terça-feira, 9 de novembro de 2010

A Pena de Morte no Novo Testamento


Por Presb. Solano Portela


Nossa convicção é de que a imutabilidade de Deus e de seus preceitos e desejos para o homem estabelecem uma harmonia e não uma dissociação e divisão entre o Velho e o Novo Testamento. Os contrastes traçados por Jesus, no Sermão da Montanha (“... ouvistes o que foi dito aos antigos..".) é muito mais um contraste entre a tradição dos anciãos e a verdadeira interpretação da Palavra do Deus, do que entre as determinações do Velho e as do Novo Testamento. 

Vários cristãos, lendo as determinações desse sermão de Jesus, se colocam contra a pena de morte, porque deveríamos "virar o outro lado da face", em vez de procurarmos vingança. Mas a vingança não é nossa prerrogativa, mas do Senhor. Como não é nossa prerrogativa revogar as determinações de justiça dadas por Deus aos governos. No Sermão da Montanha, Jesus não está argumentando contra o princípio de vida por vida, mas está falando contra o nosso desejo pessoal por vingança. Ele não está negando o poder e a responsabilidade do governo. Ele fala a nós como indivíduos, nos ensinando que não devemos tentar assumir ou substituir poderes e responsabilidades que pertencem aos governos. Assim ele nos chama, como indivíduos a amar os nossos inimigos e voltar a outra face. No contexto global do Novo Testamento, entretanto, ele reforça a autoridade dos governos como promotores da lei e da ordem, dos princípios de justiça, entre os quais se encontram a correta aplicação da pena capital. 

Em muitos casos, Jesus amplia as prescrições e o significado das determinações da lei moral do Velho Testamento, mas não as revoga. No Novo Testamento encontramos não a abolição da Lei Religiosa, mas sim a sua complementação e término de sua finalidade em Cristo. Encontramos não a revogação da Lei Civil de Israel, mas sim o registro de uma nação fragmentada, sob o domínio de outra nação e de outras leis, e a determinação profética da dissolução desta mesma nação. Quanto à Lei Moral, encontramos na realidade, afirmações de apoio e exortação da parte de Jesus, e nos demais livros, para o seu cumprimento e manutenção, como expressão maior do nosso amor para com Deus ("...se me amardes, guardareis os meus mandamentos..."). 

No caso específico da pena de morte, temos alguns registros, onde o assunto é mencionado, não havendo indicação de que os pontos básicos de justiça divina tivessem agora sido modificados, para a nossa era. Vamos ver alguns destes trechos: 

1. Mateus 26.52: Jesus disse: "...todos os que lançarem mão da espada, pela espada morrerão". Essa afirmação parece ser um reconhecimento tácito da legitimidade de aplicação da pena capital, como justa punição aos que vivem pela violência e desrespeito à vida. 

2. João 19.11: "... nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse dado..". Jesus reconhece que o poder de Pilatos de tirar a vida, vem do alto. Ele não contesta este poder, mas o considera legitimo, ainda que aplicado ilegitimamente, no caso de Jesus, e possivelmente fora da proporção dos parâmetros bíblicos, no caso de outras execuções. 

3. Atos 25.11: Paulo, na sua defesa perante Festo, disse: "Se eu cometi algum erro e fiz qualquer coisa digna de morte, não recuso morrer". Verifique que: 

a. Paulo reconhece que existiam crimes dignos de morte. 
b. Paulo informa que não ofereceria resistência ao recebimento da pena de morte. 
c. Paulo, implicitamente, reconhece que alguma autoridade possuía o direito de condenar alguém à morte".

4. Romanos 1.32: "... que são dignos de morte, os que tais coisas praticam..". Paulo reconhece que existem pessoas "dignas de morte" dependendo dos atos praticados. 

