INTRODUÇÃO
A doutrina da Reconciliação é, certamente, uma das mais doces nas
Escrituras. Nela encontramos a manifestação do amor de Deus em Cristo
Jesus, fazendo a paz e removendo a inimizade que causava separação entre
Ele e o pecador.
Neste estudo apresentaremos uma abordagem sistematizada da doutrina da
reconciliação. Nosso objetivo é considerar o ensino a partir das
principais referências bíblicas sobre o tema, passando pelas informações
no Antigo Testamento e relacionando a doutrina com outros pontos
doutrinários relevantes. Para tanto abordaremos temas como a natureza da
reconciliação, o autor, o agente, os embaixadores, o ministério, o
tempo, os meios, os objetos e as bênçãos da reconciliação.
Deste modo esperamos oferecer ao leitor uma abordagem prática de como
Deus promoveu a nossa reconciliação em Cristo Jesus, removendo a
inimizade que nos separava e nos impedia de desfrutar todas as graças
decorrentes da obra expiatória de Cristo Jesus.
Crer na doutrina da reconciliação é descansar na maneira graciosa como
Deus trata aqueles que foram comprados na cruz do calvário.
1 O USO DO TERMO NO NOVO TESTAMENTO
Nas ocorrências do termo katallasso no NT encontramos o registro, nos
textos pertinentes, das seguintes variações – katallaghn, katallagh e
katallaghv. Segundo Berkhof os principais termos para reconciliação no
Novo Testamento são “katalasso e katalage - significam ‘reconciliar’ e
‘reconciliação’. (…) O ofensor reconcilia, não a si próprio, mas a
pessoa ofendida.”[1] (katallaghn, cf. ocorrência em Rm. 5.11).
O termo, no seu uso mais comum, discute a reconciliação no âmbito dos
relacionamentos conjugais. E, conforme as anotações do Theological
Dictionary of the New Testament a idéia no texto de 1ª Co. 7.11 não é de
que necessariamente a esposa que busca a reconciliação tenha alguma
culpa, mas está ativamente interessada em buscá-la.[2]
Já nas ocorrências mais específicas que norteiam a relação Deus-Homem,
apenas o apóstolo Paulo faz uso do termo com as variações supracitadas.
Mas a idéia não é a de que Deus é reconciliado ou reconcilia a si mesmo,
mas a de que Ele próprio proporciona a reconciliação do homem consigo
mesmo, bem como do mundo[3]. Para corroborar com este pensamento devemos
lembrar o caráter imutável de Deus. Ele não pode sofrer qualquer tipo
de mudança, por isso, o que muda é a nossa relação com ele.
2 A IDÉIA DA RECONCILIÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
A estrutura do culto do Antigo Testamento já trazia consigo o conceito de reconciliação.
Ao falar sobre o tema Calvino diz:
Ora, visto que o uso da lei foi múltiplo, como se verá melhor no
devido lugar, na verdade foi especialmente outorgada a Moisés e a todos
os profetas a incumbência de ensinar o modo de reconciliação entre Deus e
os homens, donde também Paulo chama Cristo o fim da lei (Rm 10.4).[4]
Todos os elementos apontavam para Cristo e para a sua obra. Mais
especificamente no propiciatório já encontramos referências à idéia da
doutrina bíblica da reconciliação.
Na estrutura religiosa do AT encontramos o Tabernáculo como uma espécie
de morada provisória do Senhor no meio de Israel[5]. Lá, além do lugar
santo encontrávamos também o Santo dos Santos, onde o sumo sacerdote
entrava uma vez por ano para fazer a expiação do pecado do povo. Ali
estava a Arca da aliança e sobre ela uma “tampa” chamada de
“Propiciatório”[6]. Ao borrifar o sangue sobre o propiciatório a ira de
Deus era aplacada e o resultado era o perdão do pecado e a restauração
da comunhão do pecador à comunhão com Deus.[7] Devemos lembrar que
objetivamente isto acontece na cruz, quando o Cordeiro de Deus é imolado
para que fossemos reconciliados com ele. Uma obra especial e cara, como
declara Baillie, que diz: “Nossa reconciliação é infinitamente cara
a Ele, não no sentido de que foi difícil para ele nos perdoar, (…) É
sua natureza amar e perdoar.”.[8]
Todo esse rito cerimonial do culto veterotestamentário apontava para a
reconciliação que encontramos em Cristo Jesus. Quando o Messias veio ele
se tornou a nossa propiciação, como se observa na declaração de Paulo:
“Romanos 3:25 - a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação,
mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua
tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos;”
3 A NATUREZA DA RECONCILIAÇÃO
Stott diz que reconciliação tem a ver com a nossa inimizade contra Deus e
a nossa alienação dele.[9] Assim, a reconciliação, propriamente dita, é
a remoção desta alienação proporcionando uma relação harmoniosa e
pacífica com Deus.
