Numa
cidade como Brasília, o segredo é impossível. A autoridade tem um
assessor, o assessor tem um amigo íntimo, o amigo íntimo do assessor tem
um amigo íntimo, o amigo íntimo do amigo íntimo do assessor tem uma
amante, a amante do amigo íntimo do amigo íntimo do assessor é casada
com outra autoridade, que tem um assessor…
Depois de exercer a Presidência por oito anos, Lula conhece como
poucos as mumunhas do funcionamento da Capital. A despeito disso,
permitiu-se travar com o ministro Gilmar Mendes, do STF, um diálogo
esquisito. A conversa ocorreu em 26 de abril, no escritório de Nelson
Jobim, ex-ministro de Lula e amigo íntimo de Gilmar. O teor do diálogo
ganhou as páginas de Veja.
Diz a notícia que Lula foi a Gilmar para tentar adiar o julgamento do
mensalão. Em troca, ofereceu-lhe blindagem na CPI do Cachoeira. Por que
o ministro precisaria de escudo? Corre nos subterrâneos do Congresso
que Gilmar teria viajado à Alemanha na companhia de um amigo íntimo:
Demóstenes Torres. A dupla teria voado em avião provido por Carlinhos
Cachoeira, amigo íntimo do amigo íntimo de Gilmar.
Gilmar confirma o encontro com Lula. Corrobora também o conteúdo da
conversa. “Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações
despropositadas do presidente Lula”, disse. Admite que esteve com
Demóstenes em Berlim. Mas declara que pagou suas despesas e tem como
demonstrar. Na sua versão, o ministro disse a Lula que ele poderia “ir
fundo na CPI.”
Lula manifestou o desejo de empurrar o julgamento do mensalão para
depois das eleições municipais de outubro. Chegou mesmo a dizer,
conforme a reportagem de Veja, que “o Zé Dirceu está desesperado”. José
Dirceu, amigo íntimo de Lula e um dos 38 réus do mensalão, figura no
processo como “chefe da quadrilha”. O pretendido adiamento não seria
providência trivial. Poderia significar a prescrição de vários crimes.
De resto, implicaria na exclusão de dois juízes tidos como propensos a
condenar os integrantes da “quadrilha”: Carlos Ayres Britto e Cezar
Peluso. A dupla se aposenta neste ano. Algo que fará com que Dilma
Rousseff indique os substitutos. Quer dizer: Lula move-se com o
deliberado propósito de interferir no resultado do julgamento dos
implicados no escândalo que tisnou seu primeiro reinado.
Segundo a revista, Lula contou a Gilmar que procuraria outros
ministros do Supremo. Dos onze titulares do tribunal, ele indicou seis.
Incumbiria o amigo Sepúlveda Pertence, ex-ministro do STF e atual chefe
da Comissão de Ética Pública da Presidência, de conversar com a ministra
Cármen Lucia. Pertence é padrinho da indicação de Cármen.
O ex-soberano disse que já havia conversado com o ministro José Dias
Toffoli, ex-assessor da liderança do PT, amigo íntimo de vários petistas
e ex-chefe da Advocacia-Geral da União na gestão Lula. “Eu já disse ao
Toffoli que ele tem que participar do julgamento”, teria comentado Lula
com Gilmar.
Lula contactara também o ministro Ricardo Lewandowski, ex-advogado de
entidades sindicais do ABC paulista. Revisor do voto do relator Joaquim
Barbosa, Lewandowski tem o calendário nas mãos. Depende da conclusão do
trabalho dele o agendamento do dia da sessão em que os réus escalarão o
cadafalso.
Descobriu-se que Lula achegou-se também a Ayres Britto,
recem-empossado na presidência do STF. Encontrou-o num almoço oferecido
por Dilma no Palácio da Alvorada, no dia da instalação da Comissão da
Verdade. Lula disse que convidaria o ministro para dividir um vinho com
ele e com o advogado Celso Antonio Bandeira de Mello, amigo íntimo de
Ayres Britto e padrinho de sua indicação ao Supremo.
Ouvido neste sábado (26), Ayres Britto confirmou o encontro com Lula.
Mas disse não ter percebido “malícia” na abordagem. De todo modo,
absteve-se de experimentar o vinho. “Estive com Lula umas quatro vezes
nos últimos nove anos e ele sempre fala de Bandeirinha. Ele nunca me
pediu nada e não tenho motivos para acreditar que havia malícia no
convite.”
Ayres Britto disse que Gilmar Mendes relatou-lhe a conversa que
tivera com Lula. Só então acendeu-lhe a “luz amarela”. E daí? “Eu
imediatamente apaguei, pois Lula sabe que eu não faria algo do tipo.”
Se Brasília fosse feita de vidro, Lula talvez não tratasse com tanto
desapreço sua biografia. É certo que a Capital da República é 100% feita
de amigos. Mas os ministros do STF não ignoram –ou não deveriam
ignorar— que decisões judiciais são feitas de fatos e convicções. Num
tribunal, a amizade é irmã gêmea da desmoralização.
Lula ainda não se deu conta. Mas sua movimentação talvez potencialize
as chances de condenação dos amigos íntimos. Procurado, o mandarim do
petismo não quis comentar a reveladora reportagem. Pena. A plateia está
ávida por ouvi-lo. Deveria trocar a sombra dos diálogos travados entre
quatro paredes pelo calor dos holofotes.
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