Por Ruy Marinho
Escutar de algum pregador que Jesus era
rico e quem segui-lo será próspero financeiramente, soa como uma
garantia de ganhar na loteria! Infelizmente, muita gente tem este
conceito como premissa para frequentar uma igreja. Afinal: se Jesus foi
rico, eu também quero ser – dizem os seguidores da teologia da
prosperidade e confissão positiva! Vejam as declarações feitas por
alguns famosos precursores deste movimento, desde os EUA até aqui no
Brasil:
“João 19 nos diz que Jesus usava roupas de griffe… A túnica era sem costura, tecida de cima até embaixo. Era o tipo de vestimenta que os reis e os mercadores ricos usavam” (John Avanzini, gravado em 20.1.1991, no programa de Kenneth Copeland).“Jesus tinha uma roupa tão bonita, tão cara, que os soldados disputaram para ver quem ficaria com ela. Outra coisa, Jesus era acompanhado por mulheres ricas que o serviam. Ele tinha seus doze discípulos e mais um grupo de 20 a 30 pessoas para alimentar diariamente. Quanto custa isso? A casa de Lázaro e outras residências onde ele se hospedava eram de classe média na época, ou até mesmo média-alta. Portanto, eu não consigo enxergar na Bíblia Jesus como uma pessoa paupérrima. Ele viveu como um rabi, que era um mestre. Eu não vejo Jesus pobre, mas vejo que ele demonstrava no seu estilo de vida excelência, tinha uma vida abençoada – multiplicou pães, proveu boa pescaria aos seus discípulos. Como Senhor e Deus, ele tinha acesso às riquezas.” (Bispo Robson Rodovalho, Revista Eclésia, edição 109)“Sabe, Jesus e os discípulos nunca andaram num Cadilac. Não havia Cadilac naquela época. Mas Jesus andou num jumento. Era o “Cadilac” da época — o melhor meio de transporte existente.” (Kenneth Hagin, A Autoridade do Crente, p. 48.)
Declarações como estas são muito comuns
nos dias de hoje, por conta da propagação da teologia da prosperidade no
Brasil. Trata-se de um conceito que foi importado dos EUA, fixado
atualmente como um forte pilar das igrejas neopentecostais brasileiras.
Porém, como cristãos não deveríamos absorver ensinamentos sem antes
analisar biblicamente para ver se, de fato, procedem ou não das
Escrituras, o que no caso apresentado leva-nos ao seguinte
questionamento: Será que realmente Jesus foi rico? Será que ser rico
financeiramente é promessa de Jesus para nós?
De fato, Jesus ensinou princípios
“riquíssimos” sobre prosperidade material, vivenciados inclusive em sua
própria vida terrena. Porém, biblicamente veremos que em nada confere
com as afirmações dos propagadores da teologia da prosperidade.
Antes de continuar, esclareço que eu não
defendo de forma alguma a “teologia da miséria”, creio plenamente que
Deus nos sustenta e supre as nossas necessidades, bem como prospera
alguns conforme a sua soberana vontade. Porém, entendo que o grande
problema é deixar de buscar a Deus pelo que Ele é em troca daquilo que
Ele pode nos dar. Portanto, o que vou analisar exclusivamente neste
artigo é a afirmação de que supostamente Jesus era rico e que Ele
promete riquezas para os seguidores. Vejamos:
Em primeiro lugar, Jesus era e sempre
será rico eternamente em sua posição gloriosa no céu, porém abdicou-se
de sua glória celestial e veio à terra viver como um homem de maneira
humilde, a fim de sofrer e morrer por nós: “pois conhecereis a graça
de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de
vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos.” (2Co
8:9)[1]. Ao contrário do que afirmam os defensores da teologia da
prosperidade, nesta passagem está claríssimo que Jesus não era rico, o
propósito d’Ele era exatamente o contrário. Cristo tornou-se pobre no
mundo não para trazer riquezas materiais a humanidade, mas sim a
salvação que é a verdadeira riqueza, por consequência a transformação de
vida em amor para com o próximo. No contexto de 2Co 8, Paulo utiliza o
exemplo da posição de glória que Cristo desfrutava com o Pai e que foi
sacrificada por Ele a fim de nos auxiliar (Fp 2:5-8) para mostrar que,
da mesma forma, os crentes de Corinto deveriam sacrificar algo para
ajudar os irmãos da igreja de Jerusalém. Paulo incentiva-os a ofertar
aos irmãos necessitados como um ato cristão de amor e cuidado.
Desde o início da vida terrena de Jesus,
o propósito d’Ele de fazer-se humildemente pobre foi manifestado, a
começar pelo seu nascimento: “E ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.”
(Lc 2:7) Em tese, seguindo a lógica da teologia da prosperidade, seria
bem mais apropriado que Jesus Cristo tivesse nascido em um palácio, num
berço de ouro forrado com tecido fino e vários criados para servi-lo.
Porém, Jesus nasceu num estábulo e colocado numa humilde manjedoura para
demonstrar desde o início o propósito de ir contra a ganância e as
riquezas deste mundo[2]. A Bíblia indica que Maria e José eram pobres,
pois quando Maria foi apresentar Jesus no templo, a oferta de sacrifício
oferecida (segundo a lei mosaica – Lv 12:8) era oferta de pobre: “e para oferecer um sacrifício, segundo o que está escrito na referida lei: Um par de rolas ou dois pombinhos.” (Lc
2:24) Isto prova, pelo menos na época do nascimento de Jesus, que José
não era financeiramente estável por conta de sua profissão de
carpinteiro.
Quando Jesus começou seu ministério
terreno, Ele largou tudo o que tinha (família, lar, conforto etc.) para
dedicar-se integralmente ao propósito do evangelho. Tudo o que era
necessário para o suprimento natural de Jesus foi providenciado pelos
próprios discípulos, prova disso é o fato de que algumas mulheres
serviram Jesus com seus bens (Lc 8:1-3).
Jesus, conhecendo o coração das pessoas,
ao responder alguém que queria segui-lo provavelmente para buscar
benefício próprio, disse que “As raposas têm seus covis, e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. (Lc
9:58) Note que Cristo aborda exatamente a questão “moradia”, uma
resposta clara que refuta a afirmação de alguns pregadores da
prosperidade de que Jesus possuía uma enorme mansão em Jerusalém.
Na primeira multiplicação de pães e
peixes, os discípulos poderiam muito bem sair para comprar os alimentos
para o povo, porém os mesmos questionaram Jesus justamente pelo fato de
não terem condições para tal feito. Foi necessária a operação de um
milagre para alimentá-los (Mc 6:34-44).
Certa ocasião, quando Jesus chegou em
Cafarnaum (Mt 17:24-27), ele não tinha dinheiro para efetuar o pagamento
do imposto da cidade, sendo necessário operar um milagre através de
Pedro para efetuar o pagamento. Ao perguntarem para Jesus se era lícito
pagar tributo a César, Jesus respondeu: “Por que me experimentais? Trazei-me um denário, para que eu o veja”
(Mc 12:14-16). Se Jesus fosse rico, com certeza teria uma moeda no
bolso para usar, porém foi necessário alguém trazer uma para que Jesus
pudesse vê-la.
A afirmação dos pregadores da
prosperidade de que o Jumento que Jesus utilizou para entrar em
Jerusalém, era como se fosse um Cadilac ou uma BMW da época, chega a ser
ridícula e mostra o despreparo bíblico dos defensores da teologia da
prosperidade. Ora, basta uma análise no contexto cultural para perceber
que a “BMW” da época na verdade eram as carruagens e os cavalos, e não
um jumento! Na Bíblia vemos claramente um exemplo disso: “Eis que um
etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era
superintendente de todo o seu tesouro, que no seu carro, viera adorar
em Jerusalém, estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o
profeta Isaías.” (At 8:27:28) Além disso, o Jumento não era de Jesus, mas emprestado!
Ao contrário do que Rodovalho e John
Avanzini afirmam, as roupas de Jesus no geral não eram de rico, pois os
soldados tomaram as vestes e “rasgaram-nas em quatro partes”
(Jo 19:23-24), somente a túnica (peça íntima que ficava debaixo das
vestes) que era algo realmente nobre naquela época, pois não tinha
costura e era tecida de cima abaixo. Por isso que os guardas lançaram
sortes para ver quem ficaria com a mesma. Provavelmente tal peça pode
ter sido doada por algum discípulo. Afinal, tudo ou quase tudo o que
Jesus possuía durante o seu ministério era doado pelos discípulos que o
acompanhavam, entre os quais alguns financeiramente prósperos, que era o
caso das mulheres descritas em Lucas 8:1-3. O próprio túmulo de Jesus
foi emprestado (Lc 23:50-53)!
Os pregadores da teologia da
prosperidade, tentando contra-argumentar, ainda colocam que os apóstolos
eram prósperos financeiramente. Porém, a Bíblia claramente refuta esta
idéia. Dentre vários exemplos bíblicos, podemos listar alguns: Quando
Pedro e João chegaram à porta do templo, onde um coxo de nascença
pediu-lhes uma esmola. Se os apóstolos fossem ricos, com certeza eles
teriam dado dinheiro ao pedinte, porém eles afirmaram: “Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda!”
(Atos 3:1-8), e o homem foi curado. O apóstolo Paulo passou por muitas
necessidades financeiras ( Fp 4.10-20, 2Co 11.27), inclusive tendo que
trabalhar fabricando tendas para se sustentar (At 18:3). O mesmo também
ensinou a respeito da expectativa de buscar riquezas materiais: “Tendo
sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem
ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências
insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição.
Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa
cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas
dores.” (I Tm 6.8-10)
Como podemos ver, não existe base
bíblica para afirmar que Jesus e os apóstolos eram ricos. Na verdade,
Cristo nunca defendeu a busca por riquezas materiais, pelo contrário,
condenou-a mostrando o verdadeiro padrão a ser almejado: “Não
acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a
ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós
outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões
não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará
também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos
forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos
forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que
em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! Ninguém pode servir a
dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se
devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às
riquezas.” (Mt 6.19-24). Ele exortou-nos a buscar primeiramente o
reino de Deus e a sua justiça, sendo que o suprimento necessário virá
naturalmente de Deus (Mt 6:25-34). Não devemos ter preocupações
exageradas pela nossa sobrevivência, nem pelos cuidados materiais
gananciosos, pois Jesus afirmou que este conceito é, de fato, o mais
claro sinal de avareza na vida de alguém: “Tende cuidado e
guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não
consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lc 12.15)
Todavia, é importante salientar que
devemos também seguir o exemplo dos cristãos da Macedônia, onde mesmo em
meio de muita pobreza, manifestaram abundância de generosidade ao
preparar ofertas para ajudar os irmãos da igreja de Jerusalém em
dificuldades financeiras. (2Co 8:1-4)
Quanto aos cristãos financeiramente prósperos, a Bíblia diz: “Exorta
aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a
sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos
proporciona ricamente para nosso aprazimento; que pratiquem o bem, sejam
ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir; que
acumulem para si mesmos tesouros, sólido fundamento para o futuro, a fim
de se apoderarem da verdadeira vida.” (1Tm 6:17-19) João Calvino interpretou este fundamento com clareza: “aqueles
a quem houvermos de ver premidos pelas dificuldades das coisas,
compartilhemos-lhes das necessidades e com nossa abundância
supramos-lhes a falta de recursos.”[3] (Veja também 2Co 9:1-15).
Enfim, há muito mais passagens bíblicas que tratam sobre o assunto, mas creio que as citadas neste artigo sejam suficientes para esclarecer a questão.
Soli Deo Gloria!
Notas
[1] A tradução bíblica utilizada no artigo é a Almeida Revista e Atualizada – SBB.
[2] Observação simbólica feita por A.W. Pink, em “Por que Jesus nasceu numa manjedoura?”
[3] CALVINO, João. As Institutas Vol. 2. Casa Ed. Presbiteriana. São Paulo, 1985. P. 168
Fonte: Napec
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