extremamente litúrgica. Hoje, penso que descobri. Se não temos prática devocional e se tiramos o poder prático do Evangelho em nossas vidas, temos de transferir a dinâmica da santificação para outra esfera – e no caso, um culto extremamente formal e litúrgico. Não sou contra um culto litúrgico. Sou contra o “liturgismo” que aparece como substituto de uma vida devocional diária e do processo de santificação.
5. A santificação pressupõe que Deus fez e faz milagres neste mundo – A santificação bíblica pressupõe a realidade de três milagres. Primeiro, a vitória de Jesus sobre o pecado e a morte, mediante sua ressurreição física, literal e histórica de entre os mortos. É somente mediante nossa união com o Cristo ressurreto e exaltado que temos o poder para vencer o pecado em nós. Segundo, a operação do Espírito regenerando o pecador, dando-lhe uma nova natureza e implantando nele o princípio da nova vida em Cristo. Sem regeneração, não pode haver santificação. A velha natureza pecaminosa não pode santificar-se. É preciso uma nova natureza e somente um ato miraculoso, criador, de Deus a implanta no pecador. Terceiro, a ação da Providência de Deus, que diariamente impede que sejamos tentados mais do que podemos resistir, subjugando Satanás, subjugando nossas paixões e nos mantendo no caminho da santidade. A neo-ortodoxia tende a lançar todos os atos miraculosos de Deus para a heilsgeschichte, um nível de existência que eles inventaram, que é fora desse mundo. Portanto, quem realmente não crê na ação miraculosa de Deus na historie, no mundo real, não conhece o que é a regeneração, a união mística com Cristo e a vitória diária sobre o pecado.
6. A santificação precisa de referenciais morais objetivos e fixos - Sem eles, a santificação descamba para o misticismo, pragmatismo, e paganismo. O referencial seguro do caminho da santidade é a Palavra de Deus, nossa única regra de fé e prática. Ela é lâmpada para meus pés e luz para meus caminhos (Salmo 119.105). A neo-ortodoxia vê a Bíblia, não como a Palavra de Deus, mas como o testemunho humano escrito e falível a essa revelação. Deus só me fala pela Bíblia num encontro existencial, cujo conteúdo será determinado pela minha necessidade naquele momento. Fica difícil dizer não ao pecado, mortificar as paixões, rejeitar as tentações, buscar a verdade, a pureza e a justiça quando não temos certeza que essas coisas são certas e que são a vontade de Deus para nós a todo momento. Uma Bíblia falível, muda, cheia de erros, é um guia inseguro e não-confiável na senda do Calvário.
“Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14).
Artigo retirado do blog O Tempora, O Mores
Começo recordando o que já disse aqui no blog (faz tempo!) sobre a neo-ortodoxia (veja os links para os posts ao final). Ela foi uma tentativa de síntese entre a ortodoxia da Igreja e o liberalismo teológico no século passado, síntese em que não somente o liberalismo perdeu sua força, como também a própria ortodoxia, que já não seria a mesma. Contudo, a neo-ortodoxia continuou a se apresentar usando os termos e o vocabulário da ortodoxia histórica, embora com conteúdo diferente e que pouca coisa tem em comum com a ortodoxia histórica da Igreja. Aos neo-ortodoxos brasileiros eu diria o seguinte quanto à necessidade de santificação.
1. A santidade é visível aos olhos humanos – Ela não acontece nas regiões celestiais apenas, no âmbito das relações invisíveis entre os crentes e Deus. Se por um lado já fomos santificados e glorificados em Cristo nas regiões celestiais – coisa que não podemos sentir nem ver – somos exortados a nos santificar diariamente pela mortificação da natureza pecaminosa e pelo revestimento das virtudes cristãs (cf. Colossenses 3.1-6). A neo-ortodoxia tem a tendência de colocar como transcendentes as manifestações práticas e visíveis da operação da graça de Deus no ser humano, interpretando conversão e santificação em termos psicológicos, apenas. Talvez seja por esse motivo que alguns neo-ortodoxos – note que não estou generalizando – consideram como sem importância fazer sexo antes do casamento, ir aos bailes e baladas, separar-se e casar de novo mais de uma vez, e usar palavrões e linguagem chula. Eles acabam esvaziando de sentido as declarações bíblicas sobre a necessidade diária e prática de uma vida separada do pecado e apegada aos valores cristãos.
2. A santidade é sinal da eleição – Muitos neo-ortodoxos negam isso, afirmando que os puritanos modificaram a doutrina da segurança da fé ensinada por Calvino. Os puritanos, com seu legalismo, teriam conectado a certeza de salvação à santidade e não á fé salvadora, como Calvino supostamente acreditava. Essa tese falsa já foi convincentemente refutada por muitos autores (recomendo o artigo de Paulo Anglada na revista Fides Reformata). Não precisamos dos puritanos para ver que a Bíblia ensina claramente que fomos eleitos para a santificação, e que sem santificação, ninguém verá ao Senhor (Hb 12.14). A santidade de vida – não estou falando de perfeição – é parte integrante da fé salvadora (Romanos 6). Santidade e fé salvadora são dois lados de uma mesma moeda. Tiago que o diga: “Fé sem obras é morta”. E no contexto, ele não estava falando de dar esmolas, mas de obedecer a Deus mesmo ao custo do que nos é mais precioso, como os exemplos de Abraão e Raabe demonstram (Tiago 2). Deixando de considerar a santificação como sinal da eleição para a vida eterna e adotando a fé como esse sinal, adotam uma base subjetiva para a segurança de salvação e correm o risco de se enganarem quanto à sua experiência religiosa, pois desta forma, podem se considerar salvos mesmo que não haja sinais visíveis da santificação entre eles.