5. Romanos 13.1 e versículos seguintes: O conhecido trecho, que especifica as obrigações do governo, já tratado na abordagem dada pela Confissão de Fé, coloca claramente a espada nas mãos do Governo, como instrumento legítimo de punição. A colocação da espada nas mãos do governo é para uma óbvia finalidade, que dispensa mais explicações, 

6. 1 Pedro 2.13-14: "...sujeitai-vos à toda ordenação humana..". Os governos recebem a autoridade das mãos de Deus. Devemos clamar contra as injustiças, mas não recebemos sanção para considera-los ilegítimos aplicadores da justiça, por mais distanciados que estejam de Deus. Não recebemos sanção, de igual modo, para desobedecê-los, mesmo quando são injustos ( "...sujeitai-vos não somente aos bons e humanos, mas também aos maus..".1 Pedro 2:18), a não ser quando nos impelem a que desobedeçamos às próprias determinações de Deus. Neste caso, devemos agir e responder como o próprio Pedro em Atos 5:29: "Mais importa obedecer a Deus, do que aos homens". 

7. Apocalipse 13.10: "Se alguém matar à espada, necessário é que à espada seja morto". Em harmonia com a afirmação de Cristo, em Mateus 26:52, numa inferência de que o princípio de justiça da retribuição, continua válido no Novo Testamento. 

Semelhantemente ao verificado no Velho Testamento, as determinações eternas de Deus não estavam atreladas à bondade ou não dos governos temporais. O governo do contexto do Novo Testamento era bastante injusto, ruim e primitivo, mas mesmo assim a legitimidade dos governos não foi retirada e nem as responsabilidades de aplicação da justiça correta revogada. Seria diferente, em nossos dias? 



A Pena de Morte e o Decálogo

As Tábuas da Lei 

Na dádiva das "Tábuas da Lei", ou seja nos Dez Mandamentos (Ex. 20.1-13), Deus resumiu a sua Lei Moral apresentando-a formalmente, e registrando-a, sucinta e objetivamente, para o benefício do seu povo. 

É interessante atentar para o contexto histórico da ocasião. Foi a primeira vez que Deus falou coletivamente ao Seu Povo. Existiram inúmeras preparações necessárias para ouvi-lo, relatadas a partir do capítulo 19. O temor do povo perante a santidade de Deus era impressionante! Após ouvi-lo inicialmente, o povo suplicou a Moisés que intermediasse este contato com Deus, tamanho era o temor. O incidente da dádiva da ei, e os acontecimentos que se seguiram, evidenciam a fragilidade do Povo de Deus e do homem, em geral. Após tal demonstração de poder e santidade, logo se esqueceram de suas obrigações e, demonstrando ingratidão, caíram em idolatria. Isto mostra o desprezo do ser humano, caído, pela lei. 

Os Dez Mandamentos estabelecem obrigações e limites para o homem. O seu estudo aprofundado mostra a sabedoria infinita de Deus, bem assim como a harmonia reinante em Sua Palavra. Revela também nossa insignificância perante Ele, nossa dependência e necessidade de redenção, em virtude do nosso pecado. Todas as pessoas pecaram em Adão e desde então somos incapazes de cumprir a lei de Deus. 

Os Dez Mandamentos reforçam nossas obrigações para com os nossos semelhantes, em todos os sentidos. Entre estas obrigações, está a de preservarmos a vida desses. Inferimos, também, que as sanções divinas, sobre a quebra destes mandamentos, carregam o peso e a importância anteriormente ordenadas por Deus. 


Jesus Cristo e os Dez Mandamentos 

Um incidente bíblico reafirma a validade da Lei Moral de Deus em todos os tempos, tanto na antiga como na nova aliança, e relaciona a lei com amor. Encontramos ele em Mt 22.34-40. Os Fariseus não estavam inquirindo em sinceridade, mas queriam, como sempre, confundir a Jesus. Perguntaram a ele qual o maior dos mandamentos. Eles se entregavam a esse tipo de discussão continuamente e geravam grande controvérsia, com a defesa de um ou de outro mandamento. Nesse sentido, pensavam que qualquer que fosse a resposta de Jesus, iriam indispô-lo com um grupo ou com outro. Jesus, entretanto, não cita nenhum mandamento específico do decálogo, mas faz referência, conjuntamente, a dois trechos conhecidos das Escrituras (Dt 6.5 e Lv 19.18), fornecendo um resumo dos dez mandamentos: 

Os dez mandamentos podem ser divididos da seguinte forma: 

Mandamentos 1 a 4 - Nossas obrigações para com o nosso criador Deus.

