terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Batismo Infantil

Por Rev. Marcelo Lemos

Para aqueles que, como eu, foram educados na tradição pentecostal, e receberam certa influencia da eclesiologia batista, a prática do Batismo Infantil é quase sempre vista com fortes desconfianças. Creio, porém, que com a compreensão adequada das questões teológicas envolvidas o pedobatismo deixa de ser 'um bicho de sete cabeças'. Para mim, o maior problema atualmente, tendo dois filhos para serem batizados, não é de consciência, mas de conveniência, haja vista que antigos companheiros e mesmo familiares não compreendem a teologia por trás da prática.

A minha situação não deixa de ser interessante, pois me coloca constantemente em contato com as mais comuns objeções contra este costume milenar da fé crista. Analisemos algumas:
a) Batismo é imersão, e não um pouco de água jogada sobre a cabeça.
Em primeiro lugar, nos parece extremamente fora de propósito que tantos debates se deem em torno do modo correto de se batizar, e mais sem propósito ainda quando se pretende tornar esse ou aquele modo como inválido. Infelizmente, há igrejas que obrigam o rebatismo para aqueles irmãos que chegam de outra tradição, ainda que reconheça neles evidencias da fé cristã.
Paradoxalmente, ninguém faz questão de brigar pelo modo como a Santa Ceia é celebrada: uns a tomam de pé, outros sentados, alguns caminham até a mesa da Comunhão, outros celebram a Ceia junto com a festa ágape. Importa apenas que os elementos estejam certos, pão e vinho, e mesmo que o vinho não seja vinho, mas apenas suco de caixinha, ninguém faz questão de brigar por nada disso.
Trata-se de um paradoxo, pois estes são duas ordenanças, ou Sacramentos, aceitos por todos os cristãos herdeiros da Reforma: Batismo e Eucaristia. Com relação ao Batismo nos preocupamos com questões secundárias, mas no tocante a Ceia, apenas nos preocupamos que os elementos estejam corretos, e mesmo assim, há exceções consideráveis... Ninguém questiona a validade da Ceia desta ou daquela Igreja, baseando-se apenas no fato de que ela não a celebra nos mesmo moldes que Cristo fez.
A nossa opinião é que o modo do batismo realmente não importa, desde que os elementos e a intenção do celebrante sejam corretos. O mais forte argumento a favor do Batismo por imersão diz que o termo grego significa exatamente isso. Há dois motivos para rejeitarmos isto. Primeiro, que não procede a afirmação de que “batismo” e “imersão” sejam sinônimos, o termo significa também lavar, derramar sobre, limpar, manchar, tingir, dentre outros. Segundo, que o termo “batizar” é utilizado nas Escrituras como “lavar” e também “aspergir”, observemos S. Marcos 7.3.4: “E, quando voltam do mercado, se não se BATIZAREM, não comem. E muitas outras coisas há que receberam para observar, como BATIZAR os copos, e os jarros, e os vasos de metal e as camas”.
Não creio que alguém imagine que os judeus mergulhavam antes de almoçarem, mas sim, que lavavam as mãos: “Mas o fariseu admirou-se, vendo que não se BATIZAVA antes de jantar” (S. LUCAS 11.38).
“Quanto à sua “matéria”, o batismo é essencialmente um “lavar com água”. Nenhum modo especial de lavar é essencial. Porque o mandamento não prescreve nenhum modo especial” (HODGE; A.A.; Esboços de Teologia; pg. 846).
b) Batismo é entrada na fé cristã, logo é preciso ter consciência do ato.
“Aquele que crer e for batizado, será salvo” (S. MARCOS 16.16). As palavras do Senhor aqui são geralmente utilizadas na defesa do credo-batismo. Via de regra, apontam a ordem “crer” e “for batizado” como sendo única que valida o batismo cristão. No entanto, Jesus não poderia ter dito outra coisa, basta que analisemos o mandamento inteiro: “E disse-lhe: Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (S. MARCOS16.15,16). Evidentemente não há outro modo de Cristo dizer o que disse: quando pregamos o Evangelho aos homens, eles devem primeiro crer e depois são batizados. Mas isso não nos diz nada sobre a forma como os cristãos deveriam lidar com os filhos que nasciam nas famílias cristãs, ou que tinham seus pais convertidos a Cristo.
Aqui temos outro paradoxo: qualquer cristão aceita que a Ceia do Senhor, ou Eucaristia, seja a “Páscoa Cristã”, mas boa parte da cristandade jamais se deu conta que o Batismo é a nossa “circuncisão”: “E estais perfeitos n'Ele, que é a cabeça de todo o principado e potestade; no qual também estais circuncidados com a circuncisão de Cristo, sepultados com Ele no batismo, n'Ele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos” (COL. 2.10-12).
A circuncisão era, como se sabe, um rito “iniciático”, necessário para que a pessoa, adulta ou não, passasse a integrar o Povo do Pacto. O Pacto, sob a Antiga Aliança, era também um pacto de fé, no qual a circuncisão era “sinal visível” (Rom. 4.9-11), e nem por isso as crianças eram excluídas, muito pelo contrário (Lev. 12.3). Portanto, o argumento da “fé” não serve para excluir as crianças do Pacto, a menos que Cristo as tenha excluído da Nova Aliança; tal possibilidade foi excluída por Cristo: “Trouxeram-lhe, então, alguns meninos, para que sobre eles pusesse as mãos, e orasse; mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, disse: Deixai os meninos, e não os estorveis de vir a mim; porque dos tais é o reino dos céus” (S. MATEUS 19.13,14).