Esta idéia fica mais clara quando percebemos, por exemplo, a
argumentação de John Murray, que expande a idéia. Ao comentar o texto de
Romanos 5.11, uma das referências bíblicas centrais acerca da doutrina
da reconciliação, ele afirma que na reconciliação o que se destaca não é
a remoção da nossa inimizade contra Deus, pelo contrário, o verso
supracitado salienta o fato de que Deus removeu de nós a alienação que
havia da parte dEle para conosco.[10]
Sttot também observa que esta reconciliação, ou a remoção da base da
alienação, tem a ver com a não imputação das nossas transgressões. Ele
diz “De modo que em sua misericórdia Deus recusou-se a levar em
conta contra nós os nossos pecados ou exigir que sofrêssemos a
penalidade deles.”[11]. Contudo, vale ressaltar que esses pecados
foram imputados à Cristo. Portanto, cremos que somos plenamente
reconciliados com Deus e aceitos por ele, porque nossos pecados foram
imputados a Cristo e Sua justiça nos foi imputada.
Desse modo, podemos dizer que a Reconciliação é a obra do Pai através da
qual Ele remove a alienação do pecado[12], libertando o homem de toda
inimizade, por meio de Cristo. Assim, Deus remove a barreira tanto por
causa da nossa rebeldia, quando por causa de sua ira. Devemos notar
ainda que ao fazê-lo por meio de Cristo, Deus se revela como o
verdadeiro Emanuel, ensinando-nos que toda a manifestação do seu amor
pelo eleito tem seu fundamento no sacrifício de Cristo.[13]
3.1 A RECONCILIAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA
Tal qual na doutrina da justificação, também podemos pensar em termos de reconciliação objetiva e reconciliação subjetiva.
RECONCILIAÇÃO OBJETIVA
Ao falar sobre a expiação objetiva, Berkhof diz:
Que dizer que a expiação influi primordialmente na pessoa por quem é
feita. Se um homem age mal e presta satisfação do mal que praticou,
esta satisfação visa a influir na pessoa que praticou o mal, e não na
parte ofendida. No caso em foco, significa que a expiação foi destinada a
propiciar a Deus e reconciliá-lo com o pecador.[14]
Certamente, quando falamos em termos de uma reconciliação objetiva
devemos lembrar das palavras do apóstolo Paulo em 2ª Coríntios que diz
que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo. Assim, na
reconciliação objetiva devemos considerar dois fatores: Primeiramente,
Deus, na qualidade de ofendido é o agente que remove a base da alienação
tornando-se, em Cristo, favorável ao homem. E em segundo lugar, ele faz
isto na cruz, como uma obra terminada, portanto, realizada de uma vez
por todas.
Esta reconciliação objetiva é a base da reconciliação subjetiva
RECONCILIAÇÃO SUBJETIVA
Já no seu aspecto subjetivo a reconciliação se relaciona com a posse e o
gozo desta condição de reconciliação. Esta condição está intimamente
relacionada ao ministério da reconciliação que foi confiado à Igreja.
Quando anunciamos o evangelho proclamamos a mensagem da reconciliação
convidando o pecador para este relacionamento com o Senhor. Stott ainda
vê outros aspectos envolvidos nesta reconciliação subjetiva que ele
chama de plano horizontal da reconciliação.[15] Neste plano horizontal
vemos a reconciliação como um aspecto motivador da nova relação na
comunidade cristã, formada por judeus e gentios, senhores e escravos e
etc.
Há outros estudiosos que trabalham esse conceito de revelação objetiva e subjetiva em termos de ação e resultados.
Ivan Ross diz: “A reconciliação como ação seria a remoção da base da
alienação de Deus e a reconciliação como resultado seria a relação
harmoniosa e pacífica estabelecida em virtude da base da alienação de
Deus para conosco ter sido removida.”[16] Uma forma diferente de trabalhar os conceitos de objetiva e subjetiva.
...
