terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Os Limites da Misericórdia Divina



Por Marcelo Lemos

Uma breve reflexão sobre “limites”.

Algumas as pessoas vêem no Calvinismo uma doutrina que limita o alcance da Misericórdia Divina. Estão certas, mas não pelos motivos que imaginam; como vou explicar. Estão certas, pois o Calvinismo, de fato, ensina que Deus não irá salvar todos os homens, nem está ofertando a salvação a cada ser humano na face da terra, em todos os tempos. Mas estão erradas, se imaginam que tal limitação da Misericórdia é exclusiva do sistema Calvinista, ou inventada por ele. A teologia arminiana também faz limitações semelhantes, apesar de muitos de seus defensores não perceberem.


O arminianismo também limita a aplicação da Misericórdia Divina apenas aqueles que possuem fé na pessoa de Cristo, do mesmo modo que o Calvinismo, apenas a causa-efeito é diferente. Apenas se salvam os crentes: esta é uma grande limitação. A diferença entre Arminianos e Calvinistas aqui, é que os primeiros colocam a Vontade Humana como agente da limitação, já os calvinistas afirmam que a limitação é realizada pela Vontade de Deus (1).

Entretanto, nenhum dos dois grupos, com base apenas em sua soterologia, pode fugir da conclusão de que o Inferno está sendo povoado por uma multidão de milhões de seres humanos.

Outro ponto a se considerar: os arminianos, querendo defender a “justiça” de Deus, acusam o Calvinismo de acreditar num Deus “injusto”, que não dá a todos os homens a mesma oportunidade de salvação. Já escrevi sobre o assunto recentemente. Ocorre o seguinte: o fato é que Deus não dá a todos os homens a mesma oportunidade de Salvação, e isso independe de ser arminiano ou calvinista, é fato histórico. A objeção arminiana só faria sentido se:

a) [se] Deus viesse dando, ao longo de todos os séculos, a todos os homens, em todos os lugares, o mesmo acesso a Mensagem do Evangelho. Isso jamais aconteceu. Desde a fundação do mundo até os dias de hoje, milhões de pessoas já morreram sem ter tido qualquer acesso à mensagem de Jesus; logo, Deus não dá a todos os homens a mesma oportunidade de crer e se arrepender.

b) [se] Deus viesse salvando, ao longo de todos os séculos, em todos os tempos, a todos os homens que jamais ouviram a mensagem do Evangelho, e, portanto, não tiveram “oportunidade” de se salvar. Isso jamais acontecerá: sem a fé depositada na pessoa do Cristo, nenhum homem pode ter acesso a salvação. Aliás, se houvesse tal possibilidade, a melhor forma de salvar os povos “não alcançados”, seria deixando-os “não alcançados”: salvação automática! Abordei este tema no artigo citado anteriormente.

As acusações arminianas contra a fé Calvinista baseiam-se em alicerces de areia. Mais que isso: suas objeções revelam a total irracionalidade do sistema que defendem, pois não resistem ao teste mais simples do princípio da “não contradição”, como acabamos de ver. Explicando melhor: afirmam que Deus oferece Misericórdia a todos, mas são obrigados, se conhecem algo de História, a reconhecer que nem todos possuem a mesma oportunidade de crer e arrepender.

O Calvinismo por sua vez é completamente racional, e bíblico - as duas coisas andam juntas, diria Cheung (2). Quando afirmamos que a Misericórdia Divina não é ofertada a todos os homens, no mesmo grau, não só não podemos ser contestados, como também podemos provar, biblicamente, que o próprio Deus estabelece o lugar de cada ser humano no tempo e no espaço da História, o que confirma a Doutrina da Eleição: “... e de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra, determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação” (Atos 17.26).

O “número” dos salvos

Passei muito tempo acreditando e defendendo que o Inferno seria muito mais populoso que a Nova Terra, e quando, há vários anos, abracei o Calvinismo, me pareceu ter ainda mais motivos para continuar assim. Não foi o que aconteceu. Acabei descobrindo que a idéia de um Evangelho que não salvará mais que uma pequena parcela da Humanidade, depende mais do nosso pessimismo escatológico, do que da nossa doutrina soteriológica.

Tal pessimismo não era compartilhado pelos cristãos mais antigos, como se pode comprovar lendo aqueles que ajudaram a evangelizar os pagãos, nos tempos do Império Romano. Atanásio, que viveu entre 295–373 escreveu: “Quando o Sol nasce, a escuridão não prevalece; qualquer parte dela foi embora. Além disso, agora que a Epifania divina da Palavra de Deus tem tido lugar, a escuridão dos ídolos já não prevalece, e em todo o mundo, em todas as direções, são iluminados por Seus ensinamentos”.