Mandamentos 5 a 10 - Nossas obrigações para com o nossos semelhantes.
Jesus apresenta exatamente esse entendimento da Lei, em Mt 22.37-40: 

Mandamentos 1 a 4 - “Nossas obrigações para com Deus”
V. 37 " Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.

Mandamentos 5 a 10 - “Nossas obrigações para com o próximo”
V. 39 " Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

Não encontramos, portanto, Jesus Cristo, descartando a lei, mas cumprindo-a e resumindo-a em declarações do próprio Antigo Testamento. O seu ensino expande o entendimento anterior. Deus está interessado não apenas no cumprimento externo da lei " naquele evidenciado aos circunstantes, mas naquele cumprimento que procede de uma profunda convicção interna: do amor tanto por Deus como pelo próximo. Esse é o cumprimento que surge de uma vida transformada, tocada e operada pelo Espírito Santo de Deus. O verdadeiro amor se demonstra em ações concretas que agradam a Deus, pelo cumprimento de suas diretrizes (Jo 14.15 " "se me amais, guardareis os meus mandamentos"). 

Com efeito, Jesus Cristo demonstra sua afirmação de que não veio para anular, ou abolir, a Lei, mas sim para cumpri-la, em outro incidente. Referimo-nos ao encontro com o Jovem Rico, registrado em Mateus 19.16-26 e em Marcos 10.17-22. Note o desenvolvimento do que ocorreu, naquela ocasião: 

a) O jovem apresentou-se como tendo cumprido todos os mandamentos, mas mesmo assim inquiria como alcançar a vida eterna. 
b) Jesus começou perguntando sobre os últimos 6 mandamentos, um a um... (nossas obrigações para com os nossos semelhantes).
c) Ele respondeu que tudo aquilo havia cumprido. 
d) Jesus, entretanto, não chegou a enunciar o último mandamento (Não cobiçarás...).
e) Em vez disso colocou um teste prático sobre a cobiça, mandando que ele vendesse tudo o que tinha e distribuísse com os pobres. 
f) Nesse momento ele evidenciou a cobiça existente no seu coração e retirou-se triste, mostrando que não cumprira nem o primeiro mandamento, pois amava algo, mais do que a Deus. 
g) Note que Jesus, nunca aventou a possibilidade de que aquelas obrigações eram hipotéticas ou superadas pela "nova dispensação", ou de que o Jovem Rico não estava mais "sob a Lei Moral de Deus, mas sob a Graça". Em vez disso, Cristo derrotou o argumento dentro da própria obrigação que o jovem possuía, de cumprir a lei, demonstrando que sua alegação de cumprimento era falsa. 

Consideramos, desta forma, a Lei Moral de Deus válida para nossa época. A santidade da vida do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, contida nesta Lei, ainda subsiste. Subsistem, consequentemente, as sanções à retirada desta vida, ou seja a aplicação da pena de morte não foi revogada, como estamos ainda a demonstrar.


O 6º Mandamento e a Pena de Morte 

Muitos tentam encontrar no 6º Mandamento uma proibição à aplicação da pena de morte, dizendo que o "Não matarás", proibiria qualquer execução. O argumento é curioso, porque via de regra é aplicado justamente por aqueles que negam a validade da Lei Moral de Deus para os nossos dias, mas utilizam esta mesma lei quando lhes é conveniente. Nosso entendimento, é de que precisamente o sexto mandamento reforça a aplicação da pena de morte, ou seja, ele não é, em momento algum, uma proibição à aplicação da pena capital. 

Este mandamento (Ex. 20.13) enfatiza a santidade da vida. O que temos aqui, é Deus dando uma determinação bastante objetiva, proibindo o assassinato. A palavra, no original, ocorre 49 vezes no Antigo Testamento, sempre para descrever o assassinato premeditado. Nunca é utilizada com relação a animais, Deus, anjos, ou na morte de inimigos no campo de batalha. O mandamento não está ensinando que toda a morte é errada. O "não matarás", aqui, significa, muito corretamente, não cometerás assassinato.

