terça-feira, 23 de novembro de 2010

DOUTOR BÍBLIA RESPONDE:
Por que os anjos possuem asas?


Por Marcelo Lemos

Olá pessoal, graça e paz!

Antes de mais nada, quero agradecer a todos os que estão apoiando esta nova fase do blog Olhar Reformado, e também a todos que já enviaram suas questões para a série "Doutor Bíblia Responde". Esta semana estaremos publicando os novos textos da série, além de darmos continuidade aos textos sobre Liturgia Reformada. Pedimos as orações de todos; estamos em viajem a Belo Horizonte, resolvendo algumas pendências pessoais, o que explica nossa falta de atualização ontem (Domingo).

Hoje, o "Doutor Bíblia" está intrigado com uma questão enviada pela leitora Celina, que já é nossa companheira de viagem;

"... A Bíblia relata que os anjos possuem asas... por que os anjos possuem asas... se não precisam delas para se locomover... sei que a pergunta não é relevante...".

Irmã Celina, permita-me iniciar minha resposta com uma correção - a pergunta é sim, relevante, como pretendo demonstrar no decorrer deste artigo.

Minha segunda observação poderá desagradar alguns, e pegar outros de surpresa; pois, chamarei a atenção dos leitores para uma questão bem simples - onde as Escrituras dizem que os anjos possuem asas? Já refleti sobre este assunto, e estou certo de que a Bíblia jamais ensina que os anjos possuam asas.

Apenas quando a Bíblia fala de Querubins e Serafins, é que se diz deles estarem dotados de asas. Todavia, como veremos mais abaixo, tais descrições são riquíssimas em simbologias, o que nos dá o direito de questionar se tais asas são literais, ou não.

Contudo, vamos argumentar primeiro sob a possibilidade das asas dos Querubins e Serafins serem literais; assim, cabem algumas considerações:

a) A Bíblia diz que todos os anjos possuem asas? Acredito que quase todo mundo ao pensar em um anjo tenha em mente um ser de aparência humana, mas, claro, com o diferencial de possuir um par de asas. De modo que, grosso modo, um anjo seria na sua aparência, simplesmente um humano alado (risos).

Todavia, esta não é a forma como a Bíblia nos apresenta os seres angelicais. Com efeito, apenas algumas vezes a Bíblia descreve seres angelicais dotados de asas - os querubins (Ex. 25.20, Ez. 10), e os Serafins (Is. 6). Em outros casos, a Bíblia simplesmente fala de anjos que possuíam aparência humana, em sua aparição aos homens. Portanto, é seguro afirmar que alguns anjos possuem asas, mas não temos qualquer autoridade para a afirmação de que todos os anjos possuam asas.  Lembrando, estamos supondo que as asas descritas em Querubins e Serafins sejam literais.

b) Sendo que nem todos os anjos são descritos como possuindo asas, segue-se que a maioria dos anjos se locomove sem o uso de asas, enquanto que outros se locomovem fazendo uso delas (se é que são literais). Certamente, seremos tentados a pensar "mas os anjos não precisam de asas, são seres espirituais". Acredito que Deus é quem decide sobre este assunto, bem como sobre todas as coisas. Quem colocou limitações sobre nós, seres físicos, foi o mesmo que colocou liberdade e limitações sobre os seres angelicais; portanto, se alguns anjos possuem asas, e outros não, é porque cada um possui suas próprias limitações, a todos dadas por Deus...

Estou convencido de que esta é a forma mais bíblica de pensar, e que nos protege de fazermos teologia em achismos, e até contaminados por pressupostos anti-biblicos. Vou tentar ilustrar o que estou querendo dizer apelando a alguns filmes sobre fantasmas. Quem nunca viu um filme no qual o fantasma comia alguma coisa, mas, sendo um ser espiritual, e, portanto, "sem matéria", não consegue sentir o gosto da comida? Ou então, enquanto o fantasma come os demais conseguem ver a comida descendo pela 'goela' do infeliz? Ou ainda, vemos um fantasma louco de fome, e que desesperado, assiste tudo que engole 'vazando' pelo corpo incapaz de suportar o alimento dentro de si? Ora, não nos parece tais cenas estarem de acordo com a mais pura lógica?

Todavia, não é isso que se ensina nas páginas do Livro Sagrado. Há abundantes dados bíblicos para se usar aqui. Podemos começar com a visita que três anjos fizeram a Abraão, para avisá-lo da destruição que se avizinhava de Sodoma e Gomorra. Ali, vemos Abraão preparar um bolo, que é comido pelos anjos. Um outro exemplo vem do Novo Testamento, quando Jesus, já ressuscitado aparece aos seus, e com eles, alimenta-se normalmente da ceia que serviam.