As escolas escatológicas que predominam o cristianismo atual são adeptas do pessimismo. Os cristãos foram convencidos que serão historicamente derrotados pelo mundo, ou até mesmo pelo Anti-Cristo, lhe restando apenas aguardar ansiosos, pelo socorro final, vindo nas nuvens. Não só por isso, mas também por isso, a Igreja abriu mão de participar da guerra cultural que se desenvolveu a sua volta, afinal, o mundo já está mesmo condenado. Daí a acreditar que pouca gente será salva é um pulo.

A escatologia da derrota é um equivoco. Como escreveu David Chilton, talvez a mente mais brilhante do pós-milenismo nas últimas décadas, “A Bíblia nos dá uma escatologia de domínio , uma escatologia da vitória. Esta não é uma espécie de otimismo, como "tudo vai dar certo de alguma forma." É uma certeza sólida, confiável, com base na Bíblia, que antes da Segunda Vinda de Cristo, o Evangelho será vitorioso no mundo(3).

Com efeito, a escatologia da derrota, além de anti-biblica, fecha os olhos, deliberadamente, para o fato de que a Civilização que conhecemos foi construída pela Religião Cristã. A cosmovisão bíblica destruiu o paganismo, entronizou Cristo, e deu nascimento ao mundo que conhecemos - inclusive a própria ciência! Ciência, tecnologia, artes, medicina, hospitais, escolas e universidades, o constitucionalismo, a livre iniciativa, o sistema de júri, dentre tantas outras coisas (4). Porém, o homem pós-moderno rebelou-se contra Deus, e tem tido sucesso em convencer os próprios cristãos de que a nossa sublime religião é apenas uma “mancha” na História da civilização.

“O Reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo; o qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos. Outra parábola lhes disse: O Reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado” (S. Mateus 13.31-33).

Não, ainda que em certos momentos da História, devido à timidez da Igreja, e ao lento avanço do Evangelho da Graça, os ímpios pareçam prevalecer, Cristo não será derrotado jamais pela História. Cristo Reina, não apenas num futuro porvir, no Estado Eterno, mas também aqui e agora:

“Pede-me, e eu te darei os gentios por herança, e os confins da terra por tua possessão. Tu os esmigalharás com vara de ferro; tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro” (Salmos 2.8,9).

“Dominará de mar a mar, e desde o rio até as extremidades da terra. Aqueles que habitam no deserto se inclinarão ante Ele, e os seus inimigos lamberão o pó. Os reis de Társis e das ilhas trarão presentes; os reis de Sabá e de Seba ofereceram presentes. E todos os reis se prostarão perante ele; todas as nações o servirão!” (Salmos 72. 7-11).

Teria, hoje, Cristo menor poder que nos dias de Roma? Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém; eis que o teu rei virá a ti, justo e salvo, pobre, e montado sobre um jumento, e sobre um jumentinho, filho de jumenta. E de Efraim destruirei os carros, e de Jerusalém os cavalos; e o arco de guerra será destruído, e ele anunciará paz aos gentios; e o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o rio até às extremidades da terra” (Zacarias 9.9,10; conf. S. Mateus 21.5).

Não acredito, de modo algum, que a Eternidade nos apresentará um céu menor que o Inferno – muito pelo contrário. Tampouco acredito que a Eternidade virá ao encontro de uma Igreja derrotada, escondida, fragilizada (5).  A promessa de Jeová a Abraão, nosso “pai na fé”, diz:

E tu o disseste: Certamente te farei bem, e farei a tua descendência como a areia do mar, que pela multidão não se pode contar” (Gênesis 32.12).

“...e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12.3).

O apóstolo S. Paulo explica: se hoje, ou em qualquer outra época, o conhecimento de Cristo é menor na sociedade – principalmente em nações e lugares considerados cristãos – a culpa está na desobediência da Igreja, ou seja, você e eu, e não da incapacidade do Evangelho em ser eficaz: Porque, andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo; e estando prontos para vingar toda a desobediência, quando for cumprida a vossa obediência” (II Coríntios 10.3-6).

Quando for cumprida a vossa obediência. Uma frase breve, mas de significado profundo, e muito esclarecedor do rumo que a sociedade atual tem tomado. Obediência Cristo, apego ao evangelho genuíno, da Cruz, uma militância crista firme em toda a cultura a nossa volta – eis a receita bíblica para a Teologia do Domínio.

Quem está disposto ao desafio?

Paz e bem, amigos.

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