Ou seja: nenhum indivíduo tem o direito de tirar a vida de outro. A proibição não se aplica, portanto, aos governos constituídos que, exercitando o mandato e a autoridade concedida por Deus, passassem a aplicar a justiça e a reforçar o sexto mandamento, com a aplicação da pena de morte. Isso é óbvio porque a própria Lei Civil de Israel, prescrevia a pena de morte em várias instâncias e ocasiões exatamente pela quebra do sexto mandamento " por exemplo, Ex 21.12 e Nm 35.16-21. Com efeito, nenhum profeta ou pronunciamento registrado na Palavra de Deus levanta a possibilidade de que estas leis civis de Israel, também dadas por Deus, estivessem contrárias ao sexto mandamento. 

A santidade da vida é uma determinação divina. Por inferência, todas as ações que prejudiquem a integridade física do próximo, são passos preliminares no atentado à vida e constituem quebra do 6º Mandamento. 

A visão bíblica da santidade da vida, encontrada neste Mandamento e em outras passagens da Palavra de Deus, contrasta com os costumes dos povos pagãos daquela época, que rodeavam a nação de Israel, onde a vida humana era algo sem consideração ou valor, ao ponto de muitas cerimônias religiosas prescreverem o sacrifício humano, de forma banal e corriqueira. Esse ponto é enfatizado por Walter Keiser, no seu livro Old Testament Ethics " "A Lei antiga do oriente prescrevia a pena de morte para crimes contra a propriedade, mas no Velho Testamento nenhum crime contra a propriedade é merecedor da pena capital. Mais uma vez, o ponto focal é o de que a vida é sagrada, não as coisas são sagradas. Qualquer que pretendesse destruir a qualidade sagrada da vida cometia uma ofensa capital contra Deus".

Como vimos anteriormente, a Bíblia diz que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, sendo esta uma das principais razões por que sua vida deve ser respeitada (Gen 9.6). Hoje em dia, observamos cada vez mais uma vulgarização da vida, com o aumento gradativo da criminalidade e da impunidade que assola a nossa sociedade. 

Voltando ao Princípio da Retribuição 

Quando tratamos sobre a questão da Lei Civil de Israel, sobre os crimes e suas punições, dissemos que a não aplicabilidade da Lei Civil aos nossos dias não deveria nos isentar de pesquisarmos os princípios por trás daquela legislação. Como já nos referimos, naquela ocasião, um dos princípios básicos nas punições, era o da retribuição. 

A pena de morte, estabelecida por Deus previamente à Lei Civil, obedece a este princípio da retribuição. No detalhamento da Lei Civil ou Judicial, do Estado de Israel, aprendemos também que a execução desta sentença não foi dada desqualificadamente a indivíduos ou organizações fora do governo constituído. Estes não possuem nenhum direito sobre a vida de quem quer que seja, por mais legítima que venham a parecer as causas ou razões. A prova disto é a própria instituição das Cidades de Refúgio, estabelecidas por Deus em Números 35.9-34. Naquelas cidades, até os assassinos confessos e declarados mereciam proteção temporária da fúria vingativa dos parentes próximos das pessoas assassinadas, pois o direito de fazer pagar a vida com a vida não havia sido delegado indiscriminadamente aos parentes ou aos amigos, mas à instituição do governo e somente após o julgamento devido. Uma vez aferida a real culpa do acusado, o parente próximo poderia até ser o executor, mas não recebia sanção para cometer injustiça, para sair matando dando vazão à sua fúria. 

Por estes princípios, o crente deve ser contra os grupos de extermínio, os chamados vigilantes "muitas vezes contratados por comerciantes para "limpar" a área; contra os linchamentos realizados por turbas de populares enfurecidos " a maioria dos quais sem qualquer conhecimento até do crime real praticado, e todos agindo fora de qualquer procedimento legal; contra qualquer ação de execução sumária " muitas vezes quando o prisioneiro já está dominado, e quando vidas não estão mais sendo ameaçadas " praticada fora do legítimo processo de justiça por muitos policiais. Essas ações e essas pessoas que assim agem, dando a aparência de execução de justiça, promovem na realidade a ausência de ordem, anarquia e a desconsideração pela vida. Elas eliminam a possibilidade de verificação isenta dos fatos e dos possíveis crimes cometidos e a aplicação das justas penalidades. Estes grupos de pessoas quebram, na realidade, o sexto mandamento, e agem contra o princípio de santidade da vida, ali estabelecido. 