3. A santidade é experimental – com isso quero dizer que podemos experimentá-la. Podemos viver, sentir e experimentar a vitória sobre as tentações interiores e exteriores. Sentimos e experimentamos grande gozo, alegria e deleite nas coisas de Deus. Sei que muitos vão se espantar com isso, mas declaro acreditar que reações físicas como tremer, chorar, emocionar-se, são perfeitamente válidas, se são resultado da pregação da Palavra de Deus na mente e no coração. Neo-ortodoxos tendem a considerar toda manifestação religiosa emocional como pentecostalismo, esquecidos de que a tradição reformada à qual dizem pertencer reconhece que a ação graciosa do Espírito na santificação por vezes produz efeitos profundos em nossa estrutura emocional. Eu sou contra emocionalismo e a manipulação e exploração das emoções. Mas, já chorei de alegria diante de Deus ao meditar na sua graça, já solucei amargamente, prostrado, por causa dos meus pecados, já senti uma paz que ultrapassa qualquer descrição ao enfrentar grandes tentações. O processo de santificação inevitavelmente passa pelas emoções – não é somente uma coisa da mente. E isso não é pietismo e nem pentecostalismo, como geralmente os neo-ortodoxos pensam.
4. A santidade precisa da prática devocional – Eu ainda acredito, depois de todos esses anos de crente, de pastor e professor de interpretação bíblica, que a leitura bíblica diária, junto com meditação e oração a Deus, são meios indispensáveis para nos santificarmos (Salmo 1). Não sei como muitos conseguem passar dias e dias sem ler a Palavra de Deus, sem meditar nela e buscar a Deus em oração. Quando por algum motivo deixo de fazer minhas devoções diárias, sinto o velho Adão fortalecer-se dentro em mim. Perco a alegria e o deleite na oração. Meu coração começa a se endurecer, meus sentidos espirituais começam a se embotar. O pecado deixa de ser odioso e começa a ser mais atraente. Eu nunca havia entendido até alguns anos passados porque neo-ortodoxos adotam uma ordem de culto extremamente litúrgica. Hoje, penso que descobri. Se não temos prática devocional e se tiramos o poder prático do Evangelho em nossas vidas, temos de transferir a dinâmica da santificação para outra esfera – e no caso, um culto extremamente formal e litúrgico. Não sou contra um culto litúrgico. Sou contra o “liturgismo” que aparece como substituto de uma vida devocional diária e do processo de santificação.
5. A santificação pressupõe que Deus fez e faz milagres neste mundo – A santificação bíblica pressupõe a realidade de três milagres. Primeiro, a vitória de Jesus sobre o pecado e a morte, mediante sua ressurreição física, literal e histórica de entre os mortos. É somente mediante nossa união com o Cristo ressurreto e exaltado que temos o poder para vencer o pecado em nós. Segundo, a operação do Espírito regenerando o pecador, dando-lhe uma nova natureza e implantando nele o princípio da nova vida em Cristo. Sem regeneração, não pode haver santificação. A velha natureza pecaminosa não pode santificar-se. É preciso uma nova natureza e somente um ato miraculoso, criador, de Deus a implanta no pecador. Terceiro, a ação da Providência de Deus, que diariamente impede que sejamos tentados mais do que podemos resistir, subjugando Satanás, subjugando nossas paixões e nos mantendo no caminho da santidade. A neo-ortodoxia tende a lançar todos os atos miraculosos de Deus para a heilsgeschichte, um nível de existência que eles inventaram, que é fora desse mundo. Portanto, quem realmente não crê na ação miraculosa de Deus na historie, no mundo real, não conhece o que é a regeneração, a união mística com Cristo e a vitória diária sobre o pecado.
6. A santificação precisa de referenciais morais objetivos e fixos - Sem eles, a santificação descamba para o misticismo, pragmatismo, e paganismo. O referencial seguro do caminho da santidade é a Palavra de Deus, nossa única regra de fé e prática. Ela é lâmpada para meus pés e luz para meus caminhos (Salmo 119.105). A neo-ortodoxia vê a Bíblia, não como a Palavra de Deus, mas como o testemunho humano escrito e falível a essa revelação. Deus só me fala pela Bíblia num encontro existencial, cujo conteúdo será determinado pela minha necessidade naquele momento. Fica difícil dizer não ao pecado, mortificar as paixões, rejeitar as tentações, buscar a verdade, a pureza e a justiça quando não temos certeza que essas coisas são certas e que são a vontade de Deus para nós a todo momento. Uma Bíblia falível, muda, cheia de erros, é um guia inseguro e não-confiável na senda do Calvário.
“Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14).
Artigo retirado do blog O Tempora, O Mores
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