Por Marcelo Lemos
Querida
Lene, paz e bem!
Em
nossas cinco cartas anteriores, sola
scriptura,
sola
gratia,
sola
fidei,
solus
Christus e
soli
Deo gloria,
comentamos brevemente os fundamentos áureos da Fé Reformada.
Conquanto cinco
solas
e cinco
cartas
formem (ao menos de nome) um todo, nossas cartas, com a Graça de
Deus, tendem a continuar. À medida que formos avançando é possível
que nossas cartas ganhem um pouco mais de densidade, conforme
caminhemos pelas sendas da catequese cristã reformada.
Minha
carta de hoje te convida à primeira questão do Catecismo de
Heidelberg:
Qual
é teu único consolo tanto na vida como na morte?
A
morte é um fato. E apenas um grupo de pessoas possui esperança
diante da morte: os cristãos. Os demais, independentemente do quanto
são apreciados, admirados, ou mesmo invejados, fazem parte dos que
“não têm esperança” (I
Tes. 4.13).
Apenas o cristão pode ter esperança quando a Morte cumpre seu
ofício. Como isso é possível?
A esperança da
Igreja não é possível por causa dos cristãos. Que é a Igreja se
não uma assembleia de pecadores? Fomos predestinados, chamados,
separados dos demais, feitos Eclésia – assembleia – de “santos”
(Rom
1.7).
Somos santos! Isso se deveu a nós mesmos? Absolutamente. Em nós,
nenhum bem há. Atribuir, como alguns pretendem, alguma participação
humana no que somos em Cristo, equivale a esperar que um defunto
possa decidir levantar-se e voltar a viver. Mas, diz S. Paulo, quando
estávamos “mortos em ofensas
e pecados” (Ef.
2.1),
Cristo nos trouxe à vida. Somos o que somos, se o somos, por causa
de Cristo. Solus
Cristus.
A
morte é um fato, mas não só. A morte é também, e acima de
qualquer outra coisa, condenação. Conhecemos o pecado, em Adão?
Sentimo-nos livres, sabedores do bem e do mal, senhores do nosso
destino, autônomos. Deu-nos Deus a Morte, que abraçou-nos,
beijou-nos e subiu a bordo da nossa existência. Morte
que é não apenas física, mas também espiritual. Morte espiritual
que, nas palavras do Catecismo de Heildelberg, nos tornou “tão
corrompidos que não podemos fazer bem algum e que somos inclinados a
todo mal”.
“E
viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e
que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má
continuamente” (Genesis 6.5). “... e o SENHOR disse em seu
coração: … a imaginação do homem é má desde a sua
meninice...” (Genesis 8.21). “... pois já dantes demonstramos
que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado; como
está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém
que entenda; não há quem busque a Deus. Todos se extraviaram, e
juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há
nem um só” (Ef. 3. 9-12).
O
homem é basicamente bom e pode ser
aperfeiçoado,
dizem todas as religiões do mundo, exceto o Cristianismo. Até
os muçulmanos, que se dizem herdeiros da verdadeira fé bíblica,
acreditam que o homem nasce puro, até ser contaminado pelo
ambiente. Deste erro não escapam sequer ilustres filósofos, como
John Locke, para quem o homem era uma lousa em branco (“tábua
rasa”), e Jean Jacques Rousseau, que disse “o homem nasceu bom e
a sociedade o corrompe”. Não é assim na Teologia Cristã:
“Alienam-se os ímpios desde o ventre; andam errados desde que
nasceram, falando mentiras” (Salmos 58.3). Como afirma certo
provérbio chinês: há apenas dois homens bons, um está morto, o
outro ainda não nasceu.
Mas,
se é tal a condição do homem, como é possível à Igreja ter
esperança? Qual o fundamento dessa esperança? Paulo afirma que “é
Cristo em vós, esperança da glória” (Col. 1.27). De fato,
Cristo, fundamento da nossa fé, é garantia absoluta do amor de
Deus, e da salvação eterna - “Porque os que dantes conheceu
também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a
fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que
predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também
justificou; e aos que justificou a estes também glorificou... Quem
intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os
justifica!” (Rom. 8. 30-33).
Para
alguém como eu, calvinista, tais verbos são como pedras preciosas:
conheceu, predestinou, chamou, justificou e glorificou. Repare, Lene,
que há uma progressão interrupta! O objetivo do autor inspirado, S.
Paulo, é nos mostrar que uma fez escolhidos por Deus nada pode se
colocar entre o cristão e Deus. O apóstolo tinha essa verdade tão
bem definida que irá concluir o Capítulo dizendo: “Porque estou
certo de quem, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a
altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá
separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor!”
(vv. 38,39).
Este
é meu único fundamento, na vida e na morte. Este é único
fundamento do cristão: Jesus Cristo, Senhor nosso! Se existe algum
conforto, alguma esperança, alguma segurança, ela reside no amor
gracioso de Deus, feito visível a nós na pessoa de seu Filho,
Jesus.
Baseado
no Catecismo de Heidelberg, um dos mais importantes documentos
teológicos da Reforma; foi redigido por Oscar Oliviano e Zacarias
ursino, professores da Universidade de Heidelberg, publicado em 1563,
por ordem do príncipe Frederico III, que prefaciou a obra.
Originalmente chamado de “Catecismo ou Ensino da Doutrina Cristã”,
popularizou-se como Catecismo de Heidelberg.
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