[1] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Tradução de Odayr Olivetti. 2. ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992. p. 376
[2] KITTEL, Gerhard and FRIEDRICH, Gerhard. Theological Dictionary of The New Testament – Abridged in one volume. Reprinted. Grand Rapids: William B. Erdmans Publishing Company, 1992, p. 40
[3] Idem, p. 41
[4] CALVINO, João. Institución de la Religión Cristiana. 3 ed. Paises Bajos: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1986. v.1 p. 28
[5] A Doutrina da Propiciação - http://www.ibcambui.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=198:a-doutrina-da-propicia&catid=51:estudos&Itemid=80. Acessado em 20 de setembro de 2009.
[6] Para maiores detalhes veja os textos em Ex. 25.17-22; Lv. 16.5-19.
[7] BÍBLIA ONLINE 2.0. Sociedade Bíblica do Brasil – Software– verbete “propiciação”.
[8] BAILLIE, D.M. God Was In Christ - An Essay on Incarnation and Atonement. New York: Charles Scribner’s Sons, 1948. p. 174, 175.
[9] STOTT, John R. W. A cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1996. p. 89
[10] MURRAY, John. Comentário Bíblico Fiel - Romanos. Editora Fiel. p. 198
[11] STOTT, John R. W. A cruz de Cristo. p. 88
[12] Deve se notar a relação intimamente necessária entre a doutrina da expiação e da justificação com a doutrina da reconciliação. Calvino diz: “Enquanto Deus computar os nossos pecados, Ele não pode fazer outra coisa senão nos considerar com aversão”, contudo, ele ainda diz “o amor por nós foi a razão por que ele (Deus-Pai), expiou os nossos pecados por intermédio de Cristo.” Comentário 2ª Coríntios, p. 122.
[13] CALVINO, João. 2 Coríntios. Tradução de Valter Graciano Martins. 1. ed. São Paulo: Edições Paracletos, 1995. p. 122
[14] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Tradução de Odayr Olivetti. 2. ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992. p. 286
[15] STOTT, John R. W. A cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1996. p. 85
[16] ROSS, Ivan Gilbert. Apostila de Teologia Sistemática xerografada. CPO/IBEL
Autor: Rev. Cleverson Gilvan, pastor da Igreja Presbiteriana de Patrocínio, MG.
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[2] KITTEL, Gerhard and FRIEDRICH, Gerhard. Theological Dictionary of The New Testament – Abridged in one volume. Reprinted. Grand Rapids: William B. Erdmans Publishing Company, 1992, p. 40
[3] Idem, p. 41
[4] CALVINO, João. Institución de la Religión Cristiana. 3 ed. Paises Bajos: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1986. v.1 p. 28
[5] A Doutrina da Propiciação - http://www.ibcambui.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=198:a-doutrina-da-propicia&catid=51:estudos&Itemid=80. Acessado em 20 de setembro de 2009.
[6] Para maiores detalhes veja os textos em Ex. 25.17-22; Lv. 16.5-19.
[7] BÍBLIA ONLINE 2.0. Sociedade Bíblica do Brasil – Software– verbete “propiciação”.
[8] BAILLIE, D.M. God Was In Christ - An Essay on Incarnation and Atonement. New York: Charles Scribner’s Sons, 1948. p. 174, 175.
[9] STOTT, John R. W. A cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1996. p. 89
[10] MURRAY, John. Comentário Bíblico Fiel - Romanos. Editora Fiel. p. 198
[11] STOTT, John R. W. A cruz de Cristo. p. 88
[12] Deve se notar a relação intimamente necessária entre a doutrina da expiação e da justificação com a doutrina da reconciliação. Calvino diz: “Enquanto Deus computar os nossos pecados, Ele não pode fazer outra coisa senão nos considerar com aversão”, contudo, ele ainda diz “o amor por nós foi a razão por que ele (Deus-Pai), expiou os nossos pecados por intermédio de Cristo.” Comentário 2ª Coríntios, p. 122.
[13] CALVINO, João. 2 Coríntios. Tradução de Valter Graciano Martins. 1. ed. São Paulo: Edições Paracletos, 1995. p. 122
[14] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Tradução de Odayr Olivetti. 2. ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992. p. 286
[15] STOTT, John R. W. A cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 1996. p. 85
[16] ROSS, Ivan Gilbert. Apostila de Teologia Sistemática xerografada. CPO/IBEL
Autor: Rev. Cleverson Gilvan, pastor da Igreja Presbiteriana de Patrocínio, MG.
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