Se a Igreja no deserto (ATOS 7.38; grego “ekklesia” ) não incluía as crianças, por qual razão a Igreja na Nova Aliança as excluiria? Aqui é de grande valor que o estudante compreenda adequadamente a Teologia do Pacto, e por isso estamos publicando dois livros de muito interesse, que podem ser baixados aqui.
Em síntese, a Teologia do Pacto ensina que tanto na Antiga quanto na Nova Aliança há um único Pacto de Graça, um pacto de fé, que nos torna participantes da Promessa Abraâmica: “Assim como Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o Evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti; de sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão!” (GALATAS 3.6-9). “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa!” (GALÁTAS 3.27-29).
A importância de compreender o Pacto é constatar que os integrantes da Igreja no Deserto eram verdadeiros cristão, e que nunca houve salvação fora de Cristo. Criso não inaugurou um novo caminho de salvação, mas sim uma nova administração do Pacto da Graça. Alguns imaginam que no Antigo Testamento a salvação se dava pelas obras, isso é heresia. Cristo é salvador nosso, mas também deles: “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se” (S. JOÃO8.56). “E beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo!” (I COR. 10.4). Por isso, escreveu o apóstolo: “... Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o Evangelho a Abraão” (GAL. 3.9).
Portanto, a sequencia “crer” e “ser batizado” estabelecida por Jesus, em nada exclui os filhos nascidos dentro do Pacto de participarem da Nova Aliança, visto que a Antiga Aliança também era um pacto de fé, e isso não excluía que as crianças nascidas sob o Pacto recebessem seu sinal externo. E, assim com os pais da Antiga Aliança estavam obrigados a educarem seus filhos na fé, assim é com os pais da Nova Aliança.
Algumas afirmações positivas.
Nossa opinião, que tem respaldo na opinião milenar da Igreja, é que as objeções contra o pedobatismo nãos e sustentam a luz da Escritura. Resta-nos, agora, algumas afirmações positivas sobre o assunto.
a) O Novo Testamento afirma que os filhos dos crentes fazem parte da Igreja. “Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quanto Deus nosso Senhor chamar” (ATOS 2.39). “Porque o marido descrente é santificado pela mulher; e a mulher descrente é santificada pelo marido; de outra sorte os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos” (I COR. 7.14). “Mas Jesus, chamando-os para Si, disse: Deixai vir a mim os meninos, e não os impeçais, porque dos tais é o Reino dos Céus” (S. LUCAS 18.16).
A prática da Igreja Primitiva. Observamos que a Escritura relata o batismo de famílias inteiras no início da Igreja, o que é forte indicativo de que as crianças estavam incluídas – é extremamente improvável que em nenhuma daquelas famílias batizadas houvessem crianças. A conversão de Lídia é emblemática, “E, depois que foi batizada, ela e sua casa,...” (ATOS 16.15). Não cremos que é sem significado que famílias inteiras fossem batizadas quando da conversão do chefe da casa. E isso tem muito haver com simbolismo da circuncisão: quando um prosélito, na Antiga Aliança, convertia-se a Deus, ele e todos os seus filhos recebiam o sinal externo do Pacto.
“Entre os cristãos do seu tempo havia muitas pessoas de ambos os sexos, algumas com sessenta e outras com setenta anos de idade, que haviam sido feitas discípulos de Cristo desde sua infância” (MARTIR, Justino; 138 d.C.).
“Ele veio salvar todos para Si; todos, digo, os que por Ele são regenerados para Deus, crianças, meninos e moços” (IRINEU, nascido em 97 d.C.).
“... (é) uso da Igreja batizar crianças...a Igreja tinha recebido dos apóstolos a tradição” (ORÍGENES; nascido em 185 d. C.).
Aos testemunhos acima, poderíamos arrolar outros, como de Cipriano, bispo de Cartago de 248 a 258, que juntamente com um sínodo reunido, ou seja, com vários outros obreiros cristãos, decidiu que as crianças deveriam ser batizadas até o oitavo dia. Observe-se que ele não instituiu o Batismo para as crianças, mas sim que este se desse obrigatoriamente até o oitavo dia, ou seja, que os pais não descuidassem de tal obrigação. Por último, convocamos Santo Agostinho, Pai da Igreja e mentor da Reforma, “... (o batismo de crianças), doutrina mantida pela Igreja toda, não foi instituída por concílios, mas retida sempre”.
É, pois, confiando que pertencemos ao Povo do Pacto, e participamos da Promessa Abraâmica, em comunhão com a fé de toda a Igreja, que nos conduzimos nossos filhos as águas batismais. Este ato de fé é repetido em todo o mundo, em todas os séculos, conforme atesta a História da Igreja.

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