Por outro lado, os argumentos pragmáticos, contra a pena de morte, por mais aparentemente verdadeiros que sejam, tais como: "...os nossos governos e governantes são imorais e não podem praticar a justiça, nem receber esta delegação...", não podem se sobrepor às determinações de Deus. Por mais ilegítimos que sejam os governos, estas determinações de Deus permanecem legítimas. Os governantes de Israel nem sempre foram justos, corretos e tementes a Deus. Na realidade, em sua maioria, desrespeitaram abertamente a Deus e a suas Leis, abraçando a idolatria. Nunca, entretanto, encontramos qualquer profeta indicando: "Vamos dar um tempo e suspender as aplicações da Lei de Deus, até que um governo bom e justo venha a se instalar em nosso país...". Pelo contrário, a mensagem profética era sempre no sentido de chamar também os governantes à obediência destas mesmas leis. Ao defendermos algo que é determinado por Deus, devemos ter coragem e ousadia, mesmo caminhando contra a corrente e pensamentos modernos, talvez politicamente "corretos", mas que apresentam soluções estranhas aos parâmetros de justiça de Deus. 

A Teologia da Reforma e a Pena de Morte - Aspectos Confessionais 

1. A opinião de João Calvino

As palavras seguintes, extraídas de um dos comentários de Calvino, não deixam dúvidas com relação à sua posição sobre a aplicação da pena capital. Escreve Calvino: "Quando Deus diz que ele requererá a punição dos animais quando violarem a vida de um homem, Ele nos dá isto como um exemplo. Se, tomando o lado do homem, Ele se enfurece contra a criatura bruta, apressadas por uma impetuosidade de alimentação, em cair sobre o homem, o que será de um homem que, injusta e cruelmente, contrariando o sentido da natureza, ataca um de seus irmãos?".

2. A Confissão de Fé de Westminster (1643-1649)

Aqueles que abraçam os ideais da reforma e a interpretação calvinista das Sagradas Escrituras, na crença de que ela faz justiça à Revelação de Deus para o ser humano, e de que representa uma das melhores formas de sistematização das verdades bíblicas, freqüentemente "esquecem" de consultar as confissões de fé do período e de suas denominações, sobre estes temas polêmicos e atuais. Tome-se o caso da Confissão de Fé de Westminster, por exemplo. Ela não silencia quanto ao assunto da pena de morte. Na realidade, ela é bastante específica. Não podemos simplesmente descartar o assunto como sendo apenas "um reflexo histórico" da Igreja. O que temos na Confissão de Fé, com efeito, é o reflexo do que os teólogos, que a formularam, acreditavam expressar da forma mais exata possível os ensinamentos da Palavra de Deus. Muitas vezes, as convicções bíblicas registradas na Confissão de Fé de Westminster, foram corajosamente colocadas em contradição ao contexto histórico em que estavam vivendo aqueles servos de Deus. 

No capítulo XXIII da Confissão de Fé, intitulado "Do Magistrado Civil", encontramos a referência ao governo civil, e de que Deus os "...armou com o poder da espada" para atuação em quatro áreas: 

Para defesa dos bons 
Para incentivo dos bons, 
Para castigo dos malfeitores 
Para fazer licitamente a guerra, havendo ocasiões justas e necessárias. 

Da mesma forma que a execução de uma guerra implica em mortes, é óbvio que a utilização da espada, no castigo dos malfeitores, implica na pena de morte, dentro dos limites de utilização e de autoridade delegada e traçada por Deus. 

3. O Catecismo Maior (Perguntas 135 e 136)

O Catecismo Maior é uma extensão da Confissão de Fé e nos ajuda em sua interpretação. Ele foi formado com a finalidade didática de ensinar as doutrinas expostas na Confissão de Fé, seguindo aproximadamente o mesmo roteiro e desenvolvimento. Nas perguntas Nº 135 e 136, e suas respectivas respostas, encontramos afirmações que não deixam margens a dúvidas, que aqueles teólogos consideravam a pena de morte bíblica e aplicável. Estavam isentos e imunes dos argumentos humanistas que posteriormente viriam a permear as convicções éticas, práticas e teológicas do mundo evangélico. Ali lemos: 

Pergunta 135--Quais são os deveres exigidos no sexto mandamento? 
Resposta: ...todo o cuidado e todos os esforços para preservar a nossa vida e a de outros.

