Ora, se indagarmos de que maneira nossa consciência possa tranqüilizar-se diante de Deus, outra resposta não acharemos senão que isso nos é assegurado pela graciosa justiça de Deus. Sempre nos vem à mente esta interpelação de Salomão: “Quem poderá dizer: Limpo fiz meu coração; purificado estou de meu pecado?” [Pv 20.9]. Certamente não há ninguém que não esteja submerso em infinita voragem de águas imundas. Portanto, que cada um desça à sua consciência, por muito perfeito que seja, e convoque seus feitos a prestar contas. Que resultado terá, afinal? Porventura descansará tranqüilamente, como se todas as coisas estivessem bem dispostas com Deus, e não se verá antes cercado de terríveis tormentos, quando, se for julgado à base de suas obras, haverá de sentir que em si reside causa de condenação? É inevitável que a consciência, se olha para Deus, ou sentirá tranqüila paz com seu juízo, ou se verá assediada dos horrores dos infernos. Portanto, ao discutir acerca da justiça, nada extraímos de proveito, a menos que tenhamos estabelecido essa em cuja solidez se pode suster nossa alma no juízo de Deus. Quando nossa alma tiver aquela justa mercê da qual não só compareça sem temor diante da face de Deus, mas também receba seu o juízo imperturbada; então poderemos pensar que já achamos uma justiça sem falsificação.
Portanto, não é sem motivo que o Apóstolo insiste com tanta veemência neste ponto, o que prefiro expressar com as palavras dele, antes que com as minhas. “Se a herança procede da lei”, diz ele, “então a fé está aniquilada e abolida a promessa” [Rm 4.14]. Antes do mais ele infere que a fé é aniquilada e anulada, caso a promessa de justiça tem em vista os méritos de nossas obras ou dependa da observância da lei. Pois ninguém jamais poderia descansar confiadamente nela, já que nunca acontecerá de alguém no mundo poder se assegurar de que satisfez à lei; e de fato jamais houve quem satisfizesse inteiramente através das obras. E para não buscar provas muito longe, cada um pode ser testemunha a si mesmo, se quiser contemplar atentamente. E daqui se põe à mostra em quão profundos e tenebrosos recessos a hipocrisia sepulta as mentes dos homens, enquanto se mimoseiam tão confiadamente que não hesitam em opor suas lisonjas ao juízo de Deus, como se quisessem, por assim dizer, impor-lhe que suspendesse sua ação legal. Mas os fiéis que a si mesmos sinceramente examinam, bem outra é a solicitude que os angustia e os crucia. Portanto, se deveria subir à mente de todos, primeiro a incerteza; depois, até mesmo a desesperança; enquanto cada um por si só consideraria de quão grande volume de dívida estaria ainda sobrecarregado, e quão longe distaria da condição que lhe foi imposta.
Eis aqui a fé já oprimida e aniquilada, porque ter fé não significa estar flutuante, permanecer mudando, ser levado de um lado para o outro, hesitar, manter-se suspenso, vacilar, finalmente ceder ao desespero; pelo contrário, o ânimo deve firmar-se de constante certeza e sólida confiança e ter onde apoiar e firmar o pé.
FONTE: O Calvinista
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