No primeiro caso, temos anjos, seres espirituais; no segundo, temos um homem ressuscitado, Jesus, portador de um corpo incorruptível, semelhante ao que teremos na Eternidade. Nos dois casos, os seres conseguem se alimentar normalmente dos alimentos oferecidos, o que nos mostra o quanto nossa “filosofia” pode ser influenciada por conceitos não bíblicos sobre o que é (ou não), “natural”.

De modo que, se as asas vistas em Querubins e Serafins são literais, nada nos força a concluir que delas não necessitem. Se forem asas literais, então, Deus quis que eles delas dependessem. Por exemplo, via de regra, os humanos precisam de pernas para se locomover; mas, Deus, em sua soberania, pode mudar o quadro – foi o que aconteceu a Felipe (Atos 8.39-40), e a Elias (I Reis 18.12). Deus é soberano sobre tudo, podendo inclusive, segundo sua vontade, alterar aquilo que julgamos “natural”.

Em terceiro lugar, quero convidar todos refletirem sobre a simbologia presente nos textos que nos descrevem Querubins e Serafins. Nas passagens onde tais seres espirituais são descritos, há um grande significado simbólico e litúrgico.

No texto de Êxodo, quando se fala da construção do Tabernáculo, ordena-se que a imagem de dois querubins sejam colocados ao lado a Arca da Aliança, e suas asas, encontrando-se por sobre a Arca, passava a idéia de proteção. Os dois querubins olhavam para dentro da Arca, na qual, eram guardados o Livro da Lei, e as Tábuas de Pedra, que Moisés quebrou, ao voltar do Sinal e encontrar o povo entregue a idolatria. Sobre a tampa da Arca, havia um lugar reservado para que o Sangue do Sacrifício fosse derramado, para perdão.

Assim, há um profundo significado cristológico nesta cena: os querubins, símbolo da proteção e da presença de Deus, olham para a Arca que contém tanto a Santidade de Deus (a Lei), quanto o pecado da humanidade (tábuas quebradas), e selando tudo isso, eles contemplam também o Sangue derramado para realizar a Expiação da culpa. A simbologia é impressionante.

As demais referências, que são visões tidas por profetas, (Isaías, Ezequiel, e Zacarias), também são ricas em símbolos. Por exemplo, na visão de Ezequiel, é dito que cada anjo possuía “quatro rostos”, sendo que “o rosto do primeiro era rosto de querubim, e o rosto do segundo, rosto de homem, e do terceiro era rosto de leão, e do quarto, rosto de águia” (Ez. 10.14).

Esta visão de Ezequiel é muito próxima a que S. João teve na ilha de Patmos:

“E havia diante do trono como que um mar de vidro, semelhante ao cristal. E no meio do trono, e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos, por diante e por detrás. E o primeiro animal era semelhante a um leão, e o segundo animal semelhante a um bezerro, e tinha o terceiro animal o rosto como de homem, e o quarto animal era semelhante a uma águia voando”  (Apocalipse 4.6-7).

A simbologia destes quatro seres, como aparece em Apocalipse, é como se segue (junto ao símbolo eu tomei a liberdade de acrescentar uma possível aplicação dos mesmos).

O Primeiro Semelhante a um Leão – símbolo comum para força; poder e autoridade que são revestidos para servir ao Senhor.

O Segundo Semelhante a um Touro – a disposição e resistência para o trabalho podem estão associadas ao símbolo do boi.

O Terceiro Semelhante a um Homem – sabedoria, prudência e conhecimento ao se obedecer as ordens do Senhor.

O Quarto Semelhante a uma Águia em Vôo – símbolo de agilidade; velocidade.

Além disso, é dito que eles possuem vários olhos, na frente e atrás da cabeça, o que nos remete a idéia da Onisciência divina, que a tudo contempla e governa. Novamente, assim como no Tabernáculo, estes seres simbolizam o cuidado, a proteção e o Governo que Deus exerce sobre a Criação, e, especialmente, na Obra de Salvação. Isto torna bem mais viva a explicação que um anjos dá ao profeta Zacarias: “Estes são os quatro espíritos do céu, saindo donde estavam, perante o SENHOR DE TODA A TERRA” (Zac. 6.5).

Então, por qual razão os anjos possuem asas? Bem, na verdade, em nenhum lugar a Bíblia ensina que os anjos possuam asas, ou, pelo menos, ela nunca ensina que todos os anjos as possuam. E, se houver algum tipo de anjo com asas, certamente eles precisam delas. Todavia, a idéia popular de que um anjo seja um ser espiritual, com aparência humana e dotado de um lindo par de asas, não tem sua origem nas páginas Sagradas.

Espero ter respondido a questão proposta. Fiquem com Deus, e até mais.

Fonte: www.olharreformado.blogspot.com

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