Pergunta 136--Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento? 
Resposta: ... o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto:
a. no caso da justiça pública,
b. no caso de guerra legítima,
c. no caso de defesa necessária.

Sem sombra de dúvida, temos que reconhecer que a Confissão de Fé de Westminster considera a Justiça Pública, como sendo a legítima aplicadora da pena capital, pelos padrões bíblicos de justiça, visando a santidade e a preservação, em última análise, da vida dos cidadãos. 

A Pena de Morte no Novo Testamento 

Nossa convicção é de que a imutabilidade de Deus e de seus preceitos e desejos para o homem estabelecem uma harmonia e não uma dissociação e divisão entre o Velho e o Novo Testamento. Os contrastes traçados por Jesus, no Sermão da Montanha (“... ouvistes o que foi dito aos antigos..".) é muito mais um contraste entre a tradição dos anciãos e a verdadeira interpretação da Palavra do Deus, do que entre as determinações do Velho e as do Novo Testamento. 

Vários cristãos, lendo as determinações desse sermão de Jesus, se colocam contra a pena de morte, porque deveríamos "virar o outro lado da face", em vez de procurarmos vingança. Mas a vingança não é nossa prerrogativa, mas do Senhor. Como não é nossa prerrogativa revogar as determinações de justiça dadas por Deus aos governos. No Sermão da Montanha, Jesus não está argumentando contra o princípio de vida por vida, mas está falando contra o nosso desejo pessoal por vingança. Ele não está negando o poder e a responsabilidade do governo. Ele fala a nós como indivíduos, nos ensinando que não devemos tentar assumir ou substituir poderes e responsabilidades que pertencem aos governos. Assim ele nos chama, como indivíduos a amar os nossos inimigos e voltar a outra face. No contexto global do Novo Testamento, entretanto, ele reforça a autoridade dos governos como promotores da lei e da ordem, dos princípios de justiça, entre os quais se encontram a correta aplicação da pena capital. 

Em muitos casos, Jesus amplia as prescrições e o significado das determinações da lei moral do Velho Testamento, mas não as revoga. No Novo Testamento encontramos não a abolição da Lei Religiosa, mas sim a sua complementação e término de sua finalidade em Cristo. Encontramos não a revogação da Lei Civil de Israel, mas sim o registro de uma nação fragmentada, sob o domínio de outra nação e de outras leis, e a determinação profética da dissolução desta mesma nação. Quanto à Lei Moral, encontramos na realidade, afirmações de apoio e exortação da parte de Jesus, e nos demais livros, para o seu cumprimento e manutenção, como expressão maior do nosso amor para com Deus ("...se me amardes, guardareis os meus mandamentos..."). 

No caso específico da pena de morte, temos alguns registros, onde o assunto é mencionado, não havendo indicação de que os pontos básicos de justiça divina tivessem agora sido modificados, para a nossa era. Vamos ver alguns destes trechos: 

1. Mateus 26.52: Jesus disse: "...todos os que lançarem mão da espada, pela espada morrerão". Essa afirmação parece ser um reconhecimento tácito da legitimidade de aplicação da pena capital, como justa punição aos que vivem pela violência e desrespeito à vida. 

2. João 19.11: "... nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse dado..". Jesus reconhece que o poder de Pilatos de tirar a vida, vem do alto. Ele não contesta este poder, mas o considera legitimo, ainda que aplicado ilegitimamente, no caso de Jesus, e possivelmente fora da proporção dos parâmetros bíblicos, no caso de outras execuções. 

3. Atos 25.11: Paulo, na sua defesa perante Festo, disse: "Se eu cometi algum erro e fiz qualquer coisa digna de morte, não recuso morrer". Verifique que: 

a. Paulo reconhece que existiam crimes dignos de morte. 
b. Paulo informa que não ofereceria resistência ao recebimento da pena de morte. 
c. Paulo, implicitamente, reconhece que alguma autoridade possuía o direito de condenar alguém à morte".

4. Romanos 1.32: "... que são dignos de morte, os que tais coisas praticam..". Paulo reconhece que existem pessoas "dignas de morte" dependendo dos atos praticados. 

5. Romanos 13.1 e versículos seguintes: O conhecido trecho, que especifica as obrigações do governo, já tratado na abordagem dada pela Confissão de Fé, coloca claramente a espada nas mãos do Governo, como instrumento legítimo de punição. A colocação da espada nas mãos do governo é para uma óbvia finalidade, que dispensa mais explicações, 

6. 1 Pedro 2.13-14: "...sujeitai-vos à toda ordenação humana..". Os governos recebem a autoridade das mãos de Deus. Devemos clamar contra as injustiças, mas não recebemos sanção para considera-los ilegítimos aplicadores da justiça, por mais distanciados que estejam de Deus. Não recebemos sanção, de igual modo, para desobedecê-los, mesmo quando são injustos ( "...sujeitai-vos não somente aos bons e humanos, mas também aos maus..".1 Pedro 2:18), a não ser quando nos impelem a que desobedeçamos às próprias determinações de Deus. Neste caso, devemos agir e responder como o próprio Pedro em Atos 5:29: "Mais importa obedecer a Deus, do que aos homens". 

7. Apocalipse 13.10: "Se alguém matar à espada, necessário é que à espada seja morto". Em harmonia com a afirmação de Cristo, em Mateus 26:52, numa inferência de que o princípio de justiça da retribuição, continua válido no Novo Testamento. 

Semelhantemente ao verificado no Velho Testamento, as determinações eternas de Deus não estavam atreladas à bondade ou não dos governos temporais. O governo do contexto do Novo Testamento era bastante injusto, ruim e primitivo, mas mesmo assim a legitimidade dos governos não foi retirada e nem as responsabilidades de aplicação da justiça correta revogada. Seria diferente, em nossos dias? 

Existem Situações em que a Pena de Morte foi Comutada, na Bíblia? 

Alguns dizem que em duas instâncias na Palavra de Deus a pena de morte foi comutada, portanto a vontade de Deus seria a sua não aplicabilidade. Não concordamos com esta conclusão. Em primeiro lugar, esses dois trechos falam da aplicação da pena de morte não por assassinato, como prescreve a sua instituição, em Gn 9.6, e o seu enraizamento com a lei moral de Deus (quebra do sexto mandamento), mas na situação específica de adultério " contra o qual a lei civil de Israel aplicava a pena capital. Vejamos os dois casos: 

1. O caso do adultério de David (2 Samuel 11 e 12). Quando examinamos esse incidente concluímos que Deus lidou pessoal e especificamente com a questão. A punição a ser aplicada seria, consequentemente, sua prerrogativa, independentemente de qualquer legislação, diga-se de passagem, dada pelo próprio Deus, para uma aplicação generalizada. O adultério de David levou a pecados maiores " ele tornou-se mandante de um assassinato, demonstrando a intensidade da espiral do pecado. Os que procuram ver nesse incidente apenas a operação do perdão de Deus terão que explicar a questão ainda mais difícil de perda da vida da criança, do filho de David, que sobreveio a ele, da parte de Deus, como conseqüência direta do seu pecado. 

2. O caso da Mulher adúltera (João 7:53-8:11). Sem entrar na polêmica da contestação textual da passagem, o que vemos é que Jesus chamou para si a administração da questão, exercitando suas prerrogativas de perdão, mas, principalmente, ele não permitiu um processo indevido sem testemunhas. A forma pela qual a turba queria apedrejá-la, contrariava os preceitos da própria lei mosaica. O encaminhamento que Jesus deu à questão, não significa uma rejeição da pena em si. Em adição a isso, devemos considerar o contexto do incidente. Temos, mais uma vez os Fariseus, que tentavam "pegar" Jesus em uma armadilha, jogando-o contra a lei judaica ou romana. Se ele concordasse com o apedrejamento, quebraria a lei romana. Se rejeitasse tal punição, quebraria a lei mosaica (Lv. 20.10; Dt. 22.22). A resposta dada por Jesus sabiamente evitou a armadilha, mandando o que não tivesse pecado jogar a primeira pedra. Isso não é uma abolição da pena de morte. Além dessas considerações, temos que entender que ela é uma passagem histórico/descritiva e não prescritiva. Os princípios e penalidades foram estabelecidos em outros trechos da Palavra de Deus. 



FONTE: Direito Reformacional

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