segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Liturgia Reformada

Prefácio ao Saltério Genebrino

Márcio Viana

Sabemos que a Salmodia ou Cântico dos Salmos é bastante antiga. Desde os primórdios da História da Igreja o povo de Deus entoavam os hinos bíblicos ao maravilhoso Deus Javé. Os Salmos era o antigo hinário inspirado de Israel e da Igreja Primitiva.
O Livro de Salmos é uma coleção de hinos de Israel, escritos por diferentes autores, durante um período de mais ou menos 800 anos. Há vários tipos de salmos: hinos de louvor a Deus; orações pedindo ajuda, proteção e salvação; pedidos de perdão; canções de agradecimento pelas bendições de Deus; orações em favor do rei; canções para ensinarem as pessoas a fazerem o bem; súplicas para que Deus castigue os inimigos; e outros. As orações ás vezes são pessoais; outras vezes são nacionais, em favor de todo o povo. A forma usada na poesia hebraica se chama de paralelismo, que aliado à riqueza de comparações, dá graça e beleza aos Salmos.
A palavra Salmos (Tehillim  no hebraico que significa  Cânticos de Louvor ou Louvores) ganhou esse nome quando em 200 a.C. foi feita a tradução do Antigo Testamento hebraico para o idioma grego por 70 sábios judeus. Esta tradução ficou conhecida como a Versão dos Setenta ou Septuaginta (LXX). Nesta versão, os Salmos recebem o título de Psalmói: Cânticos entoados com o auxílio de instrumentos de cordas, o Psalteriôn, que na época do Antigo Testamento já era bastante conhecido (Sl 33.2; Sl 108.2; e Sl 144.9). Daí o Livro de Salmos (ou Liber Salmorum conforme a tradução latina de Jerônimo feita no século IV conhecida por Vulgata) ser conhecido também por Saltério.
Jesus cantou os Salmos junto com seus discípulos. Na instituição da Santa Ceia com toda certeza Jesus e os discípulos fizeram uso dos Salmos (Mt 26. 26-30) principalmente os Salmos do Hallel (Sl 105-107; 111-118; 135; 136; 146-150) que eram cantados quando os cordeiros eram sacrificados pelos sacerdotes judeus na grande Festa da Páscoa. Possivelmente o apóstolo Paulo fizera uso do Saltério quando estava preso junto com Silas, pois o Livro dos Salmos era o hinário mais conhecido entre os judeus ( At 16. 25).
A igreja Primitiva utilizava o Saltério cantando-o nas reuniões públicas nas catacumbas e nos martírios. No século IV, Agostinho experimentou a Salmodia como um dos melhores meios de consolo e estímulo. Em sua época cantava-se os Salmos junto com hinos seguindo a tradição das igrejas do Oriente (ver Confissões de Agostinho 9, 7) o que gerou mais tarde grande polêmica pois vários hinologistas queriam introduzir seus próprios hinos com seus próprios estilos na liturgia da igreja havendo disputas entre si. A situação só foi resolvida com o Concílio de Nicéia, realizado no século IV, que condenou este abuso e decretou que somente se cantassem e se lessem na igreja as Escrituras canônicas dos profetas e dos apóstolos. Nisto estava incluídos os Salmos.
A Salmodia atravessou os séculos chegando até o tempo da Reforma Protestante. Foi o grande Reformador francês João Calvino que deu novo impulso ao Cântico de Salmos. Ele julgava que o Livro de Salmos era um dos fatores de maior importância na vida dos crentes para despertar os corações para uma oração contínua e ardente. (João Calvino, Institutas da Religião Cristã livro III, XX, 32). Calvino dizia que “Não existe outro livro onde mais se expressem e magnifiquem as celebrações divinas, seja da liberalidade de Deus sem paralelo em favor de sua Igreja, seja de todas as suas obras. (...) Não há outro livro em que somos mais poderosamente estimulados à realização desse sacro exercício.” (João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1. p. 35, 36.) Calvino considerava os Salmos como “Uma Anatomia de Todas as Partes da Alma.” (João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, p. 33).
No ano de 1536 Calvino expunha seu desejo de se cantar os Salmos nos cultos públicos. Nos seus “Artigos Sobre A Orientação Do Culto Público” estabelecido em 16 de janeiro de 1537, Calvino afirmava: “O segundo ponto se refere aos Salmos. Desejamos que se cante na igreja, conforme o exemplo da Igreja Primitiva e seguindo o testemunho do apóstolo Paulo, que nos disse que se deve cantar nas reuniões [de culto público] com a boca e com o coração. Nós não fazemos conta do proveito e da edificação que isto nos dá até que tenhamos experimentado. Pois, digo a verdade, conforme fazemos agora no culto, que as orações dos fiéis soam tão frias que devíamos sentir rubor ou vergonha. Os Salmos nos impulsarão a levantar nosso coração a Deus, e despertarão poderosamente nosso favor para invocá-Lo e engrandecer Seu nome com todas as formas de louvores.” (Corpus Reformatorum, XXXVIIIa, Opera Omnia Xá p. 12).
Mas foi somente em 1538 em Estrasburgo que Calvino deu o primeiro passo na confecção do que seria mais tarde o Saltério Genebrino (ou Genebrês ou Huguenote). Ele, com ajuda do poeta francês Clemente Marot, lançou uma pequena coletânea de 19 salmos contendo ainda o Cântico de Simeão, os Dez Mandamentos e o Credo Apostólico todos em verso. Esse pequenino hinário tinha o seguinte título: “ALCUNS PSEAUMES ET CANTIQUES MYS EM CHANT, Strasburg, 1539”.
O próprio Calvino participou na elaboração deste Saltério, conforme nos informa o Dr. Herminsten Maia Pereira da Costa nas notas de rodapé da Edição Especial das Intitutas traduzidas do francês pela ed. Cultura Cristã, p. 21: “Calvino... traduziu alguns salmos [Sl 25, 36, 46, 91 e 138], valendo-se efetivamante do talento do poeta francês Clemente Marot (c. 1496 - 1544) – que conhecera em Ferrara em 1536 -, e Theodoro de Beza (1519 – 1605), posteriormente recorreu ao precioso trabalho do compositor francês Loys Borgeois (c. 1510 – c. 1560) – que adaptou as canções populares e antigos hinos latinos e, também, compôs outras músicas para a métrica dos salmos de Marot – e Claude Goudimel (1510 – 1572), que morreu no massacre da noite de São Bartolomeu. O Saltério iniciado por Calvino em 1539 dispunha de 19 salmos, sendo concluído por Beza (c. 1562). Ele tornou-se “um dos livros mais importantes da Reforma”, e um protótipo dos hinários procedentes da Reforma, tendo um verdadeiro “dom de línguas”, sendo traduzido para o alemão, holandês, italiano, espanhol, boêmio, polonês, latim, hebraico, malaio, tamil, inglês etc., sendo usado por católicos, luteranos e outras denominações”.
No Prefácio da edição de 1542 do Saltério Genebrino, Calvino escreveu: “... Nós sabemos por experiência que o canto tem grande força e vigor para mover e inflamar o coração dos homens, a fim de invocar e louvar a Deus com um mais veemente e ardente zelo”.
Um refugiado que visitou a igreja de Calvino em Estrasburgo descreveu emocionado o que viu:
“Todos cantam, homens e mulheres, e é um belo espetáculo. Cada um tem um livro de cânticos nas mãos [Saltério]. (...) Olhando para esse pequeno grupo de exilados, chorei, não de tristeza, mas de alegria, por ouvi-los todos cantando tão sinceramente, enquanto cantavam agradecendo a Deus por tê-los levado a um lugar onde Seu nome é glorificado”.
Calvino não usava instrumentos musicais em sua congregação. Achava que a utilização de instrumentos lembrava a igreja papista e que não havia qualquer menção a isto no Novo Testamento. Dizia que as Igrejas Apostólicas não utilizavam instrumentos musicais. Por causa disso o Senado de Genebra tentou vender todos os órgãos existentes na cidade o que não conseguiu. Então os órgãos foram deixados de lado nas igrejas. Calvino reintroduziu o canto congregacional da Igreja Primitiva nas congregações genebrinas em detrimento dos corais. Com certeza uma reação aos corais católicos onde só uma parte de pessoas ou o clero podiam cantar.
A partir daí o canto congregacional dos Salmos espalhou-se nas igrejas Reformadas de França, Suíça, Holanda, Alemanha etc. Na Escócia foi introduzido pelo fundador do Presbiterianismo, John Knox (discípulo de João Calvino), sendo seguido mais tarde pelos ingleses. No século XVII os Puritanos (reformados ingleses e escoceses de várias denominações presbiterianas, batistas e congregacionais  chamados pejorativamente desse nome por desejarem mais pureza no culto, na doutrina e na vida) reuniram-se na Abadia de Westminster em 12 de junho de 1643 a mando do Parlamento para elaborarem uma nova Confissão de Fé para a igreja da Inglaterra seguindo o modelo das igrejas genebrinas. Dessas sessões saíram a Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo Maior, o Catecismo Menor, um Diretório de Culto e um Saltério. (O Diretório de Culto de Westminster, Prefácio edição de 2000, editora Os Puritanos, São Paulo- SP).
O Diretório de Culto de Westminster afirmava isto no item Do Cântico dos Salmos: “É dever dos cristãos louvar a Deus publicamente cantando Salmos juntos na Igreja, e também em particular na família”.
Ao cantar os Salmos, a voz deverá ser afinada e ordenada com seriedade; mas o cuidado maior precisa ser o de cantar com o entendimento e com graça no coração, erguendo melodias ao Senhor.
Para que toda a Igreja possa se unir no canto, todas as pessoas que sabem ler deverão ter um hinário dos Salmos; e os demais que não estejam incapacitados por idade ou outro motivo, são exortados a que aprendam a ler. Mas no momento, quando há muitos na Igreja que não sabem ler, é conveniente que o Ministro [Pastor], ou algum outro indivíduo apto por ele e os outros presbíteros. leia os Salmos, cada verso por sua vez, antes de ser cantado”.
Conforme ordenava a Confissão de Fé de Westminster no capítulo XXI - Do Culto Religioso e Do Domingo, parágrafo V: “A leitura das Escrituras, com santo temor, a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela, em obediência a Deus, com entendimento, fé e reverência; o cântico de salmos (grifos nossos), com gratidão no coração; bem como...” (A Confissão de Fé de Westminster, editora Cultura Cristã, 17ª edição – 2001, Cambuci – São Paulo – SP).
Desejamos de todo coração que todas as igrejas Presbiterianas e Evangélicas Reformadas lusófonas cantem os Salmos para o Senhor conforme a tradição do povo  de Israel e da Igreja Primitiva resgatada pelos antigos Reformadores.
A Deus seja toda glória!